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A estratégia é falar, e muito

CB, Política, p. 3
26 de Nov de 2003

A estratégia é falar, e muito
Ao lançar seguro para pescadores, Lula adota o mesmo discurso feito na semana passada para os sem-terra. A intenção, segundo especialistas, é aumentar cumplicidade do governo com as classes menos favorecidas

Lílian Tahan

Perto do fim do primeiro ano de governo e prestes a enfrentar um balanço que vai apontar um fraco desempenho na área social, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem apostado em uma estratégia que não custa dinheiro.
Ele tem injetado boas doses de auto-estima nos setores mais excluídos da sociedade. Na semana passada, durante lançamento do Plano Nacional de Reforma Agrária, o público alvo foi uma platéia de sem-terra. Ontem, foi a vez de mais de mil pescadores que participam da Conferência Nacional de Aquicultura e Pesca, em Luziânia (GO), ouvirem o presidente.
Lula estava ali para sancionar a lei que oferece aos trabalhadores do setor o direito a seguro nos períodos em que a pesca é proibida. Mas aproveitou a oportunidade para, mais uma vez, adotar um discurso enfático . e arrematou a retórica com beijos, abraços e autógrafos. Lula recorreu a histórias, metáforas e parábolas para dar o recado. ..Um dia um doutor entrou num barco e perguntou para o pescador se ele sabia o que era filosofia.
E o pescador não tinha a menor idéia. Ele então falou: você é muito ignorante, você não vai para lugar nenhum. Aí o pescador, na sua humildade, foi lá no fundo do barco, pegou um peixinho e falou: Doutor, o senhor conhece? O doutor disse que não, então o pescador perguntou: Por que eu sou ignorante e Vossa Excelência, não?...
Em outro momento, o presidente foi direto ao ponto. Chegou a sugerir que mais vale a experiência de um pescador com 30 ou 40 anos de experiência do que o conhecimento de um doutor. ..Aqueles que dedicaram parte da sua adolescência, parte dos melhores anos da sua vida tentando encontrar na pesca o sustento da sua família, possivelmente têm muito, muito mais conhecimento do que este país pode ganhar com a pesca do que qualquer especialista, qualquer engenheiro, qualquer doutor formado nas melhores universidades deste país... Telefone
As comparações do presidente foram seguidas de providências simples, mas comemoradas pelos pescadores. Lula pediu ao ministro da Aquicultura e Pesca, José Fritsch, que crie uma linha de telefone para prestar informações sobre o programa de crédito para pescadores. ..Quero pedir ao companheiro Fritsch que crie em seu ministério um telefone para que as pessoas que forem atrás do dinheiro anunciado e não houver o dinheiro possam contar com uma linha direta como governo, porque é preciso preparar, reformular, formar as pessoas. Uma coisa é atender um grã-fino que quer R$ 500 milhões, outra coisa é atender um companheiro que quer apenas R$ 500... A declaração arrancou aplausos. Ainda mais quando Lula tirou do bolso do paletó uma carta do pescador Daniel Felix, que pedia um "dinheirinho do Banco do Brasil".
Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Correio, a postura do presidente ajuda o governo a estabelecer um clima de cumplicidade com a população. "As pessoas se tornam mais tolerantes e compreensivas diante das
dificuldades de executar o plano de governo. Com esse tipo de discurso, o presidente conquista a solidariedade das pessoas", avalia a doutora em lingüística Lucília Garcez.
O cientista político Ricardo Caldas, da Universidade de Brasília, explica que a postura do presidente cria uma linha direta de comunicação com as pessoas. Bom por um lado, já que estimula um sentimento de participação popular nas decisões de governo. Ruim porque pode significar um retrocesso no processo democrático. "0 diálogo direto pode ser um sinal de que o presidente esteja falando acima dos partidos políticos, ou seja, que esteja trocando as instituições democráticas e representativas pelos seus membros. Então quer dizer que todo pescador vai ter a oportunidade de entregar uma carta para o presidente?", questiona o cientista político.

Elogios a Fritsch e ao Congresso
Durante abertura da Conferência Nacional de Aquicultura e Pesca, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que reduz de três anos para um o tempo de registro necessário para que o pescador tenha direito a receber o seguro defeso. O benefício de um salário mínimo é pago aos pescadores no período em que a pesca é proibida, durante a reprodução dos peixes.
A lei anterior exigia três anos de registro. Também foi anunciado na cerimônia o financiamento de R$ 1,5 bilhão da frota pesqueira com recursos do Fundo da Marinha Mercante, do Banco da Amazônia. 0 dinheiro será destinado a barcos com capacidade de até 200 toneladas de cargas e que transitem em águas profundas. Outra medida anunciada foi a regulamentação da utilização das águas públicas para a pesca.
Entre um afago e outro aos pescadores, o presidente Lula elogiou a atuação do Congresso Nacional. "Eu quero dizer que não basta vocês baterem palmas para o Fritsch e para mim, é preciso que a gente reconheça o trabalho sério que a Câmara dos Deputados e o Senado fizeram em tudo o que a Câmara dos Deputados e o Senado fizeram em tudo o que foi pedido até agora'. Lula também aproveitou discurso para desmanchar as especulações sobre o fim de ministérios pequenos como a pasta da pesca e aquicultura, na reforma ministerial que deve ocorrer no início de 2004.
Peixe
"Fomos muito criticados porque criei o Ministério, mas eu nunca consegui entender por que num país, com uma costa marítima como a nossa e com a quantidade de água doce que temos, o Ministério da Pesca fosse tratado como um item do Ministério da Agricultura." E numa tentativa de elogiar Fritsch, mandou mais uma parabula de futebol."
Fritsch é como aquele jogador de bola que, embora não seja o melhor do time, toda a torcida gosta dele. Sabem por quê? Porque, para nós, muitas vezes, melhor do que o maior jogador, que fica esperando que a bola chegue até ele, é aquele que, do começo ao fim do jogo, não desanima nunca, corre atrás da bola." 0 presidente aproveitou para rebater as críticas sobre a decisão de criar, entre as 32 pastas da Esplanada dos Ministérios, uma para lidar diretamente com a pesca. "Muita gente que escreve ou fala na televisão possivelmente achava que peixe vinha voando e cai no prata da gente , ironizou Lula.

Viagem a países árabes confirmada
Na semana que vem, a partir da terça-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva viaja para países árabes, onde passará oito dias. A confirmação da viagem veio depois de especulações divulgadas na imprensa sobre o cancelamento da viagem em função da tramitação das reformas da Previdência e tributária no Congresso Nacional.
Em nota divulgada pela Secretaria de Imprensa da Presidência, o Palácio do Planalto afirma que não há fundamento algum no cancelamento da ida ao Oriente Médio. Durante a abertura da Conferência Nacional de Aquicultura e Pesca, em Luziânia (GO), o próprio presidente Lula respondeu a perguntas de jornalistas sobre o fato de sair do país em momento decisivo para as reformas. "Não estou preocupado não, está tudo resolvido", disse.
O primeiro dos cinco países que o presidente Lula visitará será a Síria na quarta-feira, onde assinará atos de cooperação social e comercial com o ~, país. Um dia depois, a comitiva brasileira seguirá para o Líbano. Naquele país, Lula depositará flores no túmulo do soldado desconhecido. Também no Líbano, o presidente lançará pedra fundamental da Casa do Brasil em Beirute. Antes de voltar ao Brasil, o presidente também visitará a Liga dos Estados e a Líbia.

Povo fala // O que você achou do discurso do presidente Lula na cerimônia de abertura da Conferência Nacional de Aqüicultura e Pesca?
Leônidas Francisco dos Santos, Itacaré (BA) ..É muito bom o fato de um presidente da República se aproximar da gente como Lula faz. Isso demonstra que ele é gente simples como a gente e que valoriza o nosso trabalho. A forma como ele diz as coisas dá a impressão de que tudo vai dar certo no final...
Maria Scheibel, Tramandaré (RS) ..Lula é simples e cativante, levanta os ânimos desse povo pobre. Ele quis mostrar que a gente também pode participar das ransformações importantes do país e isso é mais importante que dar um monte de dinheiro para a gente. Acho que ele gosta mais dos pobres porque foi um deles...
Clemente Maria Ribeiro, Manhuaçu (MG) ..Fiquei até emocionado quando o presidente falou sobre a importância do pescador. Ele conta as histórias como quem conhece de perto a nossa realidade. Isso levanta a nossa auto-estima, valoriza a nossa profissão, o que dá até ânimo para voltar ao trabalho..
Maria das Dores Laurinda, Sidreira (RS) ..Foi maravilhoso. Só de ouvir o presidente falar já valeu a viagem do Rio Grande do Sul para cá, de ônibus. Isso que ele faz de abraçar, beijar e valorizar o nosso trabalho é uma forma de mostrar que ele é povão também, que entende o que é trabalho duro.

CB, 26/11/2003, Política, p. 3

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