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É preciso incluir a Amazônia no debate sobre migração, diz especialista

Amazônia - www.amazonia.org.br
Autor: Aldrey Riechel
26 de Abr de 2010

O perfil de pessoas que deixam seus países de origem para irem viver na Amazônia está mudando. A região deixou de receber pessoas de continentes como Europa ou Ásia, para receber imigrantes da própria América Latina, principalmente dos próprios países amazônicos. A conclusão é do pesquisador e professor Luís Aragón que organizou o livro "Migração Internacional na Pan-Amazônia".

Resultado de uma pesquisa realizada pelos integrantes do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea) e de outras instituições dos países amazônicos, o livro conta com a colaboração de 19 autores que avaliam e propõem uma nova forma de entendimento para os assuntos relacionados à migração. Aragón explica que essas pessoas tiveram um papel fundamental na economia do país e que em momentos mais críticos, como a queda da borracha, foram os imigrantes que movimentaram a economia de alguns locais.

A facilidade de acesso tem motivado mais pessoas circularem pelos países próximos, principalmente nas cidades e municípios que fazem fronteiras com outros países. Por outro lado, é preciso ter cuidado com os projetos de infraestrutura propostos, já que sempre incentivam que um grande número de pessoas chegue ao local em busca de empregos e melhores oportunidades.

Veja abaixo a entrevista com o Luís Aragón:

Amazônia.org.br - O que motivou o senhor a estudar a migração dos países Amazônicos?

Luís Aragón - Isso faz parte de um grupo de pesquisa que temos aqui no Naea (Núcleo de Altos Estudos Amazônicos) que participa, não somente pesquisadores do núcleo, mas também de outros países amazônicos. Esse grupo tem um tema de estudo a cada três anos e todos são sobre população, meio ambiente e desenvolvimento da Amazônia, como um todo, não somente brasileira. Então se optou por esse tema que agora culminou com o livro, dada a importância que a migração tem no mundo inteiro hoje, tanto na mídia quanto na academia, nas instituições de pesquisa.

E a Amazônia estava ausente dessa discussão. Tem pouca gente trabalhando sobre a migração internacional dentro da Amazônia e em todos os países. Se conhecesse um pouco sobre o processo de povoamento, de migração interna, mas sobre migração internacional é praticamente o primeiro trabalho consistente que relaciona todos os países. Era necessário fazer uma pesquisa dessa natureza e foi feita.

Amazônia.org.br - E quais conclusões conseguiram chegar com o estudo?

Aragón - Há várias conclusões, mas poderíamos resumir em três ou quatro. A primeira, por exemplo, é que os padrões de migração internacional estão mudando. Enquanto anteriormente, tínhamos, até a primeira parte do século XX, a migração procedente principalmente de países europeus ou de mais longa distância como o Japão, hoje não. Hoje a migração se dá mais a curta distância, principalmente dos próprios países amazônicos. Ou seja, uma mobilidade dentro dos próprios países amazônicos e, provavelmente, dentro da Amazônia. Uma grande mobilidade de mão-de-obra.

Outra conclusão é que a migração transfronteiriça é muito intensa, isto é, a mobilidade nas áreas próximas das fronteiras. O intercambio dos países é muito grande, com alguns pontos mais intensos, como o caso de Tabatinga e Leticia e Bolívia, lá para parte da Guiana Francesa, também da Venezuela com Roraima e as Guianas, esses são pontos em que a mobilidade entre fronteiras é muito intensa.

Vimos também que há padrões entre as "divisões espaciais", isto é, os imigrantes, conforme a origem dos países, se distribuem de maneira diferente. Os bolivianos se colocam em um lugar, principalmente em Roraima e parte do Acre. Os Venezuelanos se localizam provavelmente, em Roraima. E os da Guiana no Amapá e Pará. Já a Colômbia é muito localizada ao redor de Tapatinga e na Cabeça do Cachorro (Amazonas). Já os Peruanos estão mais ao longo do rio, do Amazonas. E assim por diante, obedecem a certos padrões de distribuição.

Outra questão foi a importância que teve a imigração internacional durante a época da queda da economia da borracha, no início do século passado. Quando o mercado internacional da borracha decaiu, já que a Malásia e a URSS aumentou muito sua produção, houve uma queda muito grande na questão da economia e muitas pessoas acabaram indo embora: os donos dos bancos e etcétera que faziam toda essa cadeia da economia da borracha. A região teve uma estagnação muito grande, sobretudo a Amazônia Brasileira, mas a economia foi movida principalmente pelos estrangeiros que ficaram nos lugares.

Eles continuaram chegando, a migração não diminui, durante a queda da economia da borracha e eles, então, substituíram as grandes companhias nessa época. Surgiram várias empresas, por exemplo, de alfaiates, dominado principalmente pelos italianos, os sapateiros e uma quantidade de serviço de pequenas indústrias de bebidas, principalmente pelos italianos também, padarias pelos portugueses e na agricultura, de certa maneira, se mantiveram os espanhóis.

Amazônia.org.br - Essas pessoas que migram costumam trabalhar em quais atividades produtivas?

Aragón - No início do século a maioria estava vinculada ao comércio, interessados nas grandes indústrias e atualmente também. Tem muitos vinculados a agricultura, os japoneses, por exemplo, que se mantém até hoje.

Analisou-se muito pouco a questão de mão-de-obra [nas pesquisas], mas, mesmo assim, por exemplo, a presença de migrantes bolivianos no Brasil, ou na fronteira em uma certa porcentagem, está vinculada ao setor primário. Isso significa que, provavelmente, alguns trabalhadores podem ser filhos de brasileiros que estão voltando lá da fronteira com a Bolívia. Porque lá a maioria de pessoas (que migraram) são brasileiros vinculados ao setor primário.

Mas a diferenciação é grande conforme a origem dos migrantes. Tem outros que são na agricultura que tem pequenas industrias, no comércio se destacam bastante, os peruanos, sobretudo em Manaus. Agora outra coisa que concluímos também é que existe uma porcentagem muito elevada de migração ilegal, ou clandestina, principalmente dos colombianos que estão fugindo da guerrilha, do tráfico de drogas, que ai é mais difícil, porque não tem documentado e não temos muito como acompanhar o que eles estão fazendo.

Amazônia.org.br - Acredita que grande projetos de infraestrutura, como Belo Monte, por exemplo, impulsionam essas pessoas a saírem de seus países?

Aragón - Essa é outra previsão que a gente faz, mas só lançamos as questões. Essa dinâmica que já está iniciando, essa mobilidade entre os países, ou melhor, nas Amazônias. Essa dinâmica deve se tornar mais complexa e provavelmente aumentará conforme alguns projetos que foram propostos ou já estão em andamento, por exemplo, esse projeto IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana), que é de integração física de toda a América do Sul. Vários eixos passam pela Amazônia e em vários eixos vai tornar a migração muito mais complexa, inclusive muito mais importante de se conhecer.

A mesma coisa essa estrada que se está abrindo pelo Peru, a iniciativa da construção de grandes hidrelétricas no Brasil, mas também há outras iniciativas em outras Amazônias que cada vez se complica mais, por exemplo, a instalação das bases americanas na Colômbia, uma delas aqui bem pertinho do Brasil, do lado de Tabatinga. Então todo isso afeta a mobilidade entre as pessoas dos grandes países.

Amazônia.org.br - E buscam melhores oportunidades de empregos ou...

Aragón - Sim. Todos migram por alguma coisa: seja fugindo, no caso dos colombianos ou como alternativas de melhor emprego e melhores condições de vida. Agora outra coisa, que se aponta ainda muito levemente, porque isso realmente é muito difícil de encontrar dados, é que a Amazônia está se convertendo em um corredor de tráfico de entorpecentes, de drogas e de seres humanos. Vários estudos pontuais vêm, por exemplo, o tráfico de mulheres principalmente pelo Suriname e pelas Guianas e a questão do tráfico de armas também. (A Amazônia) tem uma extensão enorme e é difícil controlar tudo o que passa por aqui.

Amazônia.org.br - O senhor acredita que os países estão preparados para receber essas pessoas que migram? Acredita que existe organização e infraestrutura para essa mobilidade?

Aragón - O problema não é tanto receber ou não receber. Eu acho que a migração tem que ser vista de outra forma em geral, não somente na Amazônia. Até agora a migração é vista sempre como um problema deve ser evitado, que tem que acabar. Você vê constantemente a questão do controle da migração ilegal, pessoas morrendo, pessoas fugindo de seus países. Isso evidentemente é o desequilíbrio mundial que existe enquanto a distribuição de riquezas, das questões de trabalho e etc. e a globalização, a mundialização de tudo, porque isso cria sonhos, cria esperanças, cria a ideia de uma coisa melhor.

A minha opinião é que deveria entender (a migração) como um fenômeno que vai acontecer, que está acontecendo, e que inclusive é inerente a própria globalização e internacionalização de tudo e tem que haver uma forma de melhor gestão desse fenômeno. Ao invés de simplesmente colocar questões restritivas, inclusive alguns países colocando muros e tudo isso. A alternativa é que tem que ser visto como um fenômeno que precisa ser gerido, uma questão especifica da mobilidade das pessoas, ou seja, o mundo inteiro da globalização está caracterizado por abrir mercados, por circulação de tudo quanto é coisa, menos de mão de obra, que estão registrando em âmbito nacional em cada país.

Precisa de medidas que possam ordenam esses movimentos. Dentro da Amazônia há coisas interessantes, há organismos que poderiam tomar a liderança nesses aspectos, por exemplo, a organização dos tratados da Amazônia, poderia tentar no âmbito desse organismo, que é paraestatal, que é internacional, um dos temas poderia ser como tratar a mobilidade de seus países, por exemplo, nas regiões desse caso. Em questão de "fuga de cérebros", por exemplo, que é o caso da Guiana e do Suriname, especialmente que sofrem muito disso. Quer dizer, as pessoas se formam e vão embora, principalmente para Estados Unidos e Europa, então temos outro organismo que associa ou que reúne todas as universidades de todas as regiões ou de todos os países. Poderiam se estabelecer programas que permitam uma melhor mobilidade de profissionais e não tenham que simplesmente ir embora de seus países. E assim por diante.

Tem os presidentes ou chefes de estados dos países sul-americanos que sempre se reúnem naquelas reuniões de chefes de estados e eles também poderiam tomar alguma medida nesse sentido. Para isso, o fenômeno de mobilidade, ou o tema de mobilidade, de migração precisa entrar na agenda desses organismos e isso não está acontecendo. O estudo mostrou isso, praticamente nesses estudos mostram a importância desse fenômeno, então essa questão não está na agenda desses organismos e precisa entrar para haver e desenvolver um princípio de como gerar programas, tomar vantagem da migração. A migração internacional não somente traz desvantagens, também tem uma série de vantagens, que não se vêem, mas que poderia-se incluir em um programa de tal maneira que se controle, não tanto se controle, mas se veja o que se pode fazer ou facilitar ou restringir a mobilidade nas questões dos países para tomar vantagem dessa mobilidade e diminuir a desvantagem que ela trás.

http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=352885

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