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Em escola indígena, uma das piores no Saresp, a língua oficial é o guarani

G1
Autor: Luísa Brito
14 de Mar de 2008

Para cacique, a Escola Guwyra Pepo deveria ser avaliada de forma diferente.
Secretaria diz que avaliação é igual para todos porque língua do país é o português.

Localizada a cerca de 70 quilômetros do Centro de São Paulo, na região de Barragem, no extremo Sul da capital, a comunidade da aldeia Tenonde Porã nem sabia que a escola Guwyra Pepo, que fica no local, havia sido classificada como uma das piores do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) de 2007.

Com 280 alunos, da 1ª série ao 3o ano do ensino médio, a escola teve o pior desempenho do estado em matemática na 4ª e 6ª série, com médias de 119,3 e 147,5, respectivamente. A pontuação ficou abaixo do nível básico, que é de 175 e 200, respectivamente. Em língua portuguesa a escola também obteve desempenho ruim e teve média de 171 na 6ª série quando o considerado adequado é entre 225 e 275.

Nesta sexta-feira (14), a escola estava fechada porque os professores indígenas estão fazendo curso de capacitação na Universidade de São Paulo (USP). Segundo a comunidade, as aulas são suspensas uma semana todo mês para que os docentes façam o curso.

A unidade conta com cinco professores indígenas e sete da cidade. A presença dos professores locais é essencial porque a maioria das crianças só fala a língua indígena guarani e entende poucas expressões em português. Muitos adultos falam português, mas escrevem pouco e mal.

Para o cacique da aldeia, Timoteo da Silva Verá - que foi avisado pela imprensa sobre o resultado do Saresp, - o fato de eles não falarem português e terem uma cultura baseada na oralidade dificulta a aprendizagem. "Nossa educação é totalmente oral, a gente ensina a língua e a fazer conta só falando", afirma Verá. Na opinião dele, deveria haver uma avaliação restrita às escolas indígenas. "Temos um conhecimento e uma sabedoria diferente dos brancos, mas ninguém é melhor do que ninguém. Nós já somos discriminados por sermos índios e ainda saem falando isso que temos nota ruim", diz.

Segundo o cacique, a escola começou a funcionar no local apenas em 2001 e a comunidade ainda estava se adaptando ao ensino. Outro fator que complica, segundo ele, é o fato de os sete professores de fora da aldeia não falarem guarani, o que dificulta a comunicação com os alunos e impede que eles consigam dar exemplos dentro da realidade local.

Ainda segundo o cacique, os pais querem que seus filhos estudem, mas por objetivos diferentes dos não indígenas. "O branco fala para o filho 'vai estudar para conseguir um bom emprego' . O guarani pensa diferente. O filho tem que estudar para defender seus direitos e trazer coisas boas para a comunidade, poder ser uma liderança no futuro. Pensamos em comunidade e não individualmente", diz Verá.

De acordo com o cacique, a comunidade entende que é necessário aprender português, mas isso tem que ser feito na escola. Nas casas, as famílias devem se comunicar em guarani para manter a tradição. "Se fizéssemos isso [criar os filhos falando português] seria o fim do mundo para a gente", afirma. "Depois de 500 anos de sofrimento, conseguimos manter nossa tradição", acrescenta.

A assessoria de imprensa da Secretaria Estadual de Educação informou que a avaliação não pode ser diferente, tem que ser igual para todas as escolas, pois a língua oficial do país é o português e todos devem aprendê-la. Ainda de acordo com a secretaria, a falta de aula durante a capacitação é necessária porque os professores indígenas precisam ser treinados. O órgão informou ainda que o governo investe R$ 7 milhões na capacitação dos docentes das 29 escolas indígenas que há no estado.

Nem lê nem faz conta

As mães percebem as dificuldades do filhos, mas dizem que pouco podem fazer para ajudar. A dona-de-casa Cleonice Honório dos Santos, de 24 anos, por exemplo, estudou até a 3ª série e afirma ler "mais ou menos". Ela diz que os filhos gostam de ir à escola, mas não aprendem com facilidade. "Eu tento ajudar, mas não sei todas as letras", afirma ela, que se preocupa com a situação. "É lendo que a gente consegue trabalhar", diz.

Cleonice tem uma filha de 10 anos, Lucineide Gabriel dos Santos, que cursa a 2ª série e não sabe ler nem fazer cálculos matemáticos. O mais novo, Gabriel dos Santos, de 7 anos, começou a estudar este ano.

Para a artesã Rosa Jacahuk Rete Poty, de 39 anos, as crianças precisam de mais material didático."Eu acho que eles deveriam trazer material para casa. Já falei com meu marido que a escola tem que melhorar, as crianças precisam ler", diz ela, que é mãe de nove filhos, três deles na escola, e mulher do vice-diretor da entidade. Segundo Rosa, seu filho Edmilson Veríssimo Gabriel, de 12 anos, sabe ler mas escreve "muito mal" e também não é bom de matemática. Rosa cursou até o 2o ano do ensino médio.

Aldeia

Além da escola, o local conta também com uma creche, onde as crianças menores de 7 anos aprendem sobre a cultura indígena, a dança, o canto e a usar plantas medicinais.

A aldeia tem uma área de 26 hectares onde vivem 910 pessoas. Parte delas moram em 110 casas de alvenaria construídas pelo governo estadual, segundo informou o cacique. A maioria se sustenta com a venda de artesanato e doações. Muitos se alimentam do que plantam. Para poder incrementar a renda da comunidade, a aldeia deve iniciar, em abril, um projeto para receber turistas no local, mostrar a aldeia, o artesanato, a comida e promover apresentações de danças típicas.

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