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Dois limões, uma limonada

O Globo, Opinião, p. 21
Autor: VIANNA, Sergio Besserman
10 de Mai de 2015

Dois limões, uma limonada
Mundo precisará abandonar civilização dos combustíveis fósseis

Sérgio Besserman Vianna

Não estamos vivendo um período comum da História. A História, seja a dos indivíduos, das nações ou das civilizações, não é monotônica; pelo contrário, há eras de caminhos já decididos com longos períodos de estase e há momentos de encruzilhadas e grandes transformações.
No mundo vivemos, na mesma época e apenas por coincidência, duas profundas revoluções. De um lado a grande recessão de 2008 ainda escreve suas páginas: ainda há muita "desalavancagem" financeira por ocorrer e nenhum sinal da retomada de investimentos que poderia puxar a demanda mundial, sendo que sabemos que nem o consumo privado nem o de governos estará em condições de fazê-lo. Finalmente, a governança global é uma grande confusão.
Os mais otimistas, com uma leitura superficial da crise, esperavam ou de uma "mudança de modelo da China na direção do consumo" ou de alguns sinais do mercado de trabalho nos EUA o fim da crise econômica, como se estivéssemos tratando de uma inevitável "volta ao normal".
Vale lembrar, nesse caso, a frase de James Baldwin, grande escritor negro e homossexual americano: "Nem tudo que é enfrentado pode ser transformado, mas nada que não é enfrentado poderá ser transformado" (essa frase aparece em alguns sites como sendo de autoria de minha mãe, a falecida psicanalista Helena Besserman, que a citava muito. Internet é internet, posso garantir que minha mãe sempre citava Baldwin). Praticamente nenhuma das causas da crise de 2008 foi enfrentada ainda.
De outro lado, justamente nesse período, o das próximas duas décadas, o mundo precisará abandonar toda uma civilização, a dos combustíveis fósseis, e migrar em uma velocidade estonteante em direção a uma economia global de baixo carbono. A alternativa é um aquecimento global de custos exponencialmente maiores.
Esse processo implicará grande alteração na estrutura de preços relativos da economia global, no ritmo de depreciação dos ativos e na taxa de retorno dos projetos de longo prazo. Haverá vencedores e derrotados entre países e empresas, e junto, provavelmente, a "desalavancagem financeira necessária" (que tal subsídios aos combustíveis fósseis como uma parte dela?).
A relação entre a superação da estagnação econômica estabelecida desde a crise de 2008, de um lado, e a criação de uma nova base tecnológica para a produção e uma nova base cultural para o desejo de consumo como forma de evitar os piores cenários do aquecimento global, de outro, pode fazer da junção dos dois problemas uma solução.
Como e quando um acordo global que ponha a roda para girar ocorrerá ainda é incerto. Mas o conhecimento de que ele é inevitável já está estabelecido, assim como populações numerosas e tomadores de decisão públicos e privados estão conscientes de já estarem sofrendo seus impactos. É possível ter esperanças de avanços importantes no final do ano na Conferência das Partes de Mudanças Climáticas em Paris.

Sérgio Besserman Vianna é economista

O Globo, 10/05/2015, Opinião, p. 21

http://oglobo.globo.com/opiniao/dois-limoes-uma-limonada-16105445

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