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Depois de 15 anos, Sivam deve ser concluído

FSP, Brasil, p. A8
13 de Jun de 2005

Depois de 15 anos, Sivam deve ser concluído
Polêmico, projeto para o sistema de vigilância aérea da Amazônia custou US$ 1,3 bi e deverá ficar pronto em julho de 2006

Ricardo Bonalume Neto

Falta apenas instalar um radar dos 25 previstos, e terminar o Centro de Coordenação Geral de Brasília -parado por dois anos por conta de dúvidas sobre sua validade pela Casa Civil da Presidência-, para que fique pronta uma das mais polêmicas iniciativas do governo federal desde sua concepção em 1990, o Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia).
Em pouco mais de um ano, em julho de 2006, o Sivam deverá ficar pronto e também terminar, mudando de nome. A iniciativa deu bons frutos para a defesa aérea, mas ainda controvertidos na área de proteção ambiental.
O Sivam é o braço de coleta de dados do Sipam (Sistema de Proteção da Amazônia), cuja função é avaliar conhecimentos para nortear as políticas públicas em uma área de 5,2 milhões de quilômetros quadrados, 60% do Brasil.
O Sivam tem uma parte fundamental de controle do tráfego aéreo e defesa aeroespacial. O sistema de controle foi criado a partir da década de 1970 através do Cindacta (Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo), aumentado progressivamente para cobrir as regiões Sudeste, Centro-Oeste, Sul, Nordeste e agora Norte. A rede Sivam finalizada se chamará Cindacta 4.
Antes do Sivam, se podia voar por uma hora e meia de Brasília a Manaus sem cobertura de radar. O exemplo clássico do que isso significava foi a queda de um avião da Varig na região amazônica, em 1989. O avião de passageiros chegou a ficar três horas orbitando antes de fazer um pouso de emergência na floresta.
Não resta dúvida de que esse tipo de pesadelo é coisa do passado. "Só em termos de segurança de vôo, o Sivam pagou seu custo", diz brigadeiro-do-ar Alvaro Luiz Pinheiro da Costa, presidente da CCSIVAM (Comissão para Coordenação do Projeto do Sistema de Vigilância da Amazônia). A implantação do projeto custou US$ 1,395 bilhão.
O Sipam tenta mostrar que não está duplicando ações, como vários cientistas já criticaram, mas sim agindo para integrar os esforços governamentais na região amazônica. O pesquisador Estevão Monteiro de Paula, gerente do Centro Técnico Operacional do Sipam de Manaus, argumenta com a chamada Operação Tauató, na qual o sistema pôde integrar ações de 25 organizações -federais, estaduais e municipais- para coibir ilícitos.
Os dois são o foco atual de desmatamento no Estado, além de sofrerem com grilagem de terras e outros ilícitos. Segundo De Paula, foram lavrados 168 autos de infração depois da operação.
Apesar de eficaz em ver o delito, e coordenar ações, o sistema sozinho não bata para coibir problemas, pois o grande desmatamento apontado agora, e os casos de corrupção envolvendo madeireiras, depende da ação eficaz das autoridades -o Sipam apenas aponta a direção. O resto do governo é que teria que agir.

Sistema identifica tráfego aéreo desconhecido
O Sivam também lançou luz sobre o chamado tráfego aéreo desconhecido sobre a região amazônica, parte do qual é ilícito -contrabando de drogas e armas.
"Passamos a ver o que não se via, o tráfego desconhecido se tornou maior, houve 30% mais de vôos desconhecidos", diz o coronel Renato Luiz Scariot, chefe do Serviço Regional de Proteção ao Vôo, em Manaus
Todas as informações da defesa aérea chegam e são integradas nos computadores em Brasília do Comdabra (Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro), órgão encarregado da defesa militar do espaço aéreo com o uso do radares, aviões-radares e caças de interceptação.
Desde a regulamentação da Lei do Abate, não houve nem mesmo "tiro de aviso" em torno de aeronaves infratoras. "Antes era uma vez por mês, agora todo mundo responde", diz o coronel Ricardo Servan, chefe de Estado-Maior Combinado do Comdabra.
"Após o tiro de destruição, os bandidos se adaptaram", diz o tenente-brigadeiro José Carlos Pereira, chefe do Comgar (Comando Geral de Operações Aéreas). Em vez de aumentar o preço da cocaína nas grandes cidades, a medida aumentou o salário dos pilotos do tráfico e fez com que os vôos passassem a contornar o Brasil -saindo da Colômbia para o Paraguai, por exemplo-, e com que as cargas de droga passassem a entrar por terra.
"90% do tráfego desconhecido não era criminoso", diz o brigadeiro. Ele cita o caso de sete aviões irregulares voando em fila indiana que foram detectados. Era apenas um grupo de fazendeiros indo com seus aviões para um churrasco na fazenda de outro. Todos devidamente multados.
A qualquer momento existem centenas de aeronaves monitoradas pelo sistema. Mesmo às 17h de uma tarde de domingo, foi possível ver cerca de 300 aviões nas telas do Coda (Centro de Operação de Defesa Aérea), a holywoodiana sala repleta de telas de radar em Brasília onde a FAB monitora tudo que voa sobre o país. "Adrenalina pura", diz um oficial de plantão no Coda. Para ali chegam os relatos do que acontece nas interceptações.
"Nós estamos raspando e estão seguindo nós", dizia o preocupado piloto do avião leve Cessna repleto de cocaína, prestes a jogar sua preciosa carga pela janela.
"Eles só tiram foto, não joga fora, não"; "vem embora, que eles não derrubam não", disse o traficante no solo em contato por telefone celular. O avião saíra do Paraguai com destino a Jataí (GO) em 2002, antes da criação da Lei do Abate. O avião da FAB seguiu o traficante, suas comunicações foram interceptadas por cerca de três horas. O avião voltou ao Paraguai sem desovar sua carga de 300 kg da droga, que depois chegou ao Brasil por terra, segundo a Polícia Federal.
O piloto que intercepta um avião, e o controlador de vôo que informa a ele onde fazer a interceptação, são chamados de "autoridades executivas de defesa aérea", o primeiro elo na cadeia de operação do Sisdabra (Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileira).
Acima deles ficam as autoridades que comandam a interceptação através do Comdabra. Na fase final de uma interceptação, a ordem tem de ser autorizada pelo comandante da Aeronáutico.
Hoje, daquela sala, poderia sair a ordem para o Tucano abater o avião to tráfico. (RBN)

Esquadrão terá 5 tucanos de interceptação
Porto Velho tem hoje 14 aeronaves AT-27 Tucano para interceptar vôos ilícitos, segundo o tenente-coronel Gilson Caputo, comandante do 2o Esquadrão do 3o Grupo de Aviação ali baseado. Até o final do ano ele vai receber aviões bem mais capazes, os primeiros cinco A-29 Super Tucano.
Formado "caçador" em 1985, desde 1995 Caputo está no ramo de interceptar aeronaves na fronteira. Em todo esse tempo, ele disparou seis vezes o "tiro de aviso", e presenciou o fato dez vezes, em relação a aeronaves leves que não cumpriam instruções.
Metade da sua unidade é composta por jovens segundo-tenentes, com em média 25 anos de idade. São eles a ponta-de-lança do poder aéreo brasileiro, os militares na linha de frente da interceptação que poderão um dia ter de abater um avião ilícito.
O Tucano AT-27, como diz a sigla, é um avião de treinamento capaz de missões de ataque. Já o Super Tucano A-29 foi projetado para ser um avião de combate leve.
O AT-27 "tucaninho" não tem armas, mas pode recebê-las em cabides debaixo das asas. Já o A-29 "tucanão" tem uma metralhadora calibre 12,7 mm dentro de cada asa, além da capacidade de também levar mais armamento.
Mais importante ainda, o "tucanão" vai poder voar de noite. Hoje os pilotos têm de levar a bordo, de modo quase amadorístico, gravador e filmadora para registrar vôos ilícitos. O A-29 vai ter esse tipo de equipamento no avião.
Antes de chegarem seus A-29, Caputo e seus pilotos passam parte do tempo lidando com simuladores de computador.
A diferença entre preparar uma missão de combate, antes e depois da introdução do Super Tucano, é uma questão de tempo. Hoje é preciso algo como quatro horas para planejar uma missão de ataque. Os oficiais se debruçam sobre mapas, usam réguas, calculadoras, papel e lápis para mostrar aquilo que o piloto deve cumprir.
Com o Tucano "digital", a mesma preparação é feita em aproximadamente dez minutos.
Os dados são levados ao avião em um cartão eletrônico e inseridos no computador de bordo. Já há 14 Super Tucano em Natal, iniciando a familiarização da FAB. Foram encomendados 76 A-29.
Base em Anápolis convive com aviões "Otan" e "sucata"
A base aérea de Anápolis, Goiás, se divide entre aviadores alegres e tristes.
Os "alegres" têm à disposição equipamento altamente sofisticado, semelhante ao que de melhor há em uma força aérea da Otan, a aliança militar ocidental. São os aviões-radar e de sensoriamento remoto do 2o Esquadrão do 6o Grupo de Aviação, ferramentas fundamentais do Sivam.
Os "tristes" operam velhos caças a caminho da sucata, que hoje nem têm mais radares operacionais e devem sair de operação até o final do ano.
O esquadrão de caças interceptadores Mirage 3 do 1o Grupo de Defesa Aérea que defende a capital do país só pode operar de dia. Pouco podem fazer se um inimigo resolver atacar Brasília à noite, mesmo que seja apenas um maluco indignado com o "mensalão" que resolva jogar um teco-teco sobre o Congresso ou o Planalto.
"Temos dois extremos nessa base, os Mirage com tecnologia dos anos 50, e o top de tecnologia que é o 2o do 6o", diz o comandante da base de Anápolis, coronel Cícero Ceccatto.
Os Mirage 3 já comemoraram 30 anos de serviço à FAB. O pessoal de terra tem de fazer milagres para conseguir mantê-los operacionais, para que pelo menos um ou dois estejam disponíveis 24 horas para decolar em cinco minutos para uma interceptação.
Por vários anos a FAB estudou a substituição do Mirage 3 por um caça novo, o chamado projeto F-X, que custaria em torno de 700 milhões de dólares. A decisão deveria ter saído no governo Fernando Henrique Cardoso; foi deixada para o governo Luiz Inácio Lula da Silva, que primeiro congelou, depois cancelou o processo.
Surgiram então várias propostas de compra ou leasing de caças, a maioria de segunda-mão. Segundo declarou o ministro da Defesa e vice-presidente, José Alencar, a opção será por comprar, por US$ 60 milhões , 12 caças usados franceses Mirage 2000.
Já os R-99 são o "estado da arte". O R-99A tem o radar sueco, que consegue detectar aeronaves a 400 km de distância, segundo comandante do esquadrão, major-aviador Alcides Barbacovi. O R-99B pode fazer imagens detalhadas, de dia ou de noite, mesmo a vários quilômetros de distância. Os aviões R-99 não têm como ser reabastecidos no ar, mas podem ficar até sete horas em vôo, pois têm tanques adicionais.
O vôo é feito geralmente de 6.000 a 7.000 metros de altitude, a uma velocidade de cruzeiro de 400 km/ h.
Os R-99 foram entregues à FAB de 2001 a 2004. Eles ficam em Anápolis pois a base tem boa infra-estrutura, e o clima seco do Planalto é melhor para a manutenção de sua eletrônica. Esses aviões deslocam-se rotineiramente para a Amazônia. Suas bases de "desdobramento" incluem Manaus, Belém, Boa Vista e Porto Velho. Nem sempre eles pousam, pois sua mera presença alerta os traficantes de que correm risco.

FSP, 13/06/2005, Brasil, p. A8

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