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Emergencia na Embrapa

OESP, Editoriais, p.A3
18 de Fev de 2004

Emergência na Embrapa
Os sintomas são claros e alarmantes, mas ainda é possível deter o avanço do processo. Cabe ao presidente da República impedir a degeneração completa da Embrapa, uma das mais importantes instituições de pesquisa agropecuária do mundo. A sujeição da empresa ao jogo político partidário está minando sua organização, criando insegurança entre seus pesquisadores e pondo em risco uma orientação que foi decisiva para a modernização rural do Brasil.
Tornar a agropecuária brasileira uma das mais competitivas do mundo foi apenas uma das façanhas da Embrapa. Outro feito notável foi contribuir para o barateamento da alimentação no País, graças à elevação da produtividade agropecuária. Esse efeito, registrado nas séries de longo prazo de todas as pesquisas de custo de vida, motivou a revisão da estrutura dos vários índices de preços ao consumidor.
Essa história de sucesso, que resultou tanto em dólares para o País como em comida mais acessível aos consumidores, foi menosprezada pelo novo presidente da Embrapa, Clayton Campagnola, em sua revisão dos objetivos da empresa.
Em fevereiro do ano passado, ele definiu como "primeira vertente prioritária" as "atividades de pesquisa e desenvolvimento direcionadas aos agricultores familiares, assentados da reforma agrária e pequenos empreendedores rurais". O fortalecimento da pesquisa voltada para a expansão do agronegócio e para o aumento da competitividade virou "segunda vertente prioritária".
O presidente Campagnola negou, em entrevista publicada domingo no Estado, que a distribuição de recursos tenha mudado no primeiro ano de sua gestão ou que haja intenção de abandonar os programas em andamento. Mas o fato é que as metas prioritárias da empresa mudaram e isso deve refletir-se na sua operação nos próximos anos.
Como mostrou a reportagem de Lourival Sant'Anna publicada no mesmo dia, os critérios de administração já foram alterados. Campagnola trocou 19 dos 37 chefes de centros de pesquisa e outros 9 devem ser substituídos. Alguns dos afastados tiveram o mandato interrompido. Pelo menos 10 dos 19 chefes nomeados no último ano são ligados ao PT ou ao Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf).
O novo processo de seleção inclui a participação de representantes de movimentos sociais nas bancas de exame. O sindicato e os movimentos influem tanto na escolha de pessoal para postos de chefia quanto na definição da política de pesquisa. Ao contrário do que disse na entrevista em resposta à reportagem de Lourival Sant'Anna, o presidente da empresa tem interferido na gestão das unidades, retirando a autonomia do chefe-geral até na escolha dos chefes-adjuntos.
O sindicato, dominado por petistas, ganhou espaço para intervir na formulação da política e para patrulhar os pesquisadores, sujeitos a execração nos comunicados da entidade quando ousam, por exemplo, defender a pesquisa de transgênicos.
A desorientação da Embrapa é visível desde o começo da gestão do atual presidente, indicado pelo ex-ministro da Segurança Alimentar José Graziano, que se notabilizou pela ineficiência na condução do Programa Fome Zero e não pelo ministro da Agricultura, como mandava o bom senso. Ao engajar-se nesse programa, a diretoria da empresa mostrou que um período de confusão e de ineficiência estava para começar.
Pode-se medir a qualidade intelectual da nova orientação por um artigo divulgado no site da empresa no dia 18 de novembro. O texto contém preciosidades como a seguinte observação sobre as técnicas de assistência e de extensão rural: "Estas técnicas, além de dispersantes, por privilegiarem contatos individuais entre o técnico e o agricultor, são alienantes porque submetem o agricultor à condição de objeto do processo." No mesmo artigo, recomenda-se, como parte da nova orientação, "incorporar o conceito de multifuncionalidade do meio rural nas ações de pesquisa e desenvolvimento, uma vez que o meio rural brasileiro não é mais exclusivamente voltado para a produção agropecuária". Entre as atividades não agrícolas, lembra o autor do texto, há aquelas de turismo e lazer. Excelente lembrete, quando se trata de estabelecer uma nova orientação para uma empresa de pesquisa agropecuária. É necessária uma ação de emergência para salvar a Embrapa, antes que seja tarde.
OESP, 18/02/2004, p.A3

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