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Energia para o desenvolvimento

OESP, Economia, p. B2
Autor: BUAINAIN, Antônio Márcio
12 de Set de 2006

Energia para o desenvolvimento

Antônio Márcio Buainain

Mais de uma vez escrevi, neste espaço, sobre os riscos associados à improvisação das políticas em áreas onde não é possível improvisar e sobre a dificuldade de harmonizar decisões tomadas para enfrentar problemas de curto prazo com o que se percebe como objetivos estratégicos e de longo prazo. O resultado da falta de planejamento estratégico e da inconsistência temporal das políticas públicas é que, apesar de gastar somas consideráveis de recursos, não logramos superar velhos obstáculos, continuamos a fazer a política do bombeiro e a criar e desarmar bombas-relógio. Agora mesmo está sendo montada uma com potencial para implodir segmentos importantes da economia brasileira e afetar toda a sociedade.

Energia é insumo básico para o desenvolvimento e componente relevante da competitividade sistêmica de qualquer país. Pode ser fator de vantagem ou desvantagem competitiva, em particular para os setores intensivos em energia. A prioridade dada à energia hidrelétrica a partir de 1970 viabilizou a expansão competitiva de vários ramos industriais que representam, em seu conjunto, pelo menos um quarto do PIB brasileiro. Sem energia, ou com energia cara, a economia pára e esses setores perderão sua competitividade.

Representantes dos vários segmentos do setor de energia têm chamado a atenção do governo para o risco de "apagão" em 2010. Em um país acostumado a viver do bolso para a boca, 2010 é futuro longínquo e alertas deste tipo costumam cair no vazio. Para o setor de energia um alerta para quatro anos assume caráter de urgência, quase de emergência. Um projeto hidrelétrico simples exige anos de planejamento e implementação antes de entrar em operação, isso se não for retardado por processos às vezes kafkianos de licenciamento e embargos judiciais.

Além do risco real de apagão - quase uma certeza, caso a economia volte a crescer -, outras nuvens pesadas estão se formando no horizonte. As atuais políticas para o setor vêm provocando uma mudança significativa na matriz energética, da base hidrelétrica para outras fontes mais caras e menos limpas. Enquanto países como Canadá, Estados Unidos, Austrália e China otimizam a exploração da hidreletricidade, no Brasil está em curso um rápido processo de esterilização da competitividade deste fator, com queda acelerada da participação da energia hidrelétrica na oferta de energia elétrica.

Em todo o mundo se tem observado tendência ao crescimento do preço da energia, cujo impacto pode ser absorvido por ganhos de eficiência e de produtividade. Não é o caso do Brasil, onde a tarifa média industrial (R$/MWh) explodiu, passando de R$ 96 em 2002 para R$ 185 em 2005. Em 2002, apenas dois países entre dez competidores diretos tinham tarifa de energia industrial mais barata que a brasileira; em 2005, a tarifa no Brasil era a mais cara. A Fundação Getúlio Vargas estima uma perda de 8,6 pontos porcentuais no crescimento do PIB no período 2006-2015, o que equivale a R$ 214 bilhões a preços de 2005, se a tendência de elevação de preços da energia não for revertida. E o pior é que os leilões de energia nova apontam claramente para a continuidade do aumento de preços: enquanto em 2006 a energia existente está sendo comercializada a R$ 67,3/MWh, a energia nova vendida para entrega em 2009 custa R$ 128,5/Mwh.

As causas são claras: elevação dos impostos e encargos, cuja incidência total passou de 35,91% em 2002 para 51,58% em 2006; a ênfase em fontes mais caras e poluentes, mas de resposta mais rápida para a escassez imediata; o atraso no inventário de hidrelétricas competitivas e os entraves ambientais que na prática esterilizam parte relevante do potencial hídrico ainda disponível.

O próximo governo poderá fazer pouco para mudar a situação de curto prazo, mas tem a obrigação de implementar ações corretivas para recolocar o setor numa trajetória que assegure energia para o desenvolvimento do País. Neste sentido é urgente corrigir distorções regulatórias para que os sinais econômicos promovam a eficiência em todos os níveis, da produção ao uso doméstico e industrial. Também é urgente introduzir transparência na política energética, que deve ser tratada como instrumento de desenvolvimento, e não de arrecadação ou transferências de renda disfarçadas; e, por último, é preciso rever, com sabedoria, as relações entre meio ambiente e geração de energia.

Antônio Márcio Buainain é professor assistente doutor do Instituto de Economia da Unicamp. E-mail: buainain@eco.unicamp.br

OESP, 12/09/2006, Economia, p. B2

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