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Entrevista com Bartomeu Melià sobre documentação indígena

Neppi - http://neppi.org/
Autor: Camila Emboava
17 de Mai de 2013

Nos dias 28 e 29 de maio acontece o I Seminário de Documentação Indígena e Etnohistória, na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Um dos destaques da programação é a conferência com o linguista e antropólogo jesuíta da Universidad Católica Nª Sª de la Asunción, Pe. Bartomeu Melià.

Melià é espanhol e estuda e convive com o povo Guarani há mais de 50 anos no Paraguai. Também já viveu no Brasil como estudioso e militante dessa causa, devido à dissidência com o governo do ditador paraguaio Alfredo Stroessner. É doutor pela Universidade de Estrasburgo, onde desenvolveu a tese "A criação de uma linguagem cristã nas missões dos guarani no Paraguai". É referencia bibliográfica para os estudantes sobre os Guarani, publicou diversas obras como o clássico Los Pai-Tavyterã-Etnografia Guarani del Paraguay contemporáneo publicado em co autoria com Georg Grünberg, Friedl Grünberg em 1976 e reeditado em 2008; Educación Indígena y alfabetizazión de 1979 e publicou uma versão em português em 2007 e o livro El Guarani conquistado y reducido. Ensayos de Etnohistoria de 1997.

Durante o seminário na UCDB, no dia 29, às 8h, Melià faz o lançamento do livro Ñande Ypykuera Ñe'engue, apoiado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas das Populações Indígenas (NEPPI/UCDB) com financiamento da DKA Áustria. A obra é uma antologia Guarani organizada pela pesquisadora austríaca Friedl Grunberg. Logo depois, o antropólogo ministra uma conferência sobre documentação indígena. Conversamos com ele sobre o tema. Confira a entrevista em espanhol e português:

NEPPI: Qual a importância da documentação indígena para o Brasil?

Melià: Esta pregunta supone otra. ¿Tiene que ser la documentación indígena del mismo tipo que la que tiene y maneja convencionalmente el Brasil en la actualidad? ¿Tiene que ser de carácter literario? ¿Tiene que ser en portugués? Probablemente la documentación indígena nos obliga a manejar otros sistemas de comunicación más cercanos a la palabra viva -y por lo tanto al uso de la lengua propia y el relato mítico y el canto- y también a otros lenguajes simbólicos como el arte plumario, la representación plástica -dibujos y pintura-, el teatro, el cine, el video, la manifestación colectiva. En este sentido la documentación indígena, en vez de adaptarse y limitarse a imitar la documentación convencional brasileña podría aspirar a ser una fuente de renovación de la documentación. La documentación indígena es algo más que la documentación brasileña hecha por indígenas. De hecho ya se ha avanzado en este camino y hay que ir más lejos en el mismo camino.

Esta questão implica em outra. A documentação indígena tem que ser do mesmo tipo da que o Brasil tem e lida na atualidade? Tem que ser de caráter literário? Tem que ser em português? Provavelmente a documentação indígena nos obriga a lidar com outros sistemas de comunicação mais próximos da palavra viva e, portanto, o uso da língua própria e do relato mítico e da música, e também outras linguagens simbólicas como a arte plumária, a representação plástica, desenhos e pintura, teatro, cinema, vídeo, a manifestação coletiva. Neste sentido, a documentação indígena, em vez de adaptar-se limitar-se a simplesmente imitar a documentação convencional brasileira, poderia aspirar a ser uma fonte de renovação da documentação. A documentação indígena é algo mais do que a documentação brasileira feita por indígenas. Já se tem avançado nesse sentido e há que ir mais longe no mesmo caminho.

NEPPI: Quais são as principais fontes de pesquisa que embasam a construção da história?

Melià: Una fuente importante es la interpretación de la documentación colonial leída por la comunidad indígena; ésta con frecuencia notara los grandes silencios y los tergiversaciones de esta historia que reproduce la visión del vencedor, y no la del vencido, que por otra parte no está tan vencido como se quiere pensar desde el exterior. Un método de escucha de la historia y de las historias indígenas puede y debe renovar la supuesta historia que de ellos se ha publicado y difundido.

Uma fonte importante é a interpretação da documentação colonial lida pela comunidade indígena. Esta com frequência notou os grande silêncios e as deturpações desta história que reproduz a visão do vencedor e não a do vencido, que por outro lado não está tão vencido como se quer pensar desde o exterior. Um método de ouvir a história e as histórias indígenas pode e debe renovar a suposta história deles que se há publicado e difundido.

NEPPI: Qual a importância da oralidade dentro da documentação indígena?

Melià: La oralidad se debe mantener como recurso privilegiado de la comunicación comunitaria, y ésta debe mantenerse siempre; no vale la idea de que la escritura es un medio sustitutivo para los pueblos indígenas que ven desaparecer sus lenguas y los relatos tradicionales. El escrito muchas veces ha contribuido a congelar y momificar la memoria, que cuando deja ser presente está en camino de morir defintivamente.

A oralidade deve se manter como recurso privilegiado da comunicação comunitária, e esta debe sempre se manter; não vale a ideia de que a escrita é um meio substitutivo para os povos indígenas que vêem desaparecer suas línguas e os relatos tradicionais. A escrita muitas vezes tem contribuído para congelar e mumificar a memória, que quando deixa ser presente está no caminho de morrer definitivamente.

NEPPI: Por que a história indígena é tão desconhecida pelos brasileiros? Seria uma história difícil de ser pesquisada e contada?

Melià: Los brasileños como la mayoría de los pueblos latinoamericanos han renunciado a tener memoria y la dejan depositada en las letras muertas de historias académicas depositadas en bibliotecas casi inaccesibles, pensando que la podrán recuperar y hacerla resucitar en cualquier momento. Esto no se da en la realidad. Este es una de las causas de la poca memoria que se atribuye a las clases populares. En realidad la memoria de las personas y de las comunidades no es incentivada, nadie la hace escuchar. Hay incluso mecanismos, como la escuela, por ejemplo, que no la tienen en cuenta y la sustituyen con otra memoria exterior, que se presenta como oficial y única. Aunque también es cierto que en la actualidad se es más sensible a escuchar toda clase de historia, no una sola. Por eso se hacen continuos descubrimientos históricos de episodios que se penaban olvidados definitivamente. De todos modos sigue siendo difícil de ser pesquisada, porque se impide de diversos modos que sea contada y se tenida en cuenta. La historia de los territorios indígenas, por ejemplo, que está todavía muy viva, no es aceptada con frecuencia, porque no se presenta según las normas y la técnica de la historia convencional, una historia normativa y preceptiva originada en muchos casos en la misma universidad y en las academias de historia. Hay que aceptar que hay varias historias como hay varias culturas.

Os brasileiros, como a maioria dos povos latinoamericanos, renunciaram a ter memória e deixam-na depositada nas letras mortas de histórias acadêmicas depositadas em bibliotecas quase inacessíveis, pensando que poderiam recuperá-la e ressucitá-la a qualquer momento. Isso não acontece na realidade. Essa é uma das causas da pouca memória que se atribui às classes populares. Na realidade a memória das pessoas e das comunidades não é incentivada, ninguém faz ser escutada. Existem inclusive mecanismos, como a escola, por exemplo, que não a levam em conta e substituem por outra memória exterior, que se apresenta como oficial e única. Ainda que também esteja certo que na atualidade se é mais sensível a escutar todo tipo de história, não apenas uma. Por isso são feitos contínuos descobrimentos de episódios que estavam esquecidos definitivamente. De todos os modos segue sendo difícil de ser pesquisada, porque se impede de diversos modos que seja contada e levada em conta. A história dos povos andinos, por exemplo, que está ainda muito viva, não é aceita com frequência porque não se apresenta segundo as normas e as técnicas da história convencional, uma história normativa e preceptiva, originada em muitos casos na mesma universidade e nas academias de história. Temos que aceitar que há várias histórias como há várias culturas.

NEPPI: De que maneira a sistematização e divulgação de documentos indígenas podem contribuir para mudar a visão sobre os povos indígenas no Brasil?

Melià: De hecho, en la medida en que los pueblos indígenas consiguen decir su historia y que se les escuche se producen cambios significativos en la visión. No mudan su visión los que ni siquiera tienen visión de su propia historia; la ocupación de territorios indígenas es una historia que la sociedad de los colonos de Mato Grosso -Norte y Sur- quisiera ver negada; son los indígenas que harán su historia; la contarán de múltiples modos y la harán escuchar. Los buenos historiadores la escucharán y la sentirán como propia. Llegado el caso la defenderán contra los muchos perjuicios.

De fato, à medida que os povos indígenas conseguem contar sua história e são escutados, se fazem mudanças significativas na visão. Não mudam de visão os que nem sequer têm visão da sua própria história. A ocupação de territórios indígenas é uma história que a sociedade dos colonos de Mato Grosso - Norte e Sul - quiseram ver negada. São os indígenas que farão sua história, contarão de vários modos e farão escutar. Os bons historiadores a escutarão e a sentirão como própria. Chegado o caso, a defenderão contra os muitos prejuizos.

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