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Estiagens para não esquecer

FSP, Ciência, p. B8
Autor: LEITE, Marcelo
05 de Ago de 2017

Estiagens para não esquecer

Marcelo Leite
É repórter especial da Folha,
autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp). Escreve aos domingos e às segundas.

Bastaram 50 dias sem chuva em São Paulo para espalhar uma epidemia de tosse e problemas respiratórios. O reservatório Cantareira e outros estão em boa situação, mas restou evidente que uma seca pode ter outros efeitos adversos, além do desabastecimento de água.
Países da Europa meridional e central enfrentam neste momento uma onda de calor -já apelidada de Lúcifer- que promete bater a de 2003, na qual morreram 35 mil pessoas, a maioria na França. Agora padecem moradores e turistas na Itália, Suíça, Hungria, Polônia, Romênia, Bósnia, Croácia e Sérvia.
Quase quatro quintos do território de Portugal esteve sob seca grave ou extrema no mês de julho, a 11ª pior estiagem no país em nove décadas. Ainda ardem na memória dos portugueses o incêndio florestal na região de Pedrógrão Grande, que ceifou pelo menos 64 vidas na segunda quinzena de junho.
Na Índia, Bangalore, um polo de alta tecnologia, sofre com a estiagem, que ameaça a distribuição de água. A região, que já teve centenas de lagos, conta com hoje 81 deles.
Em agosto de 2012, informa reportagem de André Borges no jornal "O Estado de S. Paulo", o reservatório de Sobradinho (BA), o maior do país com seus mais de 4.000 km2, estava com 38% da capacidade preenchida. Aí principiou a sucessão de anos de seca que drenou a esperança do Nordeste. Hoje a represa tem 10% de reservação. O fluxo para irrigação reduziu-se a 550 metros cúbicos por segundo, o pior desde a inauguração em 1979.
Outra reportagem de Borges indica que o rio Tocantins também está minguando. O lago da usina hidrelétrica Serra da Mesa se acha com meros 11% de seu volume original. Se não houver corte na vazão, estará ameaçada a operação de duas outros barragens geradoras a jusante, Estreito e Tucuruí.
No caso brasileiro, as estiagens na Amazônia e no Nordeste estão associadas com anomalias na temperatura dos oceanos Atlântico e Pacífico, como o forte El Niño de 2015-16. E existe entre 35% e 55% de risco de que ele retorne no final deste ano ou no início de 2018.
Outra hipótese, cada vez mais fortalecida, é que essas secas e ondas de calor devastadoras -além da própria intensidade e frequência aumentada de El Niños- sejam produto, ao menos em parte, do aquecimento global. Fazer essa atribuição de causa e efeito, contudo, é uma das maiores dificuldades vividas pelos estudiosos do clima.
Três pesquisadores da Universidade de Connecticut (EUA) se debruçaram sobre a seca de 2016 na Amazônia. Amir Erfanian, Guiling Wang e Lori Fomenko concluíram que apenas o El Niño é insuficiente para explicar a intensidade do estresse hídrico enfrentado pela floresta equatorial no período, mais intenso do que o ocorrido nas recentes secas de 2005 e 2010.
Os autores do estudo sugerem que devem estar em ação outros fatores para agravar a falta de chuvas, como o desmatamento (em alta nos últimos dois anos) e o próprio aquecimento global.
Há sete e 12 anos, ganharam o mundo imagens de barcos encalhados nos rios amazônicos. Agora, ninguém parece ligar muito.
A indiferença com tal retrocesso é diretamente proporcional ao sucesso da bancada ruralista em retroceder -nos governos Dilma e Temer- tudo que fora conquistado na área ambiental em anos anteriores.

FSP, 06/08/2017, Ciência, p. B8

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marceloleite/2017/08/1907394-retro…

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