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Energia - sonhos e realidades

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: GOLDEMBERG, José
21 de Mai de 2007

Energia - sonhos e realidades

José Goldemberg

O governo federal parece ter acordado da letargia que o acometeu nos últimos anos em relação à produção de eletricidade, que é essencial não só para o crescimento da economia, para o PAC, mas para garantir o suprimento do que já existe no País.

Problemas com o planejamento e a falta de chuva já foram responsáveis pelo "apagão" de 2001, que afetou a vida de todos os brasileiros. As perspectivas de que algo semelhante venha a ocorrer nos próximos anos são reais e o problema só não é menos urgente devido às excelentes chuvas que tivemos este ano, que encheram os reservatórios das usinas hidrelétricas, das quais depende a maior parte da nossa eletricidade.

O nervosismo do governo e do próprio presidente da República é evidente, com os repetidos "puxões de orelha" nos órgãos ambientais e nas ameaças do presidente de que se as usinas do Rio Madeira não forem liberadas a opção será concluir a Usina Nuclear Angra dos Reis 3.

A colocação do presidente é equivocada. Mesmo que ambos os projetos fossem iniciados amanhã, levaria pelo menos seis a sete anos para que produzissem eletricidade. É preciso, pois, encontrar outras soluções menos problemáticas, e elas existem.

A potência das usinas já licitadas e autorizadas, com licença ambiental, é de 7,3 mil megawatts (a maioria, hidrelétricas), equivalentes a seis reatores nucleares do porte de Angra dos Reis. Além disso existem 3,3 mil megawatts do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) para energias renováveis, como a eólica (ventos), biomassa e pequenas centrais hidrelétricas. Somadas, estas fontes equivalem a uma nova Itaipu. A geração de eletricidade queimando bagaço excedente nas usinas de açúcar e álcool também está aumentando muito, principalmente em São Paulo. Em lugar de reclamar dos órgãos ambientais, o governo deveria, portanto, enfrentar a realidade, e não sonhar com soluções "milagrosas" como as usinas do Rio Madeira ou nucleares.

A realidade é que o Ibama é lento, foi "aparelhado" no início da primeira gestão do atual presidente da República, seus quadros técnicos, reduzidos, e muitos consideram seu desempenho questionável. Há quatro anos ele deveria ter sido reformulado e teria havido tempo para melhorar sua agilidade e sua competência técnica. Isso não foi feito e a reformulação proposta agora levará tempo para produzir resultados.

A verdade é que o problema não está apenas no Ibama, mas no modelo energético adotado, em 2002, pelo governo atual, baseado em leilões da Empresa de Planejamento Energético (EPE), que criaram mais problemas do que resolveram. A EPE caiu um pouco na mesma ilusão de governos anteriores de acreditar que usinas licitadas são efetivamente construídas. Há toda uma "indústria" de concessões - como havia no passado - e os empresários hesitam em investir num sistema em que as regras não são claras, apesar do enorme aumento das tarifas de eletricidade que ocorreu nos últimos anos. É urgente analisar por que os 7,3 milhões de quilowatts licitados ou autorizados ainda não saíram totalmente do papel, pois é lá que se encontra a solução imediata dos problemas atuais, e não nas usinas do Rio Madeira ou nas usinas nucleares. Os problemas com elas não são técnicos, mas econômicos e financeiros, pois ambos os empreendimentos são caros e não será fácil financiá-los.

As usinas do Rio Madeira estão distante dos principais centros de consumo e as longas linhas de transmissão necessárias para trazer a energia para o Sudeste, provavelmente, dobrarão o investimento necessário, além dos problemas sazonais de usinas da Amazônia se não contarem com grandes reservatórios, que são, em geral, os que criam problemas ambientais e sociais.

Quanto à usina Angra dos Reis 3, há com ela três problemas. O primeiro é que a Eletronuclear (responsável pela sua construção) tem um "dívida impagável de 1 bilhão de euros, e outro tanto em reais, ou dólares, à conta da Eletrobrás, que está pagando os juros da dívida", segundo o seu ex-presidente Luiz Pinguelli Rosa.

O segundo problema é que esta usina irá custar, no mínimo, mais US$ 1,7 bilhão, além dos US$ 700 milhões de equipamentos já comprados. Uma escalada de custos não seria uma surpresa, porque já ocorreu com Angra 1 e Angra 2.

Em terceiro lugar, os entusiastas deste projeto raciocinam como se o combustível nuclear (urânio enriquecido) fosse barato e fácil de preparar, repetindo sempre que o Brasil tem grandes reservas de minério de urânio. Sucede que para transformá-lo em combustível nuclear seriam necessários investimentos de centenas de milhões de dólares nas usinas de enriquecimento. No fundo, é como se confundissem bauxita com alumínio, ou minério de ferro com placas de aço de alta qualidade. Há um enorme caminho a percorrer entre minério de urânio e combustível nuclear.

Todos estes problemas são econômico-financeiros e não há argumento de defesa da soberania nacional que possa priorizar reatores nucleares, a não ser decisões políticas que os privilegiem diante da necessidade de concluir empreendimentos já iniciados.

O único argumento de alguma solidez a favor das usinas nucleares é o de que elas emitem menos carbono do que usinas termoelétricas, que usam combustível fóssil, como carvão e gás. Sucede que um reator como Angra dos Reis reduz emissões de cerca de 2 milhões de toneladas de carbono por ano, que é apenas 1% do que o desmatamento da Amazônia emite. Se o governo desejasse de fato diminuir as emissões de carbono, reduzir o desmatamento da Amazônia seria o caminho a seguir.

José Goldemberg foi presidente da Companhia Energética de São Paulo (Cesp)

OESP, 21/05/2007, Espaço Aberto, p. A2

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