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Estudos derrubam mitos sobre o Xingu

Diário de Cuiabá-Cuiabá-MT
Autor: Maria Angélica Oliveira
22 de Jul de 2004

Pesquisadores atestam que sociedade xinguana tem sistema de organização complexo, ao contrário do que se pensava
Um grupo de pesquisadores na área de arqueologia, antropologia e linguagem está conseguindo derrubar antigas crenças em relação aos povos do Alto Xingu. Algumas delas até chegaram a ser defendidas por estudiosos. Dois autores das "descobertas", os arqueólogos Michael Joseph Heckenberger, da Universidade de Flórida, e Carlos Fausto, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, expuseram suas pesquisas ontem em uma palestra na SBPC.
Michael, há dez anos estudando os índios do Xingu, e Carlos, há cinco, reforçam a tese de que a sociedade xinguana tem um sistema de organização complexo, ao contrário do que já foi afirmado por alguns antropólogos. E o melhor: esse sistema é mantido até hoje, guardadas algumas proporções. As aldeias atuais são cerca de 15 vezes menor do que os tamanhos originais. A forma de organização foi estudada tanto em relação à ocupação do espaço quanto à composição da sociedade em classes sociais.
Juntos, eles já identificaram 34 sítios arqueológicos nos mais de 2,8 milhões de hectares da terra indígena Xingu. Seis deles foram mapeados. A base do estudo foi comparar o que se encontra atualmente entre os índios da região e o que se constata nesses sítios. Muitas peças recentes são idênticas a objetos datados de mil anos atrás. "O tamanho e o tratamento da superfície são iguais. Tudo isso mostra que as bases de sustentação econômica continuam as mesmas até hoje", afirma Michael.
Uma das principais descobertas que permitem classificar os xinguanos como uma sociedade complexa é a forma circular das aldeias - também observada em povos mais conhecidos como os incas e maias. Segundo o arqueólogo, a construção da aldeia é a mesma, inclusive a forma como as casas dos chefes estão distribuídas, ocupando lugar de destaque. O território era circundado por valetas de cinco metros de profundidade, que funcionavam como cercas.
Porém, segundo os pesquisadores, não houve contato com entre essas sociedades. O que as fez terem semelhanças em relação a alguns aspectos de organização foi o nível de complexidade em que se encontravam.
A observação da floresta mostra que os índios que habitavam a região séculos atrás estavam perfeitamente integrados com o ecossistema local. Um exemplo mostrado foram dois mapas com aldeias diferentes. As estradas que saem das duas foram construídas nos mesmos ângulos - tudo milimetricamente calculado. "Essa questão da ciência e da economia desenvolvida era uma coisa negada na Amazônia", disse.
Outro fato trazido à tona pelos pesquisadores foi a existência de uma elite nessas sociedades. A constatação se deu em um dos sítios arquelógicos, por meio de peças de cerâmica mais sofisticadas. Mas esses objetos só foram encontrados apenas nos locais onde eram as casas dos chefes. "As sociedades amazônicas não são diferentes de outras sociedades, nem mais nem menos primitivas", afirmou. O arqueólogo Carlos Fausto concorda. "Temos que passar a considerar que as particularidades do Xingu não são um capítulo à parte mas fazem parte da história da América."

Na maioria das aldeias, já existe televisão
A pesquisa está sendo possível por causa de uma questão histórica. Os primeiros contatos dos portugueses foram com povos que ficavam nas margens dos rios. Foi o caso dos Manau (que ficavam próximos a Manaus), dizimados por epidemias e escravização.
Os povos do Xingu, no entanto, foram "preservados" desse contato por um tempo, por causa da localização mais ao "interior". Mesmo tardio, o contato causou grandes impactos para os índios da região.
Em 1884, quando começou o contato com os colonizadores, a população estimada no Xingu era de três a quatro mil índios. A convivência cada vez maior resultou em epidemias de varíola e sarampo (posteriormente). Em 1954, havia apenas 500 índios habitavam o Parque Nacional do Xingu.
Porém, é também a partir dos primeiros contatos que o Xingu se "enriquece". Vários povos, como os Kamayurá e os Trumiai, se incorporaram ao local. Junto com eles, vieram toda a cultura, rituais, crenças, mitos, conhecimento acumulado, artesanato modos de organização etc. Atualmente, a população está se recuperando e volta a ser estimada em torno de três mil índios.
O contato com a sociedade urbana está aumentando cada vez mais. Há cinco anos, a televisão entrou nas aldeias e hoje a maioria já possui acesso aos aparelhos. Além disso, outros reflexos dessa convivência já estão sendo sentidos. "Houve mudanças no prestígio. É mais importante ser um professor do que ser um especialista em rituais", relata o arqueólogo Carlos Fausto.
Segundo ele, alguns conjuntos de cantos foram esquecidos. "Vejo crenças se acabando cada vez mais, os velhos morrendo. O conhecimento que eles não conseguem passar acabam levando para eles", observa o professor Mutuá Mehimak Kuikuro, da aldeia Ipatse, no Alto Xingu (próxima a Gaúcha do Norte). "Tenho esperança de preservar isso através dos livros e cds para as novas gerações aprenderem", acrescentou. Maria Angélica Oliveira

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