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Em Pernambuco, caciques mulheres enfrentam crimes ambientais e lutam por seus territórios

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05 de Set de 2023

Em Pernambuco, caciques mulheres enfrentam crimes ambientais e lutam por seus territórios
Pela primeira vez na história, os povos Pankará e Tuxá Campos, no Sertão de Pernambuco, são comandados por mulheres, que se dividem conquistar a titularidade da terra e combater crimes ambientais

Adriana Amâncio
5 de setembro de 2023

"Não tinha homem na aldeia?" Essa é a frase que as caciques indígenas Dorinha Pankará, Lucélia Pankará e Evani Tuxá, dos povos Pankará e Tuxá Campos, no Sertão de Pernambuco, costumam escutar sempre que se apresentam em eventos que contam com a presença de não indígenas. Muitas pessoas estranham ao ver mulheres no comando das aldeias. Mas esse não é o único desafio.

Sob a tensão da votação do projeto de lei do marco temporal no Congresso e o debate no Supremo Tribunal Federal (STF), elas lideram a disputa pela titularidade dos seus territórios, denunciam crimes ambientais e negociam políticas públicas com gestores.

De acordo com o Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Nordeste abriga a segunda maior população indígena do Brasil. Um de cada cinco indígenas da região mora em Pernambuco, mas 68% deles vivem fora de terras indígenas. Os dados reforçam que o acesso ao território ainda é um desafio para os 106 mil integrantes de povos originários no estado.
Um gráfico de barras horizontal mostra a população indígena em Pernambuco. Na primeira barra é indicado que 9,06 milhões de pessoas residem em Pernambuco. Em destaque, puxando para outra barra, lê-se que 106 mil são indígenas. Dos indígenas, 34 mil residem em Terras Indígenas, enquanto 72 mil residem fora de Terras Indígenas. Lê-se que 68% dos indígenas de Pernambuco moram fora de Terras Indígenas. Abaixo, em destaque, lê-se que ⅕ dos indígenas do Nordeste residem em Pernambuco. A fonte dos dados é Censo de 2022.

População indígena em Pernambuco

9,06 milhões

de pessoas residem em Pernambuco

106 mil são indígenas

34 mil

residem em Terras Indígenas

72 mil

residem fora de

Terras Indígenas

68% dos indígenas de Pernambuco moram fora de Terras Indígenas

1/5

dos indígenas do Nordeste

residem em Pernambuco

Fonte Censo 2022

"Se o marco temporal for aprovado e nós formos removidos dessas terras, as portas estarão abertas para a construção da Central Nuclear do Nordeste", assegura Lucélia Leal Cabral, 45 anos, cacique da Aldeia Serrote dos Campos. Conhecida como Lucélia Pankará, ela lidera o povo desde a retomada do território, em 1997.

A Usina Nuclear, composta por oito reatores, gerou debates e foi alvo de protestos por parte dos povos indígenas e movimentos anti-nucleares. Uma vez em funcionamento, os reatores seriam resfriados com as águas do rio São Francisco, o que pode elevar a temperatura da água em até 2oC e inviabilizar a vida dos peixes, principal fonte de proteína dos Pankarás.

Até outubro de 2021, a construção da usina dependia de uma alteração no artigo 216 da Constituição de Pernambuco. O texto afirma que, no estado, não se pode acessar fonte de energia nuclear sem esgotar a capacidade de produção de energia hidrelétrica de outras fontes. Hoje, o projeto se encontra em Brasília e o seu destino será decidido pelo Governo Federal.

A mudança de foro é fruto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), movida pelo Procurador Geral da República Augusto Aras, em 2021. O STF acatou a denúncia e considerou que o destino do empreendimento deve ser regido pela Constituição e decidido no Planalto Central.

Lucélia conta que, mesmo diante do assédio de pessoas poderosas, entusiastas da energia nuclear, manteve-se contra a obra, o que lhe rendeu ameaças de morte. "As pessoas diziam que se a gente [ela e os familiares] não parasse de se opor, iria amanhecer com a boca cheia de formiga".

Hoje, a cacique integra o Programa de Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos do Ministério Público Federal (MPF). A casa, a escola e diversos pontos da aldeia são monitorados por câmeras, durante 24 horas.

"Me ofereceram a opção de ir morar em outro país, mudar o nome, mas eu disse 'jamais'. Deixar de ser indígena, deixar de lutar pelo meu povo, nunca"

Lucélia Pankará
Cacique desde 1997

Viver cercada por câmeras, com horários restritivos, parece não intimidar Lucélia. O seu maior temor é o avanço do marco temporal no Judiciário e no Congresso.

"Elegemos Lula, ele criou o Ministério dos Povos Indígenas, mas isso ainda não tem sido motivo de fortalecimento. Vivemos em um constante medo do amanhã", desabafa a cacique do povo Pankará.

A construção da usina nuclear também atinge o território de Tuxá Campos e preocupa Evani Tuxá. "A usina nuclear é a pior ameaça! Se o marco temporal for aprovado, ela sai do papel, pois ela só deixou de ser construída por causa da gente, que fez mobilizações, audiências públicas", declara apreensiva.
Defesa do território
Em um gráfico de mapas com o título "Caciques mulheres em Pernambuco", é destacado no Brasil o estado de Pernambuco e nele os territórios referentes a cada cacique. No Território Pankará na Serra do Arapuá, Carnaubeiro da Penha está a Cacique Dorinha Pankará. No Território Tuxá Campos, em Itacuruba, está a Cacique Evani Tuxá. E também no Território Pankará, em Serrote dos Campos, Itacuruba, encontra-se a Cacique Lucélia Pankará. Clicando no nome das caciques é possível conhecer mais sobre suas histórias.

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Dorinha Pankará

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Evani Tuxá

Cacique
Lucélia Pankará

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para conhecer suas histórias

Fonte Google Maps

Em 1988, os Pankarás foram removidos do território onde viviam para a construção da Barragem Luíz Gonzaga. O povo ficou disperso na área urbana de Itacuruba até 1997, quando decidiu se reagrupar e retomar sua terra. Desde então, ocupam os 6 mil hectares da Aldeia Serrote dos Campos, perto do antigo território onde viviam antes da desapropriação.

Em 26 anos de retomada, os Pankarás vêm resgatando seu modo de vida. O processo de demarcação está em curso, mas a aprovação do marco temporal como parâmetro é uma ameaça ao povo.

De acordo com Daniel Maranhão Ribeiro, advogado e assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) - Regional Nordeste, o caso da etnia ilustra a realidade da maior parte dos povos indígenas do Brasil, que corre o risco de perder a posse da terra. "A gente não pode dizer, pois haveria uma análise caso a caso, mas eles têm sim o risco de perder as terras, uma vez que a ocupam desde 1997", explica.

A demora na demarcação das terras da aldeia Serrote dos Campos foi alvo de manifestações do MPF, que cobra agilidade no cumprimento das etapas de titulação.

Uma das manifestações, de julho de 2022, pede o cumprimento de um cronograma com prazos definidos para titulação e, em caso de descumprimento, exige que Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) seja multada no valor de R$ 10 por dia. Outra manifestação, de novembro do mesmo ano, cobra "providências para a omissão da Funai na demarcação das terras indígenas dos Pankará".

Na aldeia liderada por Evani Tuxá vivem 76 famílias. Segundo ela, antes, o território media 14.800 hectares, mas com a construção da Barragem Luíz Gonzaga, as famílias foram realocadas e passaram a viver em apenas 590 hectares, enquanto o restante das terras foi inundado pelas águas da hidrelétrica.

"Em 2015, nós iniciamos o processo de demarcação, pois vimos que as coisas estavam estranhas e sentimos medo de perder até o que nos restou"

Evani Tuxá
Cacique desde 2015

O processo de demarcação das terras do território Tuxá Campos já está em curso. Entre janeiro e novembro de 2016, o povo conseguiu, com dificuldade, o reconhecimento como membro da etnia. Evani conta que, em diversas reuniões do processo de reconhecimento, as autoridades questionavam a aparência do grupo. "Diziam sempre 'vocês não têm cara de índio'", relembra Evani. A oficialização do território, ainda em curso, segue com as etapas que envolvem demarcação da área, homologação e registro.

Evani reforça que a ausência de demarcação da terra impacta no acesso às políticas públicas. Mesmo diante das dificuldades, o território Tuxá tem contado com alguns serviços. "Uma vez por semana recebemos uma enfermeira e uma Agente de Saúde. Uma vez por mês, contamos com uma equipe completa formada por médico e enfermeiro", informa.

Cada avanço da tese do marco temporal no STF e no Congresso é acompanhado com apreensão na Serra do Arapuá, território Pankará formado por 52 aldeias, em Carnaubeira da Penha, onde conversamos com Dorinha Pankará.

A cacique afirma que o povo está no território atual desde antes de 1988, portanto a decisão do STF ou a aprovação do PL no Congresso não devem interferir no processo de demarcação das terras, que está em curso desde 2013.

"A gente se preocupa pelos parentes que podem perder o direito à terra. O indígena sem território não existe"

Dorinha Pankará
Desde 2003, primeira cacique do território Pankará

No entanto, a falta de demarcação, segundo Dorinha, interfere no acesso às políticas públicas. Sem a titulação da terra, para serem beneficiados com as ações previstas nos programas indígenas é preciso percorrer um longo caminho.

"Tudo é mais difícil! Se a gente precisa de um posto de saúde, tem que pegar ofício na Funai, comprovando que fomos reconhecidos, pegar ofício em outra instituição, pegar um monte de documento", explica a cacique.
Embates com grandes empresas

Lucélia Pankará conta que as terras da aldeia Serrote dos Campos são bastante assediadas por grandes empresas. Ela denuncia que os proprietários do Grupo Compare, uma grande rede de distribuição de alimentos, sediada em Floresta, município vizinho à Itacuruba, "avançaram sobre 1,5 hectare de terra da aldeia durante a compra de um terreno vizinho." Segundo Lucélia, o trecho, cuja vegetação de Caatinga está desmatada, pertence ao território, mas foi cercado pela empresa.

A denúncia foi formalizada à Funai através de ofício enviado em 23 de dezembro de 2021. No documento, a líder indígena relata a presença de maquinário pesado no território, pondo abaixo espécies de vegetação nativa de Caatinga, muitas sob ameaça de extinção. O ofício relata também que parte do território invadido pertence ao terreiro sagrado, local destinado à realização de cerimônias religiosas da etnia.

O diretor-presidente do Grupo Compare, Heraldo Menezes, confirma, por meio de nota, a compra do terreno de Geraldo Magalhães. Menezes informa que prestou esclarecimentos ao Ministério Público Federal e enviou o contrato de promessa de compra dos imóveis. O diretor-presidente do Compare diz que "até o momento não recebeu outras solicitações do órgão e que foi informado que o processo encontra-se em andamento".

Na área ocupada pelo Grupo Compare passa um braço do riacho Fernandes, que abastece a aldeia. "Eles desviaram o curso do riacho, a lama tomou conta e a água ficou imprópria para o nosso consumo", aponta Lucélia.

A cacique também cita que outro empresário, Pedro Henrique da Silva Souza, o Pedrinho da Oficina de Moto, entrou no território sem autorização e construiu uma área de lazer. "Ele tirou madeira nobre, espécies em extinção, para fazer uma área de lazer em uma parte do território, que tem 2 hectares e fica no limite do município de Itacuruba", denuncia Lucélia.

A reportagem da Gênero e Número teve acesso ao documento com a denúncia de invasão ao território indigena e retirada de madeiras nobres no local. O ofício 063, protocolado junto à Funai, em 10 de outubro de 2022, informa que um homem chamado Adailton foi contratado pelo empresário Pedro Henrique da Silva Souza para derrubar três árvores centenárias das espécies Braúnas e Caraibeiras.

Ainda segundo o documento, policiais civis autuaram o empresário em flagrante e geraram o boletim de ocorrência no 22E0053000639. No texto consta que o empresário afirmou "estar de posse de uma quantia em dinheiro para realizar o pagamento pelas toras de madeira". No ofício, Lucélia argumenta que a prática se configura "racismo religioso, uma vez que a área invadida e desmatada é o terreiro sagrado onde habitam os ancestrais dos Pankará".

A reportagem tentou contato com o Pedro Henrique da Silva Souza, mas não identificou informações públicas sobre a oficina e nem sobre o empresário. Fizemos contato com a irmã dele na tentativa de obter uma resposta, que atendeu, mas desligou o telefone antes de ouvir a solicitação. Também enviamos mensagem ao empresário, através do canal de bate papo de uma rede social onde ele tem um perfil com postagens de julho deste ano, mas ele não deu retorno.

Para Lucélia, as práticas ambientais degradantes ameaçam o futuro da aldeia.

aspa

Quanto mais se derruba a Caatinga, mais se tem longos períodos sem chuva. Os nossos ancestrais produziam aqui, mas sem degradar"

A riqueza mineral e vegetal do território Tuxá Campos é objeto dos sonhos de consumo de diversas grandes empresas. Segundo Evani, em 2016, "homens armados junto com um maquinário pesado estavam extraindo mármore de uma área próxima à Serra do Jatinã, localizada no território indígena", relembra.

A cacique procurou o MPF para denunciar a extração. Após visita dos representantes dos órgãos de defesa pública, os integrantes da empresa abandonaram o local e deixaram grandes blocos de mármore.

De acordo com a assessoria de imprensa do MPF-PE, foi movido um inquérito civil para investigar práticas de extração ilegal de minério na Serra do Jatinã, que se encontra nos limites do território indígena Tuxá Campos. De acordo com o documento, as empresas Exotic Mineração Limitada e Bambuí Serviços de Pesquisa em Mineração receberam autorização para realizar pesquisas sobre mineração.

Evani conta que flagrou diversas vezes a presença de maquinário pesado e pessoas armadas. As investigações, que estão em curso buscam saber se em vez de pesquisas, estavam sendo extraídos mármore de forma ilegal no território. O inquérito está instaurado na 6ª Câmara de Coordenação e Revisão, que trata de temas de interesse indígena no MPF-PE.

A reportagem tentou contato com a empresa Exotic no telefone informado no site da Receita Federal, mas ninguém atendeu às ligações. Enviamos um e-mail no endereço eletrônico informado no Inquérito Civil do MPF, mas não tivemos resposta.

Entramos em contato com a Bambuí Serviços através do telefone informado em seu cadastro no site da Receita Federal, mas o número não pertence à empresa. Enviamos e-mail para o endereço eletrônico informado no Inquérito Civil, porém até o fechamento desta reportagem não obtivemos retorno.

Por meio da assessoria de imprensa, o MPF-PE confirmou que o procedimento 1.26.003.000023/2022 investiga denúncia de poluição do solo e dos rios decorrente do processamento dos peixes realizado pela Coopvale às margens do rio Sao Francisco, próximo à aldeia do povo Tuxá Campos. De acordo com o órgão, a denúncia foi protocolada pelo Distrito de Saúde Indígena, ligado ao Ministério da Saúde.

A reportagem da Gênero e Número entrou em contato com o canal da Coopvale divulgado no perfil oficial da empresa em uma rede social. As mensagens enviadas não tiveram resposta. No cadastro empresarial da Cooperativa divulgado na internet não consta nenhum número telefônico ou e-mail.

Após a denúncia, Evani Tuxá afirma ter sofrido ameaças e hoje também está sob a tutela de um Programa de Proteção de Testemunhas do MPF.

aspa

Carros não identificados entravam na aldeia e ficavam parados na porta da minha casa. Pessoas estranhas passavam na estrada, perguntando quem eu era, se eu estava em casa", relembra.

A reportagem da Gênero e Número entrou em contato com a Funai para saber sobre quais encaminhamentos foram dados às denúncias realizadas pelas fontes ouvidas durante a apuração. Também perguntamos sobre o andamento do processo de demarcação dos territórios, que foi alvo de manifestações do CIMI. Até o fechamento desta reportagem, o órgão não havia respondido.
A história do marco temporal
1988
2007
2009
2012
2013
2017
2019
2020
2021
2023

A Constituição de 1988 reconhece o direito dos povos originários às terras tradicionalmente ocupadas. "Até, então, no Brasil, não havia discussão sobre demarcação das terras indígenas. Vivíamos ainda sob a memória recente das perseguições e expulsões de indígenas, práticas comuns na Ditadura Militar (1964-1985)", comenta o sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA), Márcio Santilli.

A trajetória do debate sobre o marco temporal envolve os três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. Em 2007, o Legislativo dá o primeiro passo ,com o Projeto de Lei no 490, que reivindica ao Congresso Nacional a atribuição de decidir sobre a demarcação de terras, responsabilidade do Executivo por meio da Funai.

Dois anos mais tarde, em 2009, é a vez do STF, com o julgamento da Petição 3388, sobre a nulidade da demarcação do território indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. À época, a Corte decidiu em favor da demarcação contínua e elencou 19 condicionantes - parâmetros para o julgamento do caso - entre as quais estava o marco temporal.

O território Raposa Serra do Sol, localizado entre os municípios de Normandia, Pacaraima e Uiramutá, é morada dos povos Wapichana, Patamona, Makuxi e Inagarikó. A localidade foi demarcada em 2005, através da portaria no 534 do Ministério da Justiça.

Em 2012, o Executivo Federal entra em ação, por meio da Advocacia Geral da União (AGU), que apresenta a portaria no 303, com o pedido de que as 19 condicionantes do caso Raposa Serra do Sol sejam aplicadas a todos os casos analisados. Em 2013, o STF decide que as condicionantes do caso Raposa Serra do Sol não se estendem a outros casos, o que contraria a portaria no 303 da AGU.

Em 2017, já no Governo Temer, a AGU lança a portaria 001, que obriga a adoção das condicionantes do Caso Raposa Serra do Sol em todos os casos. Foi então que o marco temporal foi institucionalizado. Naquele ano, diversos processos de demarcação de terra que se encontravam em estágio avançado passaram a ser devolvidos para a Funai e revisados com base no novo parâmetro.

Em 2019, com a votação sobre a demarcação do território indígena da etnia Xokleng, realizada pela Funai em 1990, o marco temporal volta à pauta do STF. A etnia ocupava, tradicionalmente, territórios nos estados de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul, mas com a chegada dos colonizadores, muitos foram dizimados pelos bugreiros - milicianos contratados para exterminar indígenas, de quem as terras eram tomadas. Os poucos Xokleng que restam reivindicam o território que está sob análise na Corte.

Ainda em 2019, a Câmara dos Deputados desarquiva o PL 490, já com diversos outros projetos apensados, que preveem mudanças que podem forçar o contato do Estado com indígenas de áreas profundas e comprometer o direito dos povos originários, respaldado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O documento determina que os povos e comunidades tradicionais devem ser consultados antes da implementação de grandes empreendimentos que afetem os seus territórios.

O Judiciário foi além e, em 2020, decidiu vetar o Parecer 001, da AGU, aquele de 2017, até o julgamento do recurso referente ao caso dos Xokleng, o que provocou a revisão dos processos de demarcação e foi muito usado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL).

"Com o início do governo Bolsonaro, a demarcação de terras indígenas sofreu um grande retrocesso. A portaria 001, adotada no Governo Temer, foi bastante acionada e atrapalhou diversas demarcações. Foi um período muito difícil para os povos indígenas", pondera Daniel Maranhão Ribeiro.

Em 2021, o STF retoma a análise do recurso extraordinário que trata do marco temporal. Em maio de 2023, o PL 490 com seus apensados é aprovado na Câmara dos Deputados e segue para o Senado, onde se transforma em PL 2903, já aprovado na Comissão de Agricultura

A votação do marco temporal no STF alcançou o placar de 4 x 2 em agosto de 2023. Para que a tese seja derrubada, é preciso formar um placar de seis votos contrários. Na Corte, o julgamento volta à pauta em 20 de setembro.

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