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Entre a ecologia e o crescimento

CB, Economia, p. 17
05 de Mai de 2007

Entre a ecologia e o crescimento
Saída para reduzir os problemas ambientais que serão causados pela construção no Rio Madeira inviabiliza a obra. Governo terá que escolher se sacrifica ou não projeto do PAC

Mariana Mazza
Luís Osvaldo Grossmann
Da equipe do Correio

A solução para o novo impasse em relação às licenças para construção do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira deve colocar em xeque a própria viabilidade econômica do empreendimento. As dúvidas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) sobre os sedimentos levados pela corrente do rio mostram um conjunto de imprecisões sobre o impacto ambiental da obra. E, a saída para minimizar os problemas causados na maior bacia hidrográfica do mundo irá aumentar gravemente o custo da energia que será produzida no local e o tempo de vida das usinas de Jirau e Santo Antonio, ambas incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Está prevista no projeto a manutenção de um dique antes da entrada do reservatório da usina de Jirau. Essa barreira é necessária para reter parte considerável dos sedimentos levados pelo rio - a previsão é de 20% -, evitando assim o assoreamento do reservatório. O problema é que a alternativa tem impacto no corpo do rio, sedimentando parte do leito, o que pode provocar impactos imprevisíveis em toda a bacia hidrográfica.

Remoção
Por isso, o Ibama quer que esse dique seja removido para que a licença prévia possa ser emitida. "Queremos adaptações para melhorar as questões ambientais do projeto. Fizemos uma recomendação para retirar o dique previsto para proteger as usinas", declarou o presidente do instituto, Bazileu Alves Margarido Neto, na quinta-feira após audiência na Câmara dos Deputados. Mas, sem o dique, as obras podem ser inviáveis por conta da entrada dos sedimentos nos reservatórios. Inclusive nas condições desejadas pelo Ibama, com a retirada do represamento, o empreendimento pode não ter capacidade de funcionamento. "Mesmo hoje, sem considerar qualquer efeito de assoreamento, a se manter esta regra, para determinadas vazões, não é possível que o AHE (Aproveitamento Hidroelétrico) de Jirau gere energia", descreve o Parecer Técnico n.o 14/2007 do Ibama, datado de 21 de março deste ano.

No caso da retirada da estrutura de contenção, a questão do assoreamento do rio seria resolvi- da. Nessa hipótese, porém, o cus- to passaria ao empreendedor, uma vez que o reservatório seria gradualmente ocupado pelos sedimentos mais pesados, que não passam pelas turbinas. Aos poucos, o reservatório perderia sua capacidade, inviabilizando o funcionamento da usina.
Bolso
Como já indicara um relatório do Ministério Público de Rondônia, "o resultado observado no estudo é que os valores de descarga sólida do leito, por não terem sido adequadamente amostrados, estão subestimados". Assim, no contexto da solução para o problema ambiental, o impacto poderá ser transferido ao bolso do consumi- dor. "Com a redução do reservatório, isso entra no custo da energia gerada pela usina", alerta o chefe do departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Brasília, Antônio Brasil Jr. Entre os problemas apontados pelo Ibama está o fato de que os cálculos do Estudo de Impacto Ambiental não levaram em conta os efeitos do assoreamento. "Conseqüentemente, o cálculo do fator de capacidade do AHE Jirau e de sua energia média podem estar superestimados".

Os técnicos do Ibama foram a Rondônia fazer medições no local e descobriram que os estudos apresentados para o pedido de licenciamento ambiental consideram apenas o período de cheia do Madeira - não há simulações pa- ra os níveis mais baixos. Na prática, isso significa que não há garantias de funcionamento da usina quando o nível da água ficar abaixo dos 82,5 metros sugeridos pelo estudo. Quando da medição do Ibama, o nível do rio estava em 78 metros. "Existe uma tendência de perda de vida útil do AHE Jirau e um risco potencial não mensurado, impactando a própria economicidade do empreendimento' diz o parecer técnico.

Peixes são o menor dos problemas

O catalisador da discórdia entre o Palácio do Planalto e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), os bagres que vivem no Rio Madeira, é de longe um dos menores problemas para as usinas hidrelétricas previstas para o local.

Para solucionar o problema que instigou as críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (ele disse em discurso que "alguns peixes querem travar o desenvolvimento do país"), o instituto sugeriu o uso de sistemas já testados de transposição dos peixes de um lado a outro das barragens de Jirau e Santo Antonio.

A segurança de que essa é uma questão superável vem do fato de usinas de grande porte terem tido experiências bem sucedidas em situações mais complicadas do que a vislumbrada no projeto do Madeira.

"O caso dos peixes, basta fazer uma transposição. Itaipu tinha um problema bem mais complicado e foi solucionado", explicou o presidente do Ibama, Bazileu Alves Margarido Neto.

Como a obra do Madeira não terá uma barragem que gere desnível em relação ao rio, a proposta é criar uma passagem que permita que os bagres atravessem o obstáculo. Um membro da equipe de biólogos que participou dos estudos do EIA-Rima, conduzidos pela Odebrechet e Furnas, garantiu ao Correio que todo o manejo dos peixes está sendo considerado na obra e que, em momento nenhum, isso foi objeto de questionamento por parte do Ibama. Por conta da polêmica sobre o tema, o biólogo preferiu permanecer no anonimato.

Itaipu virou um parâmetro por conta do impacto que a obra tinha na piracema dos peixes que habitam o Rio Paraná, onde a megausina está instalada. No caso do Paraná, a barragem foi construída com um desnível de 120 metros entre o rio e a superfície do reservatório. Essa altura era importante para que a queda d'água fosse suficiente para gerar energia ao passar pelas turbinas. Mas o desnível tornou a subida dos peixes para a desova (piracema) praticamente impossível. Entre os estudos e a solução do problema, os empreendedores responsáveis pela usina levaram cinco anos de trabalho. Em 2002, Itaipu concluiu a ligação entre o Paraná e o reservatório por meio de um rio artificial que reproduz a antiga força das águas na região. O empreendimento, que virou ponto turístico na região, foi batizado de Canal da Piracema. (MM)

CB, 05/05/2007, Economia, p. 17

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