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Enfraquecimento dos órgãos ambientais acelera o desmatamento

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27 de Out de 2020

Enfraquecimento dos órgãos ambientais acelera o desmatamento
Enquanto o governo federal briga internamente sobre a existência das queimadas, quem acende o fogo na mata está livre para continuar com a devastação

WALDICK JUNIOR
27 de outubro de 2020 - 09:20

Manaus - De Norte a Sul, a devastação nos biomas brasileiros segue a todo vapor. Amazônia, Pantanal e até a Caatinga, biomas exclusivamente brasileiros, veem alta no desmatamento. Enquanto isso, ações para combater o fogo se mostram pouco eficazes, frente aos recordes nos números. Especialistas apontam que as mudanças ocorridas na gestão e cortes no orçamento de órgãos de proteção ambiental podem ter influenciado o aumento do desmatamento.

Em uma comparação simples, é possível ver como o governo federal gastou menos nos últimos anos com o meio ambiente, e, ao mesmo tempo, como cresceu o desmatamento nesse período. O dado abaixo consta no Portal da Transparência.

Quanto aos números reais de queimadas, na Amazônia, já foram registrados 89.176 focos de incêndio em 2020, o que ultrapassa o registrado durante todo o ano passado. No Pantanal, só nos primeiros 20 dias de outubro, os incêndios cresceram 408%. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Até mesmo a Caatinga, um bioma exclusivamente brasileiro, viu 7.775 km² de terras desmatadas nos primeiros nove meses de 2020.

Gasto era previsto, mas dinheiro não foi utilizado
Dados do orçamento anual do governo federal, é possível ver que a verba prevista para o Ministério do Meio Ambiente (MMA) se manteve estável entre 2018 e 2020, com poucas alterações. A mudança deve vir mesmo em 2021, já que em sua Lei Orçamentária Anual para o próximo ano, o governo federal planeja gastar R$ 2,9 bilhões com a pasta. Isso é menos R$ 188,4 milhões, se comparado ao orçamento de R$ 3,1 bilhões em 2020.

Além disso, embora a verba prevista dos anos anteriores se mostra estável, ao serem analisados os valores reais gastos com a pasta, há um cenário completamente diferente. Tem se investido menos com meio ambiente, no Brasil. E não em qualquer período, mas justamente quando crescem os níveis de desmatamento e queimadas.

Em 2018, o desmatamento na Amazônia já era maior 13,7% se comparado ao ano anterior. Ainda assim, o orçamento total do Ministério do Meio Ambiente não foi utilizado. Na época, a pasta destinou 51,28% de toda a sua verba para o Ibama, e 22,5% para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Em 2019, o Brasil estampou capas de jornais internacionais com os incêndios que atingiram a Amazônia. Mesmo com toda a crise ambiental envolta das queimadas, o Ministério do Meio Ambiente gastou 'apenas' R$ 2,18 bilhões de um total de R$ 3,66 bilhões previstos para a pasta. De todo o dinheiro utilizado, 60,74% foi dado ao Ibama, e 28,40% ao ICMBio.

Em 2020, ano em que as queimadas ganharam mais atenção em outros biomas, como Pantanal e Caatinga, a cena se repete. Até outubro, o Ministério do Meio Ambiente havia gasto R$ 1,73 bilhões, de um total de R$ 3,09 bilhões destinados à pasta. É o menor valor até então. Dessa quantia, 53,60% foi enviada ao Ibama, e 23,74% ao ICMBio.

Neste mês de novembro, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) determinou que seus brigadistas - bombeiros - interrompessem as atividades em todo o país. O órgão alegou falta de recursos e acusou ter R$ 19 milhões em salários atrasados. A situação, no entanto, não é isolada.

Em agosto, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) anunciou que suspenderia as ações de combate ao desmatamento na Amazônia Legal, após a pasta ter R$ 60 milhões bloqueados pelo Ministério da Economia. O dinheiro cortado seria destinado ao Ibama e ICMBio. No fim, a verba foi desbloqueada e não cessaram as ações de combate ao desflorestamento.

Além da perda de orçamento, o Ibama também viu novos fechamentos de unidades de fiscalização, em especial no Amazonas, o quarto lugar com mais focos de incêndio, segundo o Inpe. A última a fechar foi a repartição situada em Parintins (AM), que lacrou suas portas em novembro de 2019.

O EM TEMPO tentou contato com um dos funcionários que atuou naquela unidade enquanto ainda estava ativa. Ele recusou a entrevista por medo de represálias. "Agora está cheio de militar [o Ibama], melhor não", alegou o ex-servidor.

Militarização e fechamento de coordenações regionais

Em 2020, o ICMBio, outro braço do governo federal que atua contra os desmatamentos, passou por grandes reestruturações internas.

Em portaria publicada no dia 12 de maio deste ano, o órgão perdeu 11 coordenações regionais, deixando apenas uma gerência por região do país. Além disso, 38 servidores de comando foram exonerados. Outros cargos de direção que ficaram vagos foram preenchidos por indicações pessoais do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, todos oficiais da Polícia Militar.

Redução da transparência de informação sobre queimadas

De acordo com Antonio Oviedo, Phd em Gestão Ambiental e assessor do Instituto Socioambiental, o Brasil apresentou uma redução de 34% na aplicação de multas e um aumento de 34% no aumento de desmatamento na Amazônia Legal no período de agosto de 2018 a julho de 2019. Os dados referentes a 2020 ainda não foram divulgados, mas a estimativa do Inpe, por meio dos dados do Deter, que é um sistema de monitoramento mensal.

"O motivo da redução das multas é basicamente a política desse atual governo. O presidente Bolsonaro afirmou categoricamente que ele ia acabar com a indústria da multa, que ele ia retirar os órgãos de fiscalização do cangote dos produtos rurais, então a política desse governo era de desmontar e reduzir a capacidade operativa dos órgãos de fiscalização, e é o que a gente está observando desde 2019, a cada mês o Brasil bate seu recorde de desmatamento um após o outro, essa taxa vem aumentando, culminando agora em outubro com níveis de queimadas", explica.

O cientista ambiental acredita que está havendo a redução na transparência das informações sobre política ambiental, os dados sobre desmatamento ainda são disponibilizados na plataforma do Inpe, mas no geral, a transparência de dados públicos diminuiu. "A gente percebe que houve muita reestruturação em conselhos nacionais ou instâncias participativas onde a sociedade civil pode participar, como o Conselho Nacional do Meio Ambiente, o conselho de políticas indígenas, conselhos de saúde, educação. Eles foram esfacelados e a participação da sociedade civil diminuiu.

Amazônia e a 'epidemia' de queimadas

Para Paulo Moutinho, pesquisador sênior que atua em estudos sobre desmatamento no Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), é preciso que todos tenham consciência do risco das queimadas. "Com 80% da população brasileira vivendo em cidades, nós perdemos a conexão com a natureza. O resultado é uma população que não consegue ver que estas conexões são vitais para o bem-estar no ambiente urbano. A fumaça das queimadas é um bom exemplo: o mundo urbano só se lembra do desmatamento quando as cidades são gravemente afetadas pela fumaça das queimadas", afirma o cientista.

Em maio deste ano, o Amazonas decretou 'emergência ambiental' por conta das queimadas. Dados da Secretaria de Estado de Meio ambiente do Amazonas (Sema) apontam que o número de focos de incêndio cresceu em 2020, se comparado ao mesmo período do ano passado.

Além do apoio à fiscalização, por meio do monitoramento remoto da Sala de Situação, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) coordena um comitê permanente interinstitucional para tratar das estratégias de prevenção e combate às queimadas e desmatamento ilegal no Amazonas.

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