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EIA-Rima minimiza efeitos de usina, diz estudo

Valor Econômico, Brasil, p. A4
22 de Out de 2009

EIA-Rima minimiza efeitos de usina, diz estudo
Infraestrutura: Documento feito por 40 especialistas contesta relatório ambiental feito para Belo Monte

Depois de investidores privados considerarem subestimados os custos das obras da usina hidrelétrica de Belo Monte indicados pelo governo, de R$ 16 bilhões, acadêmicos afirmam que os impactos socioambientais também estão subdimensionados no EIA-Rima. A consideração de impactos e custos menores pode ocultar uma possível inviabilidade econômica de uma usina que gerará apenas 40% do seu potencial energético.

Segundo o documento "Painel de especialistas: análise crítica do estudo de impacto ambiental do aproveitamento hidrelétrico de Belo Monte", formulado por um grupo de 40 especialistas envolvidos em estudos na região - entre eles antropólogos, sociólogos, biólogos e engenheiros -, o relatório de impactos ambientais apresentado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama) peca pela falta de dados, o que impede uma análise mais precisa dos danos e benefícios proporcionados pelo empreendimento.

O EIA-Rima considera um custo socioambiental de US$ 270 milhões, mas o grupo de acadêmicos acredita que o custo deve ser bem maior se for buscado o menor impacto e a melhor mitigação, ou seja, compensação dos danos. Se esse custo ficar acima de US$ 500 milhões, eles afirmam que o investimento se torna economicamente inviável.

"Acreditamos que o valor apontado pelo EIA-Rima é muito baixo, mas ao mesmo tempo eles não detalham o suficiente para permitir um cálculo mais preciso dos custos de mitigação", diz Marcelo Salazar, do Instituto Socioambiental, cooperador da pesquisa.

Uma das distorções presentes no relatório seria em relação à estimativa de pessoas diretamente afetadas. Para os estudiosos, o EIA-Rima erra ao utilizar uma média de 3,14 pessoas por família para avaliação da população diretamente afetada.

Segundo as autoras Sônia Magalhães, Rosa Acevedo Marin e Edna Castro, que avaliaram os dados sociais, econômicos e culturais do relatório, a bibliografia sobre a região aponta que as famílias são formadas em média por 5,5 a 7 pessoas, o que poderia dobrar a estimativa do EIA-Rima. "Somente um novo levantamento pode confirmar", diz o texto.
Além dessa possível falha, os especialistas defendem que o cálculo de pessoas afetadas deve incluir, além da população residente nas áreas alagadas, moradores da região onde haverá redução da vazão do rio, ou seja, as terras indígenas Juruna do Paquicamba e Arara da Volta Grande, localizadas na região de Volta Grande.

O argumento das pesquisadoras é de que a redução de vazão deve inviabilizar a permanência da população nessas áreas, por conta da dependência que há do rio para alimentação, pesca, transporte, entre outros usos.

Dessa forma, o número apontado pelo EIA-Rima de 2,8 mil pessoas diretamente atingidas na região rural seria muito inferior à realidade, e, apesar da usina não alagar terras indígenas, haverá significativas alterações em áreas ocupadas por esses povos. Caso uma revisão dessa conceituação seja aceita pelo Ibama, o custo de redução dos impactos seria bem mais alto que o calculado. Caso não seja, o risco é do projeto não prever planos de mitigação de danos ao total de pessoas atingidas.

Segundo o parecer das especialistas, os planos de mitigação de impactos deveriam ser detalhados no EIA-Rima, mas as referências são feitas por meio de lista de temas a serem contemplados, sem que sejam especificadas as ações e seus custos. Por conta disso, as autoras concluem que "não se pode avaliar se estes são ou não adequados", conforme citação no texto. "Eles falam que esses planos podem ser detalhados após a licença prévia, mas o período depois de iniciada a licitação é curto, e é preciso verificar quais medidas de prevenção tem que ser realizadas", diz Salazar.

Outra questão que segundo os especialistas não está bem contemplada no EIA-Rima é a do impacto da migração sobre a região. Segundo o relatório, a obra deve atrair aproximadamente 96 mil pessoas entre trabalhadores diretos, familiares, pessoas envolvidas em outras atividades ligadas à usina. Depois da construção, porém, devem sobrar apenas cerca de 700 pessoas empregadas na operação. "Após o pico de contratações, vai haver um contingente de desempregados. O que observa é que tem impacto, e isso não foi estudado ainda", diz Salazar.

Os especialistas alertam também para a falta de estudos sobre o desmatamento que a obra pode gerar em seu entorno e quais as formas de reduzir os riscos. "É considerado apenas o desmatamento local, a área que deve ser alagada, mas o empreendimento vai potencializar o desmatamento na região, e não foram feitas simulações sobre isso", diz Salazar.

O estudo sobre o EIA-Rima também traz um alerta sobre a falta de uma garantia de que após a construção da usina não haverá investimentos em novas barragens para aumentar a geração firme de energia. Isso porque o levantamento considera que a geração de 4,5 mil MW médios diante de uma capacidade instalada de 11 mil MW pode levar a tentativas de maior aproveitamento no futuro. Um dos riscos citado pelo estudo é de que a barragem de Altamira, acima de Belo Monte, seja construída posteriormente.

"O que garante que não vão ser construídas realmente outras barragens com tamanho subaproveitamento da usina?", questiona Salazar. A única garantia dada hoje é uma resolução do Conselho de Política Energética, que afirma que Belo Monte deve ser a única usina no rio Xingu, mas o estudo sugere que seja criada uma "ferramenta jurídica para que compromissos deste tipo sejam feitos de forma realmente irrevogável".

O parecer dos especialistas foi entregue ao Ibama no dia 1o de outubro como contribuição para o período de consulta pública. Na segunda, dia 26 de outubro, os especialistas realizarão um seminário em Altamira (PA) para apresentação dos estudos ao público. São esperadas cerca de 300 pessoas, segundo organizadores.

Ontem, o presidente do Ibama, Roberto Messias, disse que a licença prévia para Belo Monte "certamente" será concedida na próxima semana. O cronograma do PAC prevê a emissão da licença até segunda-feira. "Estamos trabalhando dia e noite na análise dos documentos", disse.

Valor Econômico, 22/10/2009, Brasil, p. A4

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