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Exoneração na cúpula da Feema

O Globo, Rio, p.16
13 de Nov de 2004

Exoneração na cúpula da Feema
Vice-presidente e coordenadora do órgão perdem cargo. Dois funcionários são afastados

Um dia depois de virem à tona detalhes do grampo da operação Poeira no Asfalto, da Polícia Federal, o governo estadual exonerou a vice-presidente da Feema, Tânia Maria Parucker Araújo Penna, e a coordenadora das Agências Regionais, Glória Maria Alvares Nery. No final da tarde, a presidência do órgão ambiental informou que também foram afastados dois funcionários de carreira envolvidos no caso. Nas escuta telefônicas, reveladas pelo GLOBO ontem, servidores negociavam pareceres e venda de licenças ambientais por valores que variavam em média de R$3 mil a R$10 mil.
As escutas foram feitas durante as investigações sobre a ação da máfia dos combustíveis no Rio, que já resultaram em 47 prisões, desde que a operação Poeira no Asfalto foi deflagrada, na segunda-feira. Os investigadores descobriram que os fraudadores tinham forte conexão com a Feema. Em nota oficial divulgada ontem, o órgão reafirma que Sandro Almeida Domingues não é de seus quadros e alega que decidiu afastar os funcionários para facilitar a apuração das denúncias. Diz ainda que, se forem comprovadas as irregularidades, eles "serão sumariamente demitidos a bem do serviço público".
Em outro trecho da nota, a Feema afirma que não é de sua competência fiscalizar a qualidade dos combustíveis vendidos nos postos, e sim da Agência Nacional de Petróleo (ANP). E diz que só avalia, de acordo com a legislação, os impactos ambientais que a instalação pode ocasionar.
MP apura se crimes chegam à cúpula
O Ministério Público estadual está investigando se os tentáculos da organização criminosa podem chegar à cúpula da Feema, já que os três servidores grampeados citam, em vários momentos, outros colegas de trabalho e até mesmo o nome de pessoas em cargos de chefia e na presidência. A presidente do órgão, Elizabeth Cristina da Rocha Lima, é mencionada em várias conversas entre Sandro Domingues e Thélio Moreira da Costa Lima, dois dos acusados que estão presos. Também participa dos diálogos Joseléa Borges de Oliveira, detida durante a operação da PF. A presidente da Feema está sendo procurada pelo GLOBO há dois dias. No entanto, sua assessoria afirma que ela não dará entrevistas, apenas notas oficiais.
Numa das ligações de Thélio e Sandro, eles afirmam que "Beth está mandando o marido, que é consultor, pedir 45 mil para as licenças saírem", conforme consta em transcrição no processo judicial. A assessoria de imprensa do governo estadual disse que só o marido de Elizabeth, o economista Paulo Sólon, falaria sobre o caso e o pôs em contato com repórteres.
Ele é sócio da empresa RPMs Gestão Empresarial. No currículo dele, que já esteve na página da empresa na internet, consta que Sólon foi auditor dos termos de ajuste de conduta da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), de julho de 2000 a março de 2003, e da Refinaria Duque de Caxias (Reduc), de dezembro de 2000 a dezembro de 2003.
- O meu (salário) líquido é R$2.500. Então, eu tenho que trabalhar e não quis ser motorista de táxi, já que eu sabia fazer uma coisa, tenho minha especialidade. Não tenho culpa de ser casado com a Beth - disse Sólon. - Você pode correr a Feema de cabo a rabo para saber quantas vezes fui lá depois que a Beth se tornou diretora. Eu evito até para poupá-la. Ela é uma pessoa séria. Eu e ela colocamos os nossos sigilos bancários à disposição, podem escarafunchar a nossa vida. Só gostaria que as pessoas que nos denunciaram tenham a mesma transparência.
Sólon entrou para a Feema em 1976. Hoje está aposentado. Quando ainda trabalhava, afirmou ter tirado algumas vezes licenças sem vencimento por causa do baixo salário:
- Cheguei a trabalhar na construção da hidrelétrica de Tucuruí. Estou abrindo minhas contas, não sou safado.

Procuradoria tenta fechar posto em Macaé
A Procuradoria Geral da prefeitura de Macaé, no Norte Fluminense, entrou ontem na 2ª Vara Cível da cidade com um pedido de revogação da liminar que permite o funcionamento, sem licença do município, do A. Peixoto Posto de Abastecimento Ltda. Segundo os advogados da procuradoria, um dos sócios do negócio é o empresário Renan de Macedo Leite, acusado de ser um dos chefes da máfia dos combustíveis no Rio e preso no início da semana, durante a operação Poeira no Asfalto, organizada pela Polícia Federal para desarticular o esquema. De acordo com as investigações da Polícia Federal, Renan Leite teria conseguido, pagando propinas, licença ambiental da Feema para construir um posto na cidade.
Maria Auxiliadora Ferreira, procuradora-geral de Macaé, informou que a prefeitura tentou desde setembro impedir, com multas e embargos, o funcionamento da revendedora de combustíveis localizada no bairro Mirante da Lagoa. Segundo a procuradoria, a Lei de Parcelamento e Uso do Solo Urbano de Macaé não permite o funcionamento de postos de combustíveis em zonas residenciais. Este, de acordo com ela, seria o caso do posto do empresário.
- Renan inaugurou o posto em outubro graças a uma liminar, após apresentar em juízo a licença concedida pela Feema. Pedimos à Justiça a cassação da liminar por esse motivo. E também pelo fato de um dos sócios do posto ser suspeito de integrar uma quadrilha que adultera combustíveis - disse a procuradora.
Outro sócio do negócio, de acordo com o recurso apresentado pela prefeitura de Macaé à Justiça, é Vilarino dos Santos Gomes. Vilarino também tem participação em outra revendedora de Renan: o Posto Bam Bam, localizado em Ramos. Dos cofres dessa empresa saíram R$5 mil de doação para a última campanha de André Luiz (PMDB) para deputado federal. André está sendo acusado de tentar extorquir propina do empresário do ramo de loterias Carlinhos Cachoeira. Por sua vez, Vilarino também contribuiu com R$5 mil para a última campanha deputada estadual Eliana Ribeiro (PMDB), mulher do deputado André Luiz.

Ex-chefe da Feema na região serrana é processado por improbidade
Investigar a Feema não chega a ser uma novidade para o promotor Vinicius Cavalleiro, coordenador da Promotoria de Tutela Coletiva da Cidadania do Ministério Público Estadual, que apura as denúncias do envolvimento da máfia dos combustíveis com o órgão. Em fevereiro de 2003, quando atuava como promotor da comarca de Nova Friburgo, Cavalleiro denunciou por improbidade administrativa o chefe da Agência Regional Serrana da Feema, Carlos Augusto Barbosa Pessoa, que estava há 12 anos no cargo.
Segundo apurou o promotor na época, Carlos mantinha uma empresa de consultoria ambiental, chamada Ícone Ambiental, que funcionava na própria sede da Feema na região.
- E ele ainda ganhava prêmios na área ambiental pelo trabalho que realizava - contou Cavalleiro.
Em outra ocasião, conta o promotor, os síndicos de prédios de Nova Friburgo passaram a receber uma carta da Feema cobrando o cumprimento de antiga lei municipal que tornara obrigatória a limpeza de caixa d'águas. Depois, ele descobriu que um amigo de Carlos Augusto havia aberto uma empresa especializada neste tipo de serviço. O servidor acabou exonerado.

O Globo, 13/11/2004, Rio, p. 16

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