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Desmatamento triplica no estado

O Globo, Rio, p. 17
21 de Mar de 2008

Desmatamento triplica no estado
Mata Atlântica perde 9,2 Km quadrados em 3 anos, mas Justiça quase não julga o crime

Daniel Engelbrecht, Elenilce Bottari, Paulo Marqueiro e Tulio Brandão

O Rio parecia arrependido de ser o estado líder na destruição de Mata Atlântica no início dos anos 90: entre 1995 e 2005, pulou para a outra ponta da tabela, assumindo o honroso posto de unidade da federação que menos desmata no país.

Mas a semente da conservação não vingou. Um levantamento inédito da Fundação SOS Mata Atlântica e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revela que, nos últimos três anos, o desmatamento no estado foi três vezes maior que no período de 2000 a 2005. As imagens de satélite mostram uma nova ferida de 9,2 milhões de metros quadrados na Mata Atlântica estadual - contra 3,2 milhões dos anos anteriores.

A análise da situação dos últimos três anos foi feita onde a pressão sobre o bioma é mais crítica, numa área equivalente a 75% do estado. As imagens identificaram 109 focos de desmatamento, contra 40 no período 2000-2005. Os satélites captam apenas os que ocorreram em áreas superiores a 50 mil metros quadrados - excluem, portanto, os pequenos desmatamentos, muito freqüentes no estado, chamados de "efeito formiga".

- Por isso, dizemos que o desmatamento pode ser maior que 9,2 milhões de metros quadrados - diz a diretora da SOS Mata Atlântica, Márcia Hirota.

Os novos dados devem servir de alerta. É preciso mais monitoramento e fiscalização.

A Justiça e os órgãos ambientais não contiveram o avanço sobre a Mata Atlântica, apesar de a Lei de Crimes Ambientais ter criado, dez anos atrás, mecanismos mais duros para coibir crimes contra a flora e de o bioma ganhar, em 2006, uma legislação federal específica para protegê-lo.

Dados na Justiça estadual revelam que apenas 13,2% dos crimes ambientais julgados ano passado eram relacionados a danos contra a flora - 90 de um total de 687. O artigo com pena mais alta, de até cinco anos de reclusão, para quem causa danos a unidades de conservação, corresponde a apenas 0,6% do total julgado. Entre as 400 multas administrativas emitidas ano passado no estado pelo Ibama, apenas 62 (15,5%) eram de infrações contra a flora.

Quem passa pela Estrada das Arcas, em Itaipava, distrito de Petrópolis, dá de cara com um dos inúmeros casos de crime ambiental não alcançados pelos satélites nem pela Justiça. Um senhor vende pilhas de madeira cortadas irregularmente na região. Entre as espécies, algumas são nativas da Mata Atlântica.

- Vou ter um sapateiro (espécie nativa), que é madeira boa. Acabei de rachar um para fazer uns esteios de cerca. E posso arrumar mais, porque ainda estou cortando. Tenho também madeira pronta para lareira, uma mistura de eucalipto com jacaré (espécie nativa) - disse o vendedor, por telefone, a um repórter do GLOBO que se fez passar por comprador.

Casa camuflada em ilha de Angra
A Secretaria de Meio Ambiente de Petrópolis informou que o infrator da Estrada das Arcas foi identificado e será autuado pela fiscalização. Para o vendedor de madeiras, no entanto, seu negócio não está ameaçado.

Aqui é liberado. Para mim, é liberado. Pode vir pegar à vontade - disse ele.

No Sul Fluminense, a situação é ainda mais grave. As fotos de satélite, que não captam o "efeito formiga", mostram que a destruição passou de 170 mil metros quadrados, entre 2000 e 2005, para 2,75 milhões nos últimos três anos - aumentando 16 vezes. Como se não bastasse, a região sofre também com um desmatamento às vezes imperceptível até de perto. É o caso de uma enorme casa construída no centro da Ilha Cavala, em Angra dos Reis. Segundo o IEF, o empreiteiro cavou uma depressão para, depois de construída, a casa ficar rodeada pela mata e não ser vista por quem passa de barco. Semana passada, em operação conjunta com vários órgãos, a obra foi embargada.

O presidente do Instituto Estadual de Florestas (IEF), André Ilha, culpa o abandono da última gestão pelo avanço do desmatamento no estado:
- O setor florestal foi abandonado pelo governo anterior.

Estamos trabalhando duro para mudar o quadro. Vamos usar as coordenadas da SOS Mata Atlântica no monitoramento e na fiscalização.

Nem sempre o dano ambiental é reparado. Em 2002, uma clareira aberta na vegetação fixadora de dunas por Joaquim Fernando de Mello Martins, atrás de seu quiosque na Praia do Forno, em Arraial do Cabo, foi parar na 1aVara Federal de São Pedro da Aldeia. Três anos depois, Joaquim foi condenado a prestar serviços à comunidade. A sentença ainda o obrigava a entregar o quiosque à União.

Mas, mês passado, repórteres do GLOBO constataram que o estabelecimento estava aberto e a área desmatada sendo usada. Procurado, o réu informou por terceiros que entrou com recurso e obteve liminar autorizando o funcionamento do quiosque.

A Justiça Federal diz não ter conhecimento da liminar.

O desmatamento alcança ainda as unidades de conservação.

O chefe do Parque Nacional da Tijuca, Ricardo Calmon, já perdeu 5% de sua área protegida. Para ele, o desmatamento avançou nas lacunas da lei.

- As prefeituras só poderiam fazer legislações mais restritivas que a lei federal. Mas as leis municipais muitas vezes dão o caminho para construções irregulares, em troca de compensações ambientais.

O Globo, 21/03/2008, Rio, p. 17

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