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Falta de espaço para lixo atômico põe usinas de Angra em risco

O Globo, País, p. 3
12 de Mai de 2014

Falta de espaço para lixo atômico põe usinas de Angra em risco
Alerta é do TCU, que identificou saturação de depósitos para rejeitos e combustível no município

Vinicius Sassine

BRASÍLIA - A usina nuclear Angra 2, em Angra dos Reis, corre o risco de ser desligada em 2017 em razão da saturação dos depósitos de rejeitos radioativos, segundo uma avaliação da própria Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) - responsável por fiscalizar o setor - remetida ao Tribunal de Contas da União (TCU). O mesmo deve ocorrer com a usina Angra 1 em 2018 ou 2019. E Angra 3, um empreendimento ainda em construção, pode deixar de entrar em operação por conta da crítica situação de armazenamento dos rejeitos.
Uma auditoria do TCU no sistema que guarda o lixo atômico descobriu o iminente esgotamento dos depósitos de resíduos de baixa e média radioatividade e das piscinas que recolhem o combustível usado, de alta radioatividade, decorrente da geração de energia. O mais grave é que a construção do novo depósito e da nova piscina está praticamente na estaca zero, um prenúncio da paralisia forçada do sistema.
O pente-fino dos auditores transcorreu sob sigilo, prática comum quando se trata de assuntos relacionados à política nuclear e aos órgãos federais envolvidos, a Cnen e a Eletrobras Eletronuclear. No último dia 30, quando a auditoria foi submetida à análise em plenário, o ministro relator, André Luís de Carvalho, derrubou o sigilo, o que levou à transferência do processo da sessão secreta para a aberta. O relatório foi aprovado, com a definição de um prazo de 90 dias para que os órgãos responsáveis definam as providências.
A situação mais crítica é a das piscinas para o destino final do combustível nuclear irradiado nas usinas. A de Angra 2 se esgota em 2018 e a de Angra 1, em 2020. A Eletronuclear precisará construir uma unidade de armazenamento complementar, o que ainda não teve início, como concluiu o TCU. "Caso a unidade não esteja licenciada e comissionada até 2018, possivelmente a geração elétrica das usinas estará comprometida, uma vez que não poderão operar sem que exista a possibilidade de armazenamento de seus combustíveis irradiados", afirmam os auditores.
Os mesmos auditores reproduzem uma tabela com a taxa de ocupação dos depósitos que abrigam rejeitos de baixa e média radioatividade. Um deles estará totalmente ocupado neste ano. A área de caixas não terá mais espaço em 2015. E, em 2018, um depósito com 2,3 mil tambores de lixo radioativo atingirá a capacidade máxima. Em média, os depósitos conseguirão abrigar os rejeitos até 2020. Depois disso, a Cnen e a Eletronuclear precisarão efetivar uma solução. Os materiais de baixa radioatividade são papéis, plásticos, roupas e ferramentas usados nas usinas. Os de média, filtros e resinas.
A informação sobre um tipo de material colocado no depósito interno de Angra 2 despertou preocupação nos técnicos que conduziram o pente-fino. A Coordenação de Rejeitos e de Transporte de Materiais Radioativos e Nucleares (Corej) da Cnen apontou a existência no espaço de "80 embalados de alto nível de radiação, representando 17,39% do total". A Eletronuclear, estatal responsável pelas usinas, chegou a afirmar que, na verdade, "existem 552 embalados de alto nível de radiação no CGR (Centro de Gerenciamento de Rejeitos)". Depois, no curso da auditoria, a Cnen sustentou não existir esse tipo de material nas dependências das usinas.
O assunto é tão controverso que, em resposta aos questionamentos do GLOBO, a Cnen disse ter havido um "equívoco de classificação nos dados repassados ao TCU". "Buscaremos esclarecer junto ao tribunal. A Cnen tem conhecimento de todos os rejeitos radioativos estocados nas usinas nucleares e afirma que não há rejeitos de alto nível de radiação no local", citou o órgão. A Eletronuclear também negou a existência de "embalados de rejeitos de alta atividade": "Todos os embalados nos depósitos são de baixa e média atividade".
Um dos motivos para o TCU decidir fazer a auditoria, além dos riscos existentes numa área tão sensível, foi o valor do dinheiro público a ser gasto com os rejeitos radioativos: mais de R$ 1 bilhão. O transporte e a armazenagem dos resíduos a serem transferidos custarão R$ 226 milhões. A nova piscina está orçada em R$ 577 milhões. E o depósito, a ser construído numa cidade brasileira que se disponha a abrigar o lixo, consumirá mais R$ 261 milhões.
O Repositório de Rejeitos de Baixo e Médio Nível deveria atingir 45% do cronograma físico das obras em 2015, conforme meta da Cnen, o que não se concretizará. Até agora, não se escolheu nem a cidade que abrigará os rejeitos, mediante benefícios como royalties. Quatro fatores são considerados críticos pelo TCU para a construção do depósito: a escolha do local; o licenciamento ambiental e nuclear; a contratação de terceiros; e a destinação de recursos no Orçamento da União.
Faltam depósitos intermediários
A orientação do governo federal foi para a Cnen selecionar terras de propriedade da União. Uma área chegou a ser escolhida, mas o termo de cessão não foi assinado, conforme a auditoria do TCU. "O processo de seleção do local é bastante complexo e sensível à aceitação pública", cita o relatório. A Cnen, em razão da reação esperada por parte dos moradores das cidades previamente escolhidas, mantém o mistério sobre a futura sede do depósito.
Em 2012, a 1ª Vara Federal de Angra determinou que a União incluísse no orçamento recursos para a construção do novo depósito. A Cnen, conforme a mesma sentença, deveria apresentar o local do depósito em um ano. O órgão recorreu contra a decisão, e os efeitos da sentença estão suspensos. Uma das condicionantes para a concessão da licença ambiental a Angra 3 estabelece a necessidade de se resolver o problema dos rejeitos de Angra 1 e 2. Por isso, os auditores do TCU entendem que a usina pode ter o início do funcionamento adiado por conta do acúmulo de resíduos.
A auditoria constatou ainda que nenhum dos depósitos intermediários de rejeitos radioativos no Brasil está "devidamente licenciado". "Não há como garantir que estejam cumprindo os requisitos e padrões de segurança recomendados pela AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica)", diz André de Carvalho. Municípios que abrigam rejeitos, como Angra e Rio, não estão recebendo as compensações financeiras, o que só estaria ocorrendo com Abadia de Goiás, destino do lixo radioativo resultante do acidente com o césio 137 em Goiânia, em 1987. Diante da falta de estratégias expressas em lei ou norma sobre o gerenciamento de rejeitos, o TCU determinou que se adotem providências para a tramitação de um projeto sobre licenciamento de depósitos.

Eletronuclear diz que 'rearranjos' vão prorrogar sistema de armazenamento
Empresa prevê que nova piscina para combustível estará pronta em 2018

BRASÍLIA - Responsável pelas usinas nucleares brasileiras, a Eletrobras Eletronuclear afirma ter "total controle da gestão dos rejeitos" e diz que está implementando a nova piscina para o combustível nuclear usado, com previsão de operação em 2018. Os rejeitos de baixa e média radioatividade têm espaço até 2020 e "rearranjos" no sistema de armazenamento poderão prorrogar essa disponibilidade até 2025, conforme a estatal.
"A implantação da unidade complementar de combustível irradiado está em pleno desenvolvimento, com projeto conceitual totalmente concluído. Os processos de licenciamento ambiental e nuclear, bem como o projeto básico e o processo de contratação da construção, montagem e comissionamento, estão em andamento", diz, por meio da assessoria de imprensa.
Segundo a Eletronuclear, as obras de Angra 3 não correm risco, pois houve uma retificação da licença de instalação expedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que considerou atendida a condicionante sobre os rejeitos radioativos. Todos os depósitos de rejeitos das usinas Angra 1 e 2 estão "devidamente licenciados", conforme a Eletronuclear.
Já a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) reitera que pode determinar o desligamento das usinas "em qualquer contexto no qual se verifique que não há condições de segurança adequadas para operação". A construção da nova piscina de combustível usado, a cargo da Eletronuclear, está dentro do procedimento normal de licenciamento, segundo o órgão.
O depósito de rejeitos, por sua vez, está a cargo da Cnen, responsável pela guarda definitiva dos resíduos. "Há mais de cinco anos estão sendo realizados estudos em diversos locais para selecionar o mais adequado do ponto de vista técnico. Após esta seleção inicial, serão necessárias sondagens junto às populações próximas e as devidas consultas públicas", informa a comissão, por meio da assessoria de imprensa. A escolha do local ainda não ocorreu. "Após as etapas técnicas, aspectos sociais e políticos podem ser determinantes no resultado final."
A Cnen também sustenta que não há impedimentos para a operação de Angra 3 do ponto de vista da licença nuclear. Todos os depósitos de rejeitos estão em processo de licenciamento, conforme um cronograma que será apresentado ao Tribunal de Contas da União (TCU). "Os depósitos operam segundo padrões internacionais de segurança e são periodicamente fiscalizados."

O Globo, 12/05/2014, País, p. 3

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