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Em 2003, 4.932 trabalhadores libertados

OESP, Cidades, p. C3
30 de Jan de 2004

Em 2003, 4.932 trabalhadores libertados
Número foi o dobro de 2002, o que fez crescer ameaças como a um procurador que se mudou

LUCIANA NUNES LEAL e VÂNIA CRISTINO

Em agosto, o carro do procurador do Ministério Público Federal em Palmas Mário Lúcio de Avelar foi seguido por três dias. Uma semana depois, dois homens em uma moto pararam o carro, sacaram uma arma, mas fugiram ao ver que não era Avelar ao volante. Sabendo que estava ameaçado, Avelar tinha tirado uns dias de férias e emprestado o carro a um amigo. Aos 38 anos, Avelar conhece a sensação de estar na mira de grileiros que submetem empregados à escravidão. "Tentaram me executar. Vim para Brasília por isso.
Não tinha sossego."
Deslocado para São Félix do Xingu (PA) para integrar uma força-tarefa criada há um ano, o procurador descobriu que na região o trabalho escravo tinha ligação direta com o crime organizado, grilagem e comércio ilegal de madeira. "Pedi prisões preventivas de pessoas influentes, políticos, ex-prefeitos."
Casos como o de Avelar são citados no relatório Direitos Humanos no Brasil 2003, divulgado no Rio. Segundo o estudo, entre janeiro e setembro, a Comissão Pastoral da Terra recebeu 229 denúncias de trabalho escravo, envolvendo 7.623 trabalhadores. Deles, segundo o governo, foram libertados 4.932, mais do que o dobro de 2002.
Desde o ano passado, a fiscalização no campo passou a ser prioridade para o ministério. A meta era dar um basta ao trabalho escravo e infantil, assim como ao considerado degradante - o empregado recebe salários baixos, não tem água potável nem equipamentos de proteção contra agrotóxicos.
Os fiscais foram orientados a investigar áreas fora dos grandes centros urbanos, especialmente no Pará, Maranhão, Tocantins, Mato Grosso e Bahia.
Luto - A zona rural de Unaí, onde o crime ocorreu, é considerada perigosa pelos fiscais. Lá não há trabalho escravo, mas é a zona freqüentada pelos chamados "gatos", aliciadores de mão-de-obra barata. Há algum tempo os grandes proprietários formaram condomínios rurais e os gatos começaram a perder espaço, o que aumentou a tensão, dizem assessores do ministério.
O Ministério do Trabalho, em Brasília, amanheceu de luto. Uma faixa preta foi colocada no prédio. Na entrada, havia uma coroa de flores com nome e fotos dos mortos. Os servidores do ministério estão em estado de choque, porque sempre lidaram com ameaças, que nunca se realizaram.

Famílias de fiscais terão pensão integral
Governo encaminhará projeto de lei ao Congresso para garantir benefício

LEONENCIO NOSSA

O presidente em exercício, José Alencar, anunciou ontem à tarde, no Palácio do Planalto, que o governo vai encaminhar um projeto de lei ao Congresso para garantir uma pensão integral às famílias dos quatro funcionários do Ministério do Trabalho mortos anteontem com tiros na cabeça em Unaí (MG). "Vamos encaminhar um pedido para que as famílias recebam pensão integral, com base na lei, para reparar em alguma coisa as perdas", disse. "Mas só Deus pode dar amparo espiritual a essas famílias."
Alencar prometeu que, a partir de agora, as ações e vistorias dos fiscais do Trabalho terão uma proteção policial mais forte e reafirmou o empenho do governo em apurar as circunstâncias do crime, ocorrido anteontem. "Todos estão empenhados numa investigação rigorosa para identificar os criminosos", salientou. "Há uma indignação geral. Isso foi um golpe contra a família de Minas e do Brasil."
Mais cedo, o presidente em exercício esteve no velório de dois auditores fiscais em Belo Horizonte. Disse que assistiu a um "quadro muito triste".
Alencar relatou que os três auditores fiscais e o motorista do Ministério do Trabalho executados não estavam realizando uma investigação de trabalho escravo. Alencar relatou ainda que conversou sobre os assassinatos, anteontem, por telefone, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está em Genebra. "Eu já comuniquei a ele que instituí uma força-tarefa para investigar o caso", disse.
Preocupação - O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Manuel José dos Santos, manifestou ontem ao ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, preocupação com a execução dos três fiscais e do motorista, em Unaí. "Nos preocupa muito esse tipo de ação criminosa, um fato inédito, que mostra a disposição de um confronto aberto com as autoridades e o poder constituído", alertou Santos.
Para o presidente da Contag a ação foi encomendada, uma verdadeira queima de arquivo, e o governo precisa punir com rigor os executantes do crime e os mandantes. Ele pediu que o governo mande ao Congresso propostas mais duras para coibir as irregularidades e a violência no campo. "Quem infringe a lei não pode ter acesso a créditos oficiais, nem mesmo vantagens para renegociar as dívidas", defendeu. De acordo com o presidente da Contag, Berzoini concordou com a proposta. (Colaborou Vânia Cristino)

Comissão da Câmara segue para Minas
Segundo deputados, Legislativo só pretende dar respaldo ao trabalho policial

JOÃO DOMINGOS

Sob o comando do presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Luiz Eduardo Greenhalgh (PT), uma comissão de sete deputados vai hoje a Unaí. "Vamos ouvir os que podem ajudar a dar pistas, como o delegado do Trabalho na região, o representante da Secretaria de Segurança Pública de Minas, as testemunhas, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura, o Ministério Público local e o prefeito", disse o deputado Eduardo Valverde (PT). Ele é auditor licenciado do Ministério do Trabalho e já havia trabalhado com os mortos, em fiscalizações no Pará.
Na segunda-feira, os integrantes da comissão têm encontro marcado com os ministros da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e do Trabalho, Ricardo Berzoini.
Vão mostrar a eles os depoimentos que pretendem tomar hoje. Valverde afirmou que a Câmara não participará das investigações, mas pretende dar respaldo ao trabalho da polícia. "É o modo de registrar a indignação. Vamos tentar mostrar para a sociedade que o mais importante é dar continuidade a esse trabalho que acaba com a escravidão", disse o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT). "É bom (os escravagistas) botarem as barbas de molho."
Nesse momento, uma jornalista perguntou a João Paulo sobre a situação do vice-presidente da Câmara, Inocêncio Oliveira (PFL), condenado em 1.ª instância por "trabalho escravo" em uma de suas fazendas. Ele desconversou.
Há seis meses, ele subiu à tribuna da Câmara para defender Inocêncio. "Quem vai decidir isso é a Justiça", disse. (Colaborou Eugênia Lopes)

OESP, 30/01/2004, Cidades, p. C3

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