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Descaso ameaça existência de índios isolados

O Globo, O País, p. 18
13 de Nov de 2005

Descaso ameaça existência de índios isolados
Para sertanista da Funai, governo 'virou as costas' para tribos que sofrem pressões de garimpeiros e madeireiros

Apesar de ser praticamente o único país da América do Sul que tem uma legislação específica direcionada para os índios isolados, o Brasil está cada dia mais distante de ações que protejam essas comunidades. O governo Lula tratou de fechar as possibilidades de mais recursos e o descaso faz com que a ameaça aos índios isolados seja ainda maior, com pressões de madeireiros, garimpeiros e até de projetos avalizados pelo governo federal, como a construção de hidrelétricas e o apoio a grandes mineradoras.
Essa é uma das conclusões a que chegaram os participantes do I Encontro Internacional sobre Povos Indígenas Isolados da Amazônia, realizado em Belém, numa tentativa de criar dispositivos legais para proteger essas comunidades, que se estendem por outros países como Peru, Paraguai, Bolívia e Equador.
O governo Lula virou as costas para as questões sociais, incluindo aí os índios, mais afetados pela ausência de recursos - diz o sertanista Sidney Possuelo, coordenador geral de Índios Isolados da Funai.
Segundo Possuelo, existem hoje 42 informações de grupos indígenas isolados. Desses, apenas 22 estão oficialmente confirmados pela Funai de serem grupos totalmente isolados.
- O que se quer é garantir o direito legal desses povos de não precisar mais ter contato algum conosco - diz a jurista paraguaia Ester Prieto, especialista em direitos indígenas.
Há poucos estudos sobre os índios isolados. Sabe-se que mantêm as tradições de seus antepassados e sobrevivem da caça, pesca e agricultura. Quando não podem mais enfrentar os invasores, recuam para regiões distantes. Por isso, um dos fatores fundamentais para garantir sua sobrevivência é a demarcação das terras onde vivem.
- Não há como dissociar a proteção dos índios da lei ambiental - diz o pesquisador John Hemming, dos EUA. - O conhecimento das regiões dos índios isolados é fundamental para que se possa evitar o confronto e a destruição desses grupos. Um dos caminhos é demarcar e a legalizar as terras.
- É o caminho mais adequado. Dentro da nova política para índios isolados, a proteção ao meio ambiente e a demarcação de suas terras passam a ser prioridades da Funai - completa Possuelo.

Grupos vivem em áreas protegidas da Amazônia
No Vale do Javaré, 2.500 índios sofrem com corte de madeira
Os últimos grupos de índios isolados no Brasil encontram-se em áreas protegidas, como parques nacionais. Isso não impede que sejam ameaçados por madeireiros. Um exemplo são os cerca de 2.500 índios que moram em uma área um pouco maior que oito mil hectares no Vale do Javaré, no Amazonas, que vivem sob constante ameaça de madeireiras clandestinas.
No Brasil há seis terras indígenas legalizadas exclusivamente para grupos isolados. Todas ficam na Amazônia. Isso faz com que o Brasil seja uma referência para outros países da América Latina.
- Temos problemas maiores pois não temos lei específica - diz o defensor público Pablo de La Cruz, do Peru.
Segundo ele, há muita resistência para que se aceitem os direitos desses grupos no Peru. Em contrapartida, madeireiros, empresas de energia e de turismo pressionam o governo para que tudo se mantenha como está.
- O grande problema é que esses índios são marginalizados. Por isso, há uma necessidade de um trabalho diferenciado para eles, que reconheça seus direitos - sintetiza Cristian Veloz, da Organização Internacional do Trabalho. (Ismael Machado).

Em busca da língua quase perdida
Há três anos e meio, quatro pesquisadores da Universidade do Estado do Pará lançaram-se em um desafio: recuperar línguas indígenas quase perdidas. Eles trabalham na aldeia Itarená, dos kaapós, em Paragominas, divisa com o Maranhão, e já escreveram uma cartilha contando os mitos da tribo. Agora, os índios querem relatar sua história em sua língua original.
- A partir do pedido dos índios mais velhos, fazemos uma transcrição da língua para que ela não se perca - diz o professor de Ciências da Religião Antonio Jorge Paraense, um dos pesquisadores.
Na aldeia Itarená vivem 20 famílias. A gradativa perda da língua é conseqüência do contato com os brancos, já que as escolas da religião usam apenas livros em português.
No Brasil, há cerca de 180 línguas, a maioria concentrada na Amazônia. Elas se distribuem em 41 famílias, dois troncos e cerca de uma dezena de línguas isoladas. A média é de menos de 200 falantes por língua.

O Globo, 13/11/2005, O País, p. 18

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