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Discórdia no paraíso

O Globo, Rio, p. 6
12 de Jan de 2015

Discórdia no paraíso
Considerado viável pelo Inea, empreendimento preocupa moradores, mas agrada a autoridades

Emanuel Alencar

RIO - Dono de uma birosca localizada numa região de enormes fazendas em Petrópolis, Darci Pereira da Silva, de 67 anos, tenta sobreviver da modesta venda de cerveja, biscoitos e utensílios domésticos. Ele já cuidou de lavouras de abóbora, feijão e milho, mas, diz que, desde 2000, "a terra vem enfraquecendo". Sem dinheiro, deixou de vez a roça, num movimento seguido por dezenas de outros pequenos agricultores. Hoje, a pacata área rural onde vive, no distrito de Secretário, está no centro de um turbilhão. O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) analisa a concessão de uma licença prévia para um megaempreendimento hoteleiro, residencial e esportivo desenhado para ocupar uma área de 1.100 hectares - que corresponde a quase um terço do Parque Nacional da Tijuca. O projeto, que prevê a construção de cinco hotéis e quatro campos de golfe, será implantado ao longo de 30 anos. O órgão ambiental já considerou a construção viável. Porém, o início das obras ainda depende de mais análises.
PROMESSAS SÃO QUESTIONADAS
Preocupados, moradores e frequentadores de Secretário argumentam que a região não tem capacidade para absorver um impacto tão gigantesco. Repetida frequentemente pelos empreendedores do projeto, a promessa de desenvolvimento econômico não sensibiliza boa parte dos petropolitanos e cariocas que buscam refúgio no alto da serra. Cercado por uma bela cordilheira, Secretário é um paraíso bucólico adorado por muitos artistas. Quem costuma circular por seu charmoso ''centrinho'' certamente já esbarrou com Fernanda Torres, Lulu Santos ou Murilo Benício.
- Nosso principal ponto de discordância está na dimensão daquilo que se pretende implantar. São quatro campos de golfe, hotéis, um shopping center e condomínios verticais e horizontais - enumera o advogado Antonio Luís Ferreira, proprietário de uma fazenda na região. - O fornecimento de água para o empreendimento é uma incógnita. O Rio Maria Comprida, que abastece Secretário, tem uma vazão pequena. Dificilmente terá condições de sustentar aquela nova cidade.
Testemunha das transformações de Secretário desde que nasceu, Darci, o dono da birosca, diz que ainda não tem uma opinião formada sobre o assunto:
- O projeto pode trazer mais progresso, mas também pode acabar com a tranquilidade, não é? Espero que cumpram a promessa de dar serviço à comunidade daqui. Tenho filhos de 30 anos que precisam trabalhar. Seria ótimo ver alguém dando uma oportunidade para eles. Mas já nos avisaram que, para receber os gringos que vão se hospedar lá, será preciso muito estudo, falar línguas, essas coisas. Na verdade, acho que isso tudo vai ficar para os meus bisnetos.
O complexo imobiliário, hoteleiro e esportivo foi planejado numa parceria entre a Plarcon Engenharia, o grupo inglês International Golf and Resort Management (IGRM) e a empreiteira João Fortes. O projeto chama a atenção pelos números superlativos. Distante 27 quilômetros do Centro de Petrópolis, ocupará uma área de seis fazendas. Estão previstos investimentos de R$ 2,98 bilhões nas obras, escalonadas em cinco etapas, numa construção que se estenderá até 2050 - isso, claro, se a proposta for adiante.
A ideia é erguer um hotel cinco estrelas, um quatro estrelas, um outro dotado de centro de convenções, um hotel boutique e o chamado Hotel da Academia de Golfe. No Estudo de Impacto Ambiental (EIA), os empreendedores informam que aguardam "uma clientela de alta capacidade".
Desde fevereiro de 2014, foram feitas duas audiências públicas, que suscitaram debates acalorados. A quem manifestou preocupação com os danos ambientais, o empresário Cláudio Neves, vice-presidente da Plarcon, argumentou que a iniciativa contemplará uma região que não está em uma Área de Proteção Ambiental (APA) e que serão mantidas matas e nascentes. Ele expôs ainda a intenção dos empreendedores de aproveitar "ao máximo" a mão de obra local, inclusive investindo na formação e na qualificação de trabalhadores.
Logo após a primeira audiência, a atriz e escritora Fernanda Torres jogou lenha na fogueira em sua coluna na revista "Veja Rio". No texto, ela questionou a sustentabilidade dos campos de golfe e afirmou que "para manter as longas extensões de grama fofa e compacta, é necessário acrescentar ao solo caminhões de aditivos químicos". Além disso, perguntou: "Será mesmo essa a vocação de Secretário? Abrigar um megaempreendimento tão artificial quanto a Disney? É difícil prever".
Nascida em Secretário e dona de uma empresa de paisagismo, Rachel Simas ficou conhecida no lugarejo como "inimiga dos campos de golfe". Falante, ela garante que sua posição está longe de ser radical - só quer entender melhor todos os detalhes.
- O problema é o tamanho desse projeto. Não cabe aqui. Já sofremos com problemas básicos de infraestrutura, como faltas recorrentes de luz e de água - destacou Rachel.
O empresário carioca Flávio Salles, morador da região há oito anos, também defende mais diálogo antes da batida final do martelo.
- Os empreendedores dizem que, com o projeto, os moradores daqui terão, enfim, acesso a serviços básicos. Dá a sensação de que somos de segunda classe, e quem frequentará os campos de golfe, de primeira. Temos uma coleta de lixo pífia, falta luz toda hora. Outra questão importante é a falta de mão de obra qualificada. Vão montar o empreendimento para depois qualificar as pessoas? Sem infraestrutura básica, não há desenvolvimento - argumenta Rachel.
PREFEITURA APOIA PROJETO
O empresário Roberto Pereira, dono de um novíssimo posto de gasolina em Secretário, afirma que não se pode remar contra a maré de boas novidades.
- Os governos só trabalham de forma reativa, e esse empreendimento é uma oportunidade única para as autoridades investirem aqui. Se eu não ousasse, jamais teria tirado meu negócio do papel. Quando falei para amigos empresários que gostaria de abrir um posto aqui, todos me chamaram de louco. Hoje, o negócio vai bem, obrigado. Não podemos jogar contra o desenvolvimento - opina.
Na mesma linha, a prefeitura de Petrópolis informou que considera o projeto importante, "assim como outros que podem impulsionar o desenvolvimento de forma sustentável". O secretário de Planejamento e Desenvolvimento Econômico, Robson Cardinelli, entende que a iniciativa pode contribuir para o progresso local, garantindo a preservação do meio ambiente e melhorando a qualidade de vida da população.
- O projeto só será executado se houver a manutenção de toda a área de mata, a recuperação e manutenção de nascentes e o desenvolvimento de ações sociais. O empreendimento se enquadra naquilo que o município espera, pois a ocupação prevista, com instalação de hotéis e campos de golfe, vai atrair um público que exige um local com as características bucólicas de Secretário - afirma Cardinelli. - Nós, gestores públicos, temos de pensar em como conciliar a atração de veranistas com a melhoria das condições de vida da população local, criando possibilidades de empregos principalmente para os mais jovens.
Somente após a emissão de uma licença prévia do Inea os empreendedores estarão autorizados a desenvolver os projetos de engenharia. Em seguida, o grupo deverá apresentar à prefeitura de Petrópolis os detalhes da proposta para dar continuidade ao licenciamento da obra. Nessa etapa, deverão ser definidas as contrapartidas.

O Globo, 12/01/2015, Rio, p. 6

http://oglobo.globo.com/rio/empreendimento-em-secretario-preocupa-morad…

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