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Autor: Suely Araújo
12 de Fev de 2025
Ex-presidente do Ibama critica pressão de Lula sobre 'lenga-lenga' do órgão: 'Inaceitável'
Suely Araújo afirma que 'exageros' podem fazer com que o País entenda que fiscais são morosos ou não estão cumprindo seu papel
Juliana Domingos De Lima
12/02/2025
Para a ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima Suely Araújo, é "inaceitável" a pressão que o órgão tem sofrido sobre o processo de estudos para uma possível extração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, na Margem Equatorial.
Nesta quarta-feira, 12, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista à Rádio Diário FM, de Macapá, chamou de "lenga-lenga" as análises para liberação da exploração de petróleo na Margem Equatorial e disse que o Ibama não pode ficar "parecendo ser contra o governo".
"O órgão responsável pelo licenciamento ambiental federal no País é o Ibama. Não cabe recurso à ministra (do meio ambiente) Marina Silva, ao ministro das Minas e Energia e nem ao próprio presidente Lula. Existe uma legislação que requer muitas análises técnicas e a decisão final é do presidente da autarquia", rebateu Suely Araújo em entrevista ao Estadão.
A advogada presidiu o Ibama de 2016 a 2019, durante a gestão de Michel Temer, período em que foram negados cinco empreendimentos do tipo. Ela enfatiza, porém, que as negativas são "a exceção da exceção", e que o órgão normalmente concede a licença, com condicionantes para a proteção ambiental. Desde 2007, cerca de duas mil perfurações offshore como esta foram autorizadas.
"Já deu duas mil, está negando uma e o mundo está caindo. É preciso entender que o Ibama tem o direito de falar não, aqui nesse local não", afirma.
O presidente definiu a demora em ter uma resposta sobre a exploração na Margem Equatorial como "lenga-lenga", e que o Ibama não pode parecer estar contra o governo. Como avalia essa declaração?
O órgão responsável pelo licenciamento ambiental federal no País é o Ibama. Não cabe recurso à ministra (do meio ambiente) Marina Silva, ao ministro das Minas e Energia e nem ao próprio presidente Lula. Existe uma legislação que requer muitas análises técnicas e a decisão final é do presidente da autarquia.
Essa autonomia é fundamental para garantir a essência da avaliação de impactos ambientais pelo poder público. Ela é garantia de empreendimentos que vão ter controle ambiental que vão ser implementados com todos os cuidados técnicos e sociais necessários. Na hora que a gente permite pressão política extrema para que a licença saia, está enfraquecendo tudo isso.
Até algum nível de pressão é esperado, mas você não pode aceitar exageros, pressões desumanas em que o País todo passa a entender que o Ibama está moroso ou não está cumprindo seu papel. Isso é inaceitável.
Como avalia, de outro lado, o procedimento da ministra Marina e da presidência do Ibama?
A ministra Marina tem pedido estudos mais regionalizados nessa região e também em outros tipos de empreendimentos, como o asfaltamento da BR-319, que é outro empreendimento polêmico.
Ela tem sempre reiterado a importância de analisar a região de uma forma mais macro para tomar as decisões. A preocupação dela é a decisão ficar restrita a um bloco, a um pedaço de estrada, sem olhar o que está acontecendo ao lado, inclusive em termos de atuação governamental.
Então, ela está sendo coerente. Mas, em hora alguma, a ministra Marina falou que o presidente do Ibama deveria negar ou aceitar essa licença. Eu não ouvi nenhuma manifestação nesse sentido e não acredito que ela tenha feito isso. A decisão realmente é do presidente do Ibama e sua equipe.
Como órgão licenciador - e ele tem se portado rigorosamente dentro dessa função -, o Ibama analisa o empreendimento em si, e o que que ele está falando desde o começo é que é uma área sensível, com fortíssimas correntes, muito próxima a um sistema recifal da Amazônia e tudo isso junto leva a ter que ter mais atenção nesse processo, principalmente em relação a possíveis acidentes.
Eu tenho convicção que o Ibama está se mantendo nos limites da competência dele. Ele não está querendo discutir o futuro dos combustíveis fósseis no País, ou se o País tem de deixar de ser o oitavo maior produtor de petróleo do mundo para ser o quarto. Não é essa discussão que o Ibama faz.
O presidente Rodrigo Agostinho fez em 2023 um parecer super técnico, firme, falando que na região não tinha condições de fazer, isso tem que ser respeitado. A Petrobras pode pedir reconsideração? Pode, e é o que ela fez. Agora, o que não dá para aceitar é um processo de deslegitimação do próprio Ibama.
Esse processo vem se estendendo bastante no tempo por diferentes razões. Em primeiro lugar, é uma área complexa, a Petrobras sabe disso. Não é qualquer perfuração. A Foz do Amazonas tem características que dificultam tanto a operação quanto a futura produção.
O rigor nessa área se justifica pela sensibilidade da área e principalmente pela intensidade das correntes. Em caso de acidente, em menos de meio-dia, menos de 12 horas, o óleo já estaria em águas da Guiana Francesa e outros países do Caribe. Não se sabe o que voltaria para a costa brasileira, que tem nessa região grandes manguezais e população indígena.
Depois, a Petrobras tem sido muito omissa no atendimento mais pronto, mais imediato das demandas do Ibama. O Ibama fez uma série de demandas de complementação há muito tempo atrás.
A Petrobras deveria ter se dedicado a cumprir todas as exigências feitas pelo Ibama, há anos. No lugar disso, fica um inaceitável sistema em que o Ibama pede, eles atendem pela metade, aí o Ibama não pode pedir mais porque a legislação fala que o licenciador só pode pedir complementação uma vez e depois reiterar os pedidos anteriores ou pedir esclarecimento. Isso está se arrastando no tempo muito mais pela incapacidade de a Petrobras resolver logo de uma vez. Se o Bloco 59 é tão importante, que atenda tudo de uma vez.
E como fica o Ibama?
É preciso entender que o Ibama tem o direito de falar não. Desde 2007, o Ibama já deu mais de 2.000 licenças de perfuração no offshore, iguaizinhas a essa. Está negando uma e o mundo está caindo. Tem hora que é não, o empreendedor pega seu dinheiro e vai fazer isso não sei quantos quilômetros para lá.
Qualquer um que analisar os números vai ver que, na quase totalidade dos casos, o Ibama concede a licença, incluindo uma série de condicionantes. O Ibama licenciou absolutamente tudo o que ocorre no mar territorial, plataforma continental e zona econômica exclusiva, porque tudo que ocorre no offshore é licença ambiental. E tem muita perfuração e produção acontecendo, todas as atividades econômicas desenvolvidas no offshore pela Petrobras e outras tiveram licença Ibama.
Quais os riscos quando há uma pressão política desse tipo sobre o Ibama? O que deve ser feito para blindar o órgão dessa pressão?
O Ibama em geral mexe com grandes empreendimentos, bilionários. Os técnicos - hoje são cerca de 250 analistas na Diretoria de Licenciamento Ambiental e deveria ser no mínimo o dobro disso, para funcionar adequadamente - são experientes em trabalhar sob pressão. Eles estão acostumados. Mas tudo tem limite. Eles têm de ter a possibilidade de, em determinadas situações, negar os empreendimentos.
Os técnicos da área de licenciamento e de fiscalização ambiental têm de ser blindados desse tipo de pressão. Isso é essencial. O licenciamento ambiental é a principal ferramenta na prática da Política Nacional do Meio Ambiente, pelo menos quando a gente olha para prevenção de danos ambientais.
Ampliar a exploração de petróleo é condizente com o compromisso assumido pelo País em relação à descarbonização?
Essa discussão vai muito além do Ibama e da questão do licenciamento do bloco 59. Existe um projeto de intensificação da exploração de petróleo, as autoridades do setor de energia pretendem que o Brasil passe de oitavo maior produtor de petróleo do mundo para quarto. Eu considero essa a principal contradição na política ambiental e climática do governo Lula.
O ano de 2024 foi o ano mais quente da história e em 2025 não parece que vai desaquecer. Já estamos no meio da crise climática, com eventos extremos todo dia, inclusive no nível de catástrofe das enchentes do Rio Grande do Sul no ano passado e nas duas secas consecutivas na Amazônia em 2023 e 2024. Optar pela intensificação da produção de fósseis significa piorar tudo isso. Mesmo que o Brasil exporte esse petróleo, ele vai ser queimado em algum lugar e vai gerar gás de efeito estufa e piorar a crise climática. O petróleo não é sustentável. Estamos numa situação no mundo em que o mundo inteiro tem que caminhar para a descarbonização.
A aposta do Brasil de que ele pode ser um mega produtor de petróleo no meio da crise climática é equivocada, é olhar para o passado e negar a intensidade da crise climática.
O que a gente já explora de petróleo está realmente trazendo a riqueza que o país precisa? A Agência Internacional de Energia fala que a demanda de petróleo vai cair a partir 2030, porque os países vão ter que fazer isso por causa das condições climáticas. Quem tá falando isso não é uma ONG ambientalista. E nós estamos querendo intensificar a produção de um produto que vai ter demanda decrescente no mundo.
A ministra Marina e sua equipe têm feitos importantes já a serem comemorado, está controlando o desmatamento da Amazônia, reconstruíram a governança climática, fazendo o plano clima, envolvendo praticamente toda a esplanada dos ministérios. Não se pode jogar tudo isso fora por uma visão equivocada, antiga, de que o petróleo vai ser a solução dos nossos problemas. Realmente acho que o governo erra ao apostar em petróleo.
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