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E a Serra virou sertão

O Globo, Rio, p. 12
29 de Jul de 2011

E a Serra virou sertão
Enxurradas de janeiro alargaram rios e secaram o leito de trechos do Piabanha

Cláudio Motta
claudio.motta@oglobo.com.br

RIO - Um rio de pedras. Essa é a imagem do Rio Piabanha quando observado das margens da BR-040 (Rio-Juiz de Fora) entre Areal e Três Rios. Com a experiência de quem passou todos os 50 anos da sua vida naquelas margens, Lino Antônio Vieira de Pádua diz que esta é a pior seca que já testemunhou. Criador de gado em Areal, ele percebeu que o leito do Piabanha ficou mais largo depois das enxurradas de janeiro na Região Serrana. Além disso, a captação de água para geração de energia elétrica pela Usina Piabanha contribui para o sumiço do rio naquele trecho, que agora mais parece uma pedreira desativada.
- Nunca vi o rio tão seco como agora. Acho que está pior por causa da enchente, que alargou o rio e derrubou barreiras - disse Lino.
A seca também é sentida em outros trechos do Piabanha. Mais para baixo, em Três Rios, no local onde ele encontra o Paraíba do Sul (responsável pelo abastecimento de água de 80% da Região Metropolitana do Rio) e o Paraibuna, Itamar Nascimento Silva cuidava ontem de dezenas de botes de rafting, todos fora d'água. A prática do esporte, para o qual as embarcações são alugadas, requer rios cheios:
- Nos últimos anos, depois das hidrelétricas (além da Usina Piabanha, há outras de pequeno porte na região), temos sido obrigados a interromper o rafting no inverno, um período de seca. Este ano, paramos mais cedo ainda, por causa da seca.
Especialista em hidrologia, o professor da Coppe/UFRJ Paulo Canedo acredita que a aparência do Piabanha tenha realmente mudado após as enxurradas de janeiro. Nos trechos em que houve alargamento das margens, a profundidade deve ter diminuído. Ele diz, porém, que isso não é suficiente para afirmar que a estiagem agora é maior do que nos anos anteriores:
- Houve alargamento em alguns trechos, em outros não. Mas a enchente de janeiro, que foi muito severa, criou instabilidade na calha (leito). Por isso, é natural que a sensação seja estranha (ao se olhar para o rio). A fotografia mudou. É como se eu tivesse feito uma plástica, as pessoas olhassem para mim e não me reconhecessem. No caso do rio, a mudança não é boa nem ruim. Também não quer dizer que essa estiagem seja mais severa. Até pode ser, mas não tenho qualquer informação que me faça acreditar que o Piabanha esteja mais seco do que no passado.
Em relação à captação de água para gerar energia, Paulo Canedo diz que a medida provoca efeitos colaterais no rio:
- A postura certa não é ficar contra as usinas, mas fazer com que elas produzam o menor efeito colateral possível nos rios.
Para Vinicius Soares, gerente de Recursos Hídricos da Agência da Bacia do Rio Paraíba do Sul, entidade que reúne representantes da sociedade civil e do poder público para cuidar do rio, é necessário fazer uma análise para saber se as enchentes de fato alteraram a vazão do Piabanha:
- Além do alargamento do leito do rio, que causa diminuição da profundidade, os deslizamentos e a destruição das margens na região carrearam muitos sedimentos. Isso pode dar a aparência de um rio mais seco e assoreado.
O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) vai fazer um levantamento das medições de vazão do Piabanha para saber se a seca deste ano está sendo mais rigorosa. Além disso, a presidente do Inea, Marilene Ramos, afirmou que uma equipe de fiscalização vai ao local para apurar se há algum problema na região.
- Estamos na estação seca, é natural a diminuição da vazão, mas vou mandar levantar nossas medições para saber se há algum problema excepcional - disse Marilene.
Já Mauro Medeiros, gerente do Inea especializado em hidrologia, informou que o instituto está fazendo um estudo em parceria com a Coppe justamente para determinar qual é a vazão ideal para o Piabanha. O trabalho deverá ser concluído em três anos.
Construída em 1908, a Usina Piabanha atualmente é operada pela Quanta Geração. De acordo com Ricardo Magalhães, que trabalha na empresa, a usina não capta toda a água: deixa passar uma quantidade mínima para alimentar o rio. Segundo ele, isso garante que o rio tenha garantido um nível mínimo.
- As pedras que estavam encobertas apareceram em função da forte chuva. A visão delas pode acarretar uma percepção de estiagem, mas não é culpa da usina, e sim uma característica do rio. Nossa usina é do tipo fio d'água, ou seja, não tem reservatório de acumulação. E a captação ocorre num paramento (espécie de barreira que contém a água), que tem até três metros de altura. Para ser considerado barragem, é preciso ter a partir de 15 metros - disse Ricardo.
O Rio Piabanha tem 80 quilômetros de extensão e banha os municípios de Petrópolis, Areal e Três Rios. Seu principal afluente é o Rio Paquequer, de 75 quilômetros, que passa por Teresópolis e São José do Vale do Rio Preto. Piabanha é o nome de um peixe comum na região.

O Globo, 29/07/2011, Rio, p. 12

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