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Estudo reprova água tratada no litoral de SP

FSP, Cotidiano, p. C1 e C3
31 de Mai de 2004

Estudo reprova água tratada no litoral de SP
Análise do Proágua alerta que há risco de agentes de infecções nas praias de Ubatuba e São Sebastião

José Ernesto Credendio
Das regionais
Dayanne Mikevis
Enviada especial a São Sebastião

Condomínios, hotéis e restaurantes das praias que a elite paulista freqüenta, como Maresias, Juqueí, Barequeçaba e Itamambuca, no litoral norte de São Paulo, recebem água da rede pública com tratamento considerado péssimo pela análise sanitária realizada entre janeiro e março de 2004. A condição é tão precária que a água pode conter até vermes e agentes de infecções, segundo alerta a Secretaria de Estado da Saúde, em relatório de abril obtido pela Folha. A análise, através do Proágua (Programa de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano), verifica sistemas usados e a eventual presença de sujeira, bactérias e cloro residual (o que resta nas pontas da rede). Procurada, a Sabesp, responsável pelo abastecimento, não rebate os dados, mas diz que vem investindo para sanar o problema. Há risco adicional à saúde de quem usa sem filtrar e ferver a água que abastece quase toda a costa sul de São Sebastião, além de Itamambuca, Maranduba e Vermelha do Sul (Ubatuba), que nem sequer contam com filtros para remover organismos resistentes à cloração, diz o relatório. Em uma escala que vai de "A" a "C", a água distribuída a 35% da população de São Sebastião recebe a nota mais baixa. Em Ubatuba, 12% da população é afetada; Maresias recebe boa parte das piores avaliações. Dos oito testes mensais feitos em 2003, em cinco a presença de bactérias estava acima do limite. A concentração de coliformes termotolerantes, um indicador do nível da contaminação, ultrapassou o patamar máximo em 19% dos testes. Resolução do Ministério da Saúde não permite coliformes em água potável. Em Maresias e praias próximas, comércio e serviços montaram uma "barreira" de filtros para evitar usar a água sem um novo tratamento. A água de Itamambuca também conta com alto índice de bactérias e baixa cloração. As más condições da água são resultado do encontro da estrutura precária do tratamento com o alto nível da poluição dos mananciais -60% deles estão comprometidos, afirma a Cetesb (agência ambiental paulista). Sem outras fontes, a Sabesp capta água na superfície de áreas em que o lançamento clandestino de efluentes nos córregos obrigou a criação de operações caça-esgoto. A água passa por filtros grosseiros e recebe cloro antes de ser distribuída. Na captação de Boiçucanga, o acesso é livre a qualquer pessoa, pois está numa trilha mapeada, freqüentada por esportistas -a do Ribeirão de Itu. Se consumir a água da Sabesp não é seguro, a situação é ainda mais grave em relação às 113 fontes alternativas cadastradas e analisadas pelo Proágua. Poços e minas são usados por hotéis e pousadas de Camburi, em São Sebastião, que conta somente com poços e outras fontes. Essas fontes mostram "um quadro ainda mais preocupante", diz o relatório. Em Ilhabela, das 92 amostras coletadas em fontes, 85, ou 92%, tinham coliformes acima do recomendado. Em Ubatuba, o índice de desconformidade chegou a 83% das 135 amostras. Em razão da gravidade do problema, o Núcleo Regional de Saúde de Caraguatatuba, ligado ao governo, criou um fórum específico para acompanhar a água destinada ao consumo humano de sistemas de abastecimento público e das soluções alternativas.

ABASTECIMENTO
Poços, rios e nascentes têm controle de qualidade precário; em Ilhabela, 98% das amostras apresentaram problemas
Vigilância condena fontes alternativas

Das regionais

Uma das praias mais badaladas do litoral norte do Estado de São Paulo, Camburi, localizada em São Sebastião, é servida apenas por água de poços, rios ou nascentes. São as chamadas fontes alternativas, a que costumam recorrer hotéis, pousadas e condomínios do litoral para evitar os períodos de falta d'água ou mesmo para evitar contas de consumo.Só que a própria Vigilância Sanitária condena as fontes alternativas, pelo fato de o controle da qualidade da água ser muito precário. Em São Sebastião, 52% das 190 amostras de água de fontes alternativas foram reprovadas no teste de presença de bactérias realizado em 2003.
Em Ilhabela, o problema é ainda mais grave, com 98% de água condenada nas 90 amostras colhidas no ano passado.
Procuradas para comentar o problema, as vigilâncias sanitárias de Ilhabela e São Sebastião, à exemplo do órgão estadual, se recusaram a falar.
Água mineral
Para driblar a situação precária, restaurantes de Camburi -como o conhecido Manacá, que por um prato individual de papillote de peixe (filé recheado com farofa de banana, camarão e alcaparras envolvido em folha de bananeira) cobra R$ 45- dizem utilizar água mineral na cozinha.
O procedimento é quase uma regra em restaurantes, hotéis e pousadas.
A exemplo dos estabelecimentos de Maresias, em Camburi os restaurantes também recorrem a filtros individuais.
Na Praia Preta, vizinha a Camburi, o problema se repete. Do alto da encosta, onde funciona o restaurante As Ilhas, que também abriga a danceteria Bananas, com vista para o mar, a filtragem da água é feita por um aparelho utilizado por navios. Para sucos e bebidas frias, a água mineral é a opção utilizada. Cafés e bebidas quentes, de acordo com André Reis, gerente da casa, são de água filtrada. "Aqui e no sertão é tudo poço", afirma Reis.Em todos os estabelecimentos visitados pela Folha em Camburi (quatro restaurantes, dois condomínios e três hotéis), os filtros e o tratamento independente de água por empresas são uma constante. De acordo com os proprietários, praticamente em todos os endereços da praia a água retirada de fontes alternativas é tratada.
Em condomínios, costuma-se limpar a água com filtros com capacidade de até 40 mil litros, que custam mais de R$ 4.000. Também há empresas que fazem tratamento com produtos como cloro e barrilha.
Casas independentes de condomínios não escapam. Os proprietários também costumam tratar a água captada de fontes alternativas e filtrar o líquido com aparelhos menores, que custam aproximadamente R$ 1.000.
Restaurantes filtram água da rede
DAS REGIONAIS
Um arsenal de filtros é utilizado por comerciantes da região de Maresias para combater as impurezas da água fornecida pela rede pública.
De acordo com o Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial), não há controle oficial da eficiência dos filtros no combate a bactérias.
Eles, ao menos, deixam a água incolor. Reinaldo Rosa de Souza, 46, proprietário do restaurante Terral, recorda de um tom amarronzado jorrando da torneira antes da instalação dos filtros, há seis anos. Na hora de lavar a caixa-d'água -a cada dois meses, menos do que os seis recomendados-, ele chega a encontrar pedaços de grama e folhas.
Nos hotéis e pousadas, as fontes alternativas e a água da Sabesp convivem. Mesmo com os resultados apontados pelo relatório da Secretaria de Estado da Saúde, Lineu Alvim Coelho Júnior, chefe da Divisão de Fiscalização da Secretaria de Obras e Meio Ambiente de São Sebastião, recomenda o uso da água fornecida pela empresa, pois "é a única tratada [clorada e fluoretada] com certeza".
No entanto, como diz o proprietário da Pousada Frente Mar, Hélio Camargo, que utiliza apenas água da Sabesp, filtrada, para serviços gerais, isso cria um outro problema: a falta de água durante a alta temporada. Ele conta que, no período, contrata carros-pipa para garantir o abastecimento.
Segundo comerciantes, a Vigilância Sanitária tem exigido autorizações do DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica) para o funcionamento de poços e demais captações de água.

Outro lado
Sabesp cita investimentos e não comenta resultados de análise

Das regionais

A Sabesp informou que investiu cerca de R$ 300 milhões nos últimos oito anos em saneamento básico no litoral norte e que vai modernizar os sistemas de tratamento de água, mas não comentou a qualidade da água.
Em relação à água de Boiçucanga, Toque-Toque Grande, Maresias e Paúba, a Sabesp diz que, até o final do ano, serão implantados novos módulos de filtragem.
Em Maresias, a Sabesp diz ter gasto mais de R$ 1 milhão em uma nova estação de tratamento, com um reservatório de 1 milhão de litros, e que mais R$ 600 mil serão aplicados na conclusão da estação. Nas praias mais problemáticas de Ubatuba, a Sabesp diz que vai instalar módulos de filtração.
Também estão previstos investimentos na costa sul de Ubatuba, como R$ 4,68 milhões na ampliação do abastecimento para o sistema do Rio Escuro. Em Praia Dura, Folha Seca, Corcovado e Rio Escuro serão implantados 14.760 m de redes distribuidoras de água, 4.730 m de redes adutoras de água tratada e um reservatório para 1 milhão de litros de água. Os investimentos propiciarão 800 novas ligações de água.

FSP, 31/05/2004, Cotidiano, p. C1 e C3

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