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Deputados de Mato Grosso aprovam lei que permite mineração em reservas legais meses após justiça ter suspendido autorização

O Globo - https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2024/01/10/
10 de Jan de 2024

Deputados de Mato Grosso aprovam lei que permite mineração em reservas legais meses após justiça ter suspendido autorização
Ambientalistas dizem que medida é inconstitucional e pode causar graves impactos ao meio ambiente do estado; governo editou novo projeto após lei original ter sido suspensa

Por Lucas Altino - Rio de Janeiro
10/01/2024

A Assembleia Legislativa do Mato Grosso aprovou, nesta segunda (8), uma lei que permite o desmatamento de áreas de Reserva Legal em propriedades rurais para mineração. Há um ano, uma outra lei com a mesma autorização já havia sido sancionada, mas foi questionada na justiça e uma liminar suspendeu seus efeitos. O governo estadual fez, então, um acordo com o Ministério Público para a redação de um novo texto, agora aprovado. Para ambientalistas, no entanto, a nova lei mantém as mesmas inconstitucionalidades e deverá ser novamente questionada nos tribunais.
A relação do governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), com a mineração é um ponto frequentemente apontado por opositores e ambientalistas. Em novembro, o filho mais velho do governador, Lucas Taveira Mendes, foi alvo de uma investigação da Polícia Federal. A Operação Hermes, como foi batizada, apura que duas empresas de mineração que tem Lucas como sócio teriam atuado na importação ilegal de mercúrio usado na extração de minérios.
O que diz a lei
A lei aprovada nesta segunda permite que proprietários usem as áreas de seus terrenos destinadas à Reserva Legal - limites obrigatórios de preservação da vegetação em uma propriedade - para mineração. Em compensação, será preciso replantar a área de reserva em outro local, no mesmo bioma, pelo menos 10% maior. A autorização segue o que já previa a lei anterior, do ano passado, de autoria do deputado estadual Carlos Avallone (PSDB). As diferenças, no projeto atual, são a exigência de compensação no mesmo bioma e o aumento da nova área. E no novo texto foram suprimidas a previsão de compensação de Reserva Legal dentro de Unidades de Conservação e também veda o uso de mercúrio, bastante criticadas na época.
Por alterar o Código Florestal, que é uma lei federal, e por legislar sobre mineração, uma atribuição exclusiva da União, a lei de Avallone foi parar na justiça em ferevereiro do ano passado. Logo após a sanção, o Ministério Público do Mato Grosso entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Tribunal de Justiça do MT. Uma liminar suspendeu os efeitos da lei e as partes - governo estadual e MP - entraram em processo de acordo para que fosse feita uma nova lei. O mérito da ação, portanto, nunca foi julgado.
Consultora jurídica do Observatório Socioambiental do MT, Edilene Fernandes do Amaral diz que o novo projeto continua sendo inconstitucional.
- Há uma série de inconstitucionalidades. Ataca o princípio do não retrocesso ambiental e traz permissões que o Código Florestal não traz. Um estado não pode ser mais permissivo, na proteção ambiental, do que a União, e não pode legislar sobre mineração - explica Amaral, que teme efeitos perigosos ao meio ambiente. - Tem risco de contaminação com minérios pesados, mas também vai ser estimulado o desmatamento para produção rural. Mineração pode ser até extração de cascalho. Em seguida poderiam, então, fazer plantações de soja. E o estado do Mato Grosso não tem condição de fiscalizar as compensações ambientais. É um total absurdo.
Segundo Amaral, estudos mostram que sequer há áreas disponíveis dentro do Mato Grosso que poderiam servir para compensações ambientais. Enquanto isso, ela diz que nunca foi comprovada a escassez de algum minério e a consequente necessidade de exploração em reservas legais.
Assessor do Instituto Socioambiental, Rafael Nunes acrescenta outros problemas associados à lei: o cenário de insegurança jurídica sobre a própria aplicação do Código Florestal, pois desvirtua a função da Reserva Legal; e os impactos sobre áreas mais sensíveis da propriedade, que normalmente ficam perto das Áreas de Preservação Permanente (APP).
-Outro aspecto preocupante da legislação é que o estado do Mato Grosso não tem controle preciso sobre o quantitativo de Reservas Legais disponíveis para fazer a compensação proposta. Ou seja, pode não ter Reservas Legais disponíveis para realocar caso o proprietário decida executar alguma atividade minerária. Como as análises dos Cadastros Ambientais Rurais ainda avançaram pouco (cerca de 16% do MT foram validados), não existe levantamento consistente que possa prever o impacto real da nova legislação neste contexto - afirma Nunes.
Possibilidade de nova judicialização
Desde a aprovação da nova lei, o Ministério Público do Mato Grosso não se pronunciou.
- Vamos fazer uma provocação formal ao Ministério Público, para saber o posicionamento deles e se voltarão à justiça. Porque a nova lei aprovada vai contra o que diz a própria - afirma Edilene Amaral, que diz que outras opções para ação de inconstitucionalidade seriam através de articulações com os partidos de oposição, como PT e PSB, já que as ONGs não podem acionar os tribunais diretamente para esse tipo de processo.
Amaral conta que uma nota técnica com o resumo dos impactos negativos que a autorização de mineração poderia provocar foi encaminhada aos deputados estaduais, mas não foi o suficiente pela recusa do projeto. A nota destacava, por exemplo, que as ameaças sobre Terras Indígenas e Unidades de Conservação continuam já que esses territórios ficam próximos de muitas Reservas Legais. E o risco de contaminação pode ir além da área de exploração mineral, pois os rios costumam carregar contaminantes por longas distâncias, afetando inclusive a população de peixes e ribeirinhos.
Acusação de 'greenwashing'
Na última COP-28, em dezembro, nos Emirados Unidos, o governo do Mato Grosso apresentou feitos ambientais em um painel do congresso. Os destaques foram o investimento de mais de R$ 240 milhões em ações de prevenção e combate ao desmatamento ilegal e incêndios florestais, o aumento de 660% nas autuações remotas por crimes ambientais e a ferramenta de monitoramento em tempo real da cobertura vegetal do estado.
Para Edilene Amaral, o governo pratica o chamado "greenwashing", que seria a criação de uma imagem falsa de responsabilidade ambiental
- O governo hoje é totalmente desenvolvimentista alinhado com setor da mineração. Vende para fora do estado um selo verde, mas na prática a gente sabe que não é assim que funciona. No setor da mineração estão destruindo totalmente a proteção ambiental - diz a especialista, que acrescenta que o governo vem tentando a estadualização do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, o que gera temor entre ambientalistas pela possibilidade de redução das proteções.
Procurado, o governo do Mato Grosso ainda não se manifestou
Já o Ministério Público do Mato Grosso afirmou que uma "eventual atuação somente ocorrerá quando o projeto for sancionado". O MP não quis se manifestar diretamente a aprovação da lei, mas encaminhou a nota publicada em setembro passado, quando o projeto foi enviado à Assembleia Legislativa. Nessa nota, o MP dizia que o acordo com o governo previa um novo projeto sem "autorização para fins de mineração em áreas protegidas". A Reserva Legal constitui uma área protegida.
A nota de setembro, por outro lado, dizia que a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) poderia "avaliar a realocação de reserva legal" caso "se comprove a inexistência de alternativa locacional à área que se queira minerar que seja viável e possível". E "apenas na hipótese de inexistência de área preservada dentro do imóvel é que o órgão licenciador poderá realocar a reserva legal para outro local, desde que seja dentro do mesmo bioma no Estado de Mato Grosso". Outro ponto que a nota destacava é que o projeto não poderia" abranger nascentes, florestas ripárias e outras áreas consideradas como de Preservação Permanente, que possuem maior fragilidade ambiental".

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