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Deu 'branco' no Supremo

CB, Brasil, p. 9
29 de Jul de 2005

Deu 'branco'no Supremo
Presidente do STF, Nelson Jobim, suspende em liminar o decreto presidencial que homologou a reserva indígena Ñande Ru Marangatu, dos guarani-kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Cimi protesta contra decisão

Os índios da etnia guarani-kaiowá da aldeia Ñande Ru Marangatu, no Mato Grosso do Sul, poderão perder a posse da terra, assegurada pelo decreto presidencial de 28 de março, que homologou a demarcação do território indígena, no município de Antonio João. O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, julgou procedente o mandado de segurança impetrado por 16 criadores de gado da região.
Na prática, ele suspendeu a homologação.
Os pecuaristas, que ocupam o local considerado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) como pertencente aos índios, alegam que o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, não tinha competência para assinar o decreto, pois trata-se de área fronteriça. Nesse caso, diz o mandado de segurança, o Congresso Nacional é que deveria homologar ou não a terra indígena. "Esse argumento é improcedente, pois o Estatuto do Índio, uma lei federal de 1973, prevê que o presidente homologue as terras. O ato de homologação resulta, portanto, de um procedimento legislativo", diz Paulo Machado, advogado do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
A decisão de Nelson Jobim pode ser revertida a partir da próxima segunda-feira, quando termina o recesso do STF. Quando os dez ministros estiverem presentes, um deles poderá reconsiderar a liminar. "Pela jurisprudência do STF, acreditamos que o plenário irá julgar a liminar improcedente", acredita Machado.
Medo
Os 1.115 índios que vivem na área de 9,371 mil hectares estão em pânico. "Os pecuaristas dizem que a terra não é indígena, mas isso é uma mentira. Quando eles chegaram lá, os nossos antepassados já ocupavam o lugar", diz P., guarani-kaiowá de 33 anos, que pede para não ser identificada, temendo represália dos fazendeiros.
"Nós não temos arma de fogo, só arco, flecha e arma de madeira, mas vamos resistir. O que é mais importante? Mil cabeças de gado ou mil pessoas? Só saímos daqui mortos", decreta P.
"Papo furado. Quando o pipoco estourar, todo mundo sai correndo", acredita o pecuarista Dácio Queiroz Silva, um dos fazendeiros que impetraram o mandado de segurança. Ele diz que os índios exageram e que não são capazes de cuidar da segurança da área, que faz fronteira com o Paraguai. "Além do mais, com ou sem terra, eles vão continuar pobres e moribundos", justifica. Silva conta que a propriedade onde cria gado Nelore pertence à sua família há quase 60 anos, e garante que a situação fundiária é legal. "Nós pagamos à União", sustenta.

Quem dita as regras
Os pecuaristas de Antonio João (MS) contam com o apoio do Movimento Nacional dos Produtores, entidade que representa fazendeiros de todas as regiões do país. O presidente do movimento, João Bosco Alteiro Leal, diz que não se pode dar a posse da terra aos índios porque, caso contrário, "teríamos de devolver a Avenida Paulista, em São Paulo, para eles, pois já estavam aqui na época da descoberta do Brasil". Leal também acredita que os índios brasileiros, como colonizados, têm de se submeter à força dos colonizadores. "Quem venceu a guerra dita as regras. É assim em qualquer país", argumenta.
O pecuarista culpa os índios por conflitos constantes que ocorrem na região: "As invasões são ações criminosas."
Os guarani-kaiwoá, porém, atribuem aos fazendeiros os atos violentos. "Eles é que têm segurança armado. Quando a homologação saiu, dois índios apareceram mortos, como se tivessem cometido suicídio.
Mas pela posição deles, que estavam de joelhos, dava para ver que foram enforcados, implorando para não serem mortos", denuncia a líder indígena P. Segundo ela, nenhum inquérito foi aberto para apurar as mortes. Ela também alega que o povo está com medo de represália dos fazendeiros, que fazem ameaças constantes aos índios. "É tudo mentira", rebate o pecuarista Dácio Queiroz Silva.
Por meio da assessoria de imprensa, o presidente-interino da Funai, Roberto Lustosa, informou que a fundação já fez o que podia para garantir o direito dos índios da região e que, como a causa chegou a instâncias superiores, não poderá interferir. (PO)

CB, 29/07/2005, Brasil, p. 9

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