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E teremos de aguentar mais quatro anos!

O Globo, Opiniao, p.7
Autor: HOWLETT, Cynthia
07 de Nov de 2004

E teremos de agüentar mais quatro anos!
Cynthia Howlett é jornalista.
Vou começar uma campanha pelo direito de votar para todos os presidentes dos países-membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Esse clube exclusivo de cinco países ( Estados Unidos, Inglaterra, França, Rússia e China) tem o poder de decidir sobre temas fundamentais do planeta, enquanto os outros 186 países integrantes da Assembléia Geral da ONU só têm o direito de propor resoluções.
Por que não? Não vivemos num mundo globalizado? Não somos todos responsáveis pelo que vem acontecendo com a Terra e com o povo que nela habita? Não somos todos afetados de alguma forma pelas decisões desses super-homens poderosos? Então, acho que devemos começar a nos manifestar perante todos nossos irmãos” e expandir nosso direito de cidadão da Terra. Será utopia? Talvez.
Assisti a uma entrevista de relevante interesse na GloboNews semana passada feita pelo jornalista André Trigueiro. Ele conversou com o professor Roberto Schaffer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, grande especialista em mudanças climáticas no mundo. Fiquei assustada.
A questão central era o Protocolo de Kyoto, assinado em 1997 no Japão, e agora ratificado pela Rússia. Imagino que muitos nem sabem do que se trata.
O Protocolo de Kyoto é apenas um primeiro passo para se enfrentar o problema do aquecimento global na Terra. Seu objetivo é reduzir a porcentagem de emissão de gás carbônico (CO2) dos países mais desenvolvidos em 5,2% com relação a 1990 até o ano de 2012. Segundo o professor, hoje já seria necessária uma redução de 20%. Mas por que somente os países desenvolvidos? — pergunta Bush. Adivinhe presidente, o seu país emite sozinho um quarto de CO2 do planeta e são os grandes responsáveis pela alta concentração de gás carbônico na atmosfera.
Ainda que o Brasil, a China e a Índia tenham hoje um papel importante na emissão de gás carbônico, a contribuição dos países desenvolvidos é muito maior. O governo Bill Clinton chegou a assinar o protocolo mas claro que o senhor Bush não quis ratificá-lo para não prejudicar sua economia.
Pois bem, o papel da Rússia foi fundamental nesse sentido, pois até então os países que ratificaram representavam apenas 42% das emissões de CO2. E para que o protocolo entrasse em vigor seriam necessários 55%. Com os 17% da Rússia o protocolo se tornou viável.
O Brasil não é um grande contribuinte nesse aspecto, e poderia ser beneficiado com o que chamam de mercado de carbono” previsto no protocolo. Da mesma forma que o petróleo tem seu preço, o carbono terá o seu valor de mercado. O volume de redução de carbono passa por uma cotação no mercado”, explica o professor. A emissão de carbono evitada pode ser vendida para outro país que precise baixar sua quota. Isso quer dizer que o Brasil poderia se beneficiar com projetos ambientais grandes, como por exemplo: trocar o uso da gasolina pelo álcool, desenvolver a energia eólica no lugar do carvão, reflorestamentos...
Segundo o professor Schaffer, a temperatura da Terra aumentou de fato nos últimos 100 anos cerca de 0,6 C. e a previsão é que aumente em 1,5 a 5,8 C. nos próximos 100 anos. O país que mais emite CO2 é o Estados-Unidos, em parte devido à importância do automóvel na sociedade americana. E teremos de agüentar mais quatro anos! O que será de nós? Esses americanos estão ficando completamente loucos.
Mesmo cientes que a situação do planeta está cada vez mais grave, pouco fazemos para ajudar. Projetos importantes são desenvolvidos por organizações sérias como o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável), Ongs WWF, Greenpeace, Les Amis de la Terre, mas não é o suficiente. Poucas pessoas estão dispostas a fazer alguma coisa por isso, não é mesmo? Já bastam os problemas que enfrentamos diariamente, imagine ficar preocupado com o que pode acontecer dentro de 50 anos. Não sabemos ainda o significado e a importância da palavra prevenção, estamos mais acostumados com remediação ou apenas acomodação.
Mas é preciso que mudemos nossa maneira de viver. Por isso devemos ter o direito de eleger os membros do Conselho de Segurança da ONU. Precisamos participar dessas decisões que nos atingem diretamente. É um desabafo, talvez uma utopia, mas vale pensar.

O Globo, 07/11/2004, p. 7

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