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Depoimentos de quem faz o Terceiro Setor Paulistano

Setor 3
21 de Jan de 2004

Depoimentos de Quem faz o Terceiro Setor Paulistano

Da Redação
Colaborou William Medeiros

A história de São Paulo, desde o trabalho das Santas Casas, tem sido marcada pela ação de organizações sem fins lucrativos que acompanharam os principais processos de transformação social da cidade. Essa ação, inicialmente de fundo religioso e caráter assistencialista, evolui muito nesses 450 anos. Boa parte dos atuais líderes sociais que nos anos 70 e 80 militava nos movimentos sindicais, políticos e frentes estudantis criaram as condições para que, mais tarde, o trabalho social ganhasse um novo fôlego e assumisse, a partir da década de 90, o papel de principal interlocutor da sociedade civil junto ao Estado.

O trabalho das organizações não-governamentais de interesse público de São Paulo, talvez pelas demandas da cidade, tornou-se referência para o país. Nessa história recente de São Paulo, Estado, iniciativa privada e principalmente a parcela da população que se encontra excluída apostam que o chamado Terceiro Setor seja capaz de resolver os principais problemas sociais do paulistano e possa garantir uma vida melhor para os próximos anos.

O portal Setor3 publica, nos próximos dias, depoimentos de alguns dos principais especialistas do Terceiro Setor de São Paulo analisando questões como violência, educação, infância e juventude, meio ambiente, entre outras. Junto aos depoimentos, há um link que aponta para cerca de 15 sites temáticos de organizações sociais que atuam na cidade. Cada um dos entrevistados respondeu a uma única pergunta (abaixo) relacionando seu depoimento à sua área de atuação.

Confira também os depoimentos de Miriam Nobre, da Marcha Mundial das Mulheres e de Dirceu Pereira Jr., da Revista e do site Sentidos.

Qual sua análise sobre a evolução histórica do tema em questão para a cidade de São Paulo e qual sua visão de futuro?

Violência X Cultura de Paz
Por Lia Diskin

Nesta última década presenciamos avanços significativos no estudo da violência, tanto nas universidades quanto em institutos de pesquisa. Foram levantados mapas de geo-processamento de dados que nos permitem saber onde se localizam os corredores de desova de cadáveres, de desmanche de carros roubados, de prostituição infantil etc. Temos estatísticas sobre os custos sociais da violência: quanto onera para o erário público, por exemplo, a internação na UTI de um esfaqueado que, possivelmente, terá que passar dias em recuperação.

Há também estudos de psicologia social demonstrando que a ausência de uma justiça reparadora vem aprofundando as desigualdades sociais. Isto é, temos conhecimentos suficientes para diagnosticar e até compreender o fenômeno da violência. Entretanto ainda dispomos de poucos estudos e estratégias sobre uma Cultura de Paz, sendo necessário alargar os significados do termo para que não fique restrito apenas ao uso anti-belicista.

A Paz não é ausência de guerra. A Paz é a presença da justiça. Paz com justiça e co-responsabilidade na gestão pública é um objetivo que seguramente será alcançado.

Lia Diskin é argentina, mora em São Paulo desde 1972. Jornalista com especialização em crítica literária, co-fundadora da Associação Palas Athena e responsável pelo Comitê Paulista para a Década de Cultura de Paz.

Veja os sites de ONGs de São Paulo que trabalham com o tema: Violência

Meio Ambiente
Por Nilto Ignácio Tatto

Uma das principais características da cidade de São Paulo é a sua capacidade de acolher sem distinção uma das maiores sociodiversidades do planeta. Para cá vieram muitos povos dos diferentes continentes que se juntaram aos diversos migrantes em busca de uma vida melhor. Já viviam aqui povos indígenas que foram subjugados no processo de construção desta que é uma das maiores megalópoles do mundo. Destes povos indígenas que aqui viviam restaram apenas três aldeias Guaranis com espaço insuficiente para sua reprodução social, cultural e natural. Deles também ficaram nomes de praças e ruas e objetos expostos em alguns museus da cidade.

São Paulo cresceu rapidamente a partir do final da década de 1950, com uma política direcionada para torná-la o maior pólo industrial do país. O crescimento se deu de forma desordenada com relação à ocupação do espaço e de forma injusta na distribuição dos bens. Muitos dos que vieram para cá ocuparam espaços impróprios para moradia, sem infra-estrutura de bens sociais e contribuíram para a degradação dos recursos ambientais imprescindíveis para garantir a qualidade de vida que todos buscavam.

Este processo suscitou o surgimento de grande diversidade de movimentos sociais em busca de melhoria na qualidade de vida dos paulistanos. Paralelamente, surgia um forte movimento daqueles que viam suas florestas e rios serem substituídos por loteamentos (muitos deles clandestinos) para abrigar as moradias dos que construíram a cidade e foram jogados para fora dela sem direito ao usufruto dos bens que ajudaram a construir.

Tais movimentos cresceram e se institucionalizaram, transformando-se em uma rede de organizações autônomas, que vêem contribuindo de forma decisiva no processo de monitoramento e proposição de políticas públicas na busca de uma cidade inclusiva e sustentável do ponto de vista socioambiental.

O desafio da cidade para o futuro é dar sustentabilidade a estas organizações, como espaço de participação direta da sociedade para encontrar soluções adequadas aos grandes problemas sociais e ambientais que afligem a metrópole. Maior ainda será o desafio de recuperar o que foi depredado em nome do desenvolvimento. Aí, as organizações do Terceiro Setor, como espaço de participação do cidadão se tornam imprescindíveis para que não se repitam os erros do passado.

Nilto Ignácio Tatto é do Rio Grande do Sul e mora em São Paulo há 23 anos. Formado em Administração de Empresas, é sócio-fundador e secretário geral do Instituto Socioambiental (ISA).

Veja os sites de ONGs de São Paulo que trabalham com o tema: Meio Ambiente

Direitos da Mulher
Por Miriam Nobre

São Paulo foi palco da greve geral de 1917 com grande peso das trabalhadoras têxteis. E as mulheres que vivem na cidade continuam em busca de emprego e boas condições de trabalho e melhores rendimentos. No programas de geração de emprego e renda da Prefeitura Municipal de São Paulo elas são a maioria. Representam 55% do programa destinado aos jovens e 67% daquele voltado às pessoas com mais de 40 anos.

No final dos anos 70, as mulheres se mobilizaram no Movimento Contra a Carestia, contribuindo para a visibilidade pública dos grupos populares que resistiam às políticas da ditadura militar. Muitas delas seguiram mobilizadas no movimento de luta por creches que gerou a política pública municipal e a creche como um direito da criança consagrado na Constituição Federal de 1986.

Em 1981 o movimento foi às ruas para exigir a punição do assassino de Eliane de Grammont, que tem seu nome em um dos primeiros Centros de Referência governamental de atendimento a mulheres vítimas de violência. Foram criadas as Delegacias de Defesa da Mulher, o atendimento nos serviços de saúde, as casas abrigo.

As mulheres comemoram o 8 de março com passeatas e atos públicos. Momentos em que se tornam mais visíveis as bandeiras feministas acima comentadas e tantas outras, como o direito de decidir sobre seu corpo, sua vida sexual e reprodutiva. Ampliou-se o atendimento público à saúde reprodutiva com acesso a informação e métodos contraceptivos nas unidades básicas de saúde e hoje existem na cidade serviços de aborto legal em 8 hospitais.

São Paulo guarda em seus 450 anos as histórias de muitas mulheres que lutaram e lutam cotidianamente para que elas e suas famílias vivam felizes. Essas histórias inscrevem muitas conquistas. Os governos e organizações da sociedade civil muitas vezes inovaram no desenho e implementação de políticas que tornam efetivos os direitos das mulheres. O grande desafio é que estes direitos sejam reais para todas as mais de cinco milhões de mulheres que vivem na cidade, universalizando direitos e construindo uma cidade com igualdade, justiça e felicidade.

Miriam Nobre é Dirigente da SOF - Sempreviva Organização Feminista e coordenadora da Marcha Mundial das Mulheres no Brasil

Veja os sites de ONGs de São Paulo que trabalham com o tema: Defesa das Mulheres

Defesa dos Direitos do Deficiente Físico

Por Dirceu Pereira Jr.

Sou paulistano de carteirinha e adoro a minha cidade.
Desde que nasci moro nessa metrópole e aprendi em meus 40 anos que é preciso enxergar o mundo muito além do que os nossos olhos vêem.
Há cerca de 5 anos comecei a trabalhar no desenvolvimento de um veículo voltado para a inclusão da pessoa com deficiência, e passei a observar nossa cidade de uma nova maneira.

Nesse período conheci muita gente interessante que transita na causa e cheguei à conclusão que ainda temos muito que fazer para torná-la mais humana e acessível a todos os seus habitantes, sem exceção. Pode não parecer, mas as estatísticas apontam que só na capital de São Paulo vivem quase 2 milhões de pessoas que possuem algum tipo de deficiência, mas infelizmente poucas são vistas em nosso dia a dia. A boa notícia de tudo isso é que essa realidade aos poucos está mudando, e pra melhor.

Cada vez mais vemos a iniciativa privada e o poder público desenvolvendo projetos que restabelecem a cidadania desse grupo de pessoas. O movimento de entidades e formadores de opinião ganha mais força e o público em geral tem tido a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre esse assunto através dos meios de comunicação. Talvez essa última colocação seja a mais importante de todas pois não acredito que a maior barreira para a inclusão seja o transporte inacessível ou as calçadas mal cuidadas, mas sim o preconceito e a falta de informação da sociedade.

Dirceu Pereira Jr. - Publicitário com especialização em Marketing Diretor Executivo da Revista e Site Sentidos.

Veja os sites de ONGs de São Paulo que trabalham com o tema: Deficiente Físico

Por Garris Del Valle

A análise do processo de exclusão e inclusão social na cidade de São Paulo está expressa por meio das desigualdades sociais, econômicas e culturais, mostra o distanciamento das condições de vida entre os distritos, torna visível a existência de ilhas de inclusão social convivendo com territórios marcados por pobreza, discriminação e ausência de equidade dentro da mesma cidade. Hoje, o chamado terceiro setor está em franca expansão, com a iniciativa privada suprindo os encargos do governo em áreas como educação, saúde, combate à fome e o meio ambiente.
Destacando a área da saúde e sabedores das deficiências do poder público, não aguardamos por um milagre, mas os governos terão que ser cobrados quanto à necessidade de atender à população de uma forma digna em postos de saúde e hospitais, planejar atitudes positivas mais que pensamentos positivos.
Os planos de seguro saúde estão cada vez mais caros para a população e após a idade de 60 anos são impagáveis, o que está levando milhões de pessoas, sem outra opção a cancelarem, alterarem ou mudarem para outros planos com menos recursos, aumentando assim a procura pelos hospitais públicos que não conseguem atender à demanda.

Vale salientar que os planos de saúde anteriores ao mês de janeiro de 1.999, não atendem a todos os tratamentos e para serem atualizados sofrem um aumento abusivo e desproporcional para o segurado.
Torna-se cada vez mais urgente um atendimento odontológico mantido pelo Estado em nosso país, pois nossas crianças chegam à fase adulta com a saúde bucal comprometida e muitas vezes sem condições financeiras de recorrer a um profissional cirurgião dentista.

Estes enfoques nos remetem a uma grande questão: Como melhorar o atendimento médico e odontológico a todas as pessoas, em especial aos aposentados e deficientes nos hospitais e ambulatórios públicos? No Brasil em pleno século XXI, ainda precisamos de leis para garantir direitos básicos como respeito e cidadania, temos que conscientizar a todos os cidadãos que mudanças devem acontecer pela união de nossos direitos cobrando transformações e trabalhando a favor da construção de uma nova sociedade, onde o respeito pela diferença seja um valor.

Garris Del Valle é Cirurgião dentista, Bacharel em Ciências Jurídicas, Conselheiro e Assessor de Mídia do Movimento Degrau, Presidente de diretório do Partido Verde em São Paulo, e Palestrante na área da odontologia e cidadania.

Veja os sites de ONGs de São Paulo que trabalham com o tema: Saúde

Defesa dos Diretos dos Negros

Por Edmar Silva

Minha visão de futuro sobre a defesa de direitos dos negros para a cidade de São Paulo é absolutamente otimista. Mesmo porque, durante esses quatro séculos e meio, tivemos muito poucas oportunidades, mais mesmo assim temos tido avanços e conquistas indubitáveis.

Por outro lado, São Paulo é a cidade brasileira com o maior número absoluto de negros (3,1 milhões), à frente do Rio de Janeiro (2,4 milhões) e de Salvador (1,8 milhões), capitais em que a população negra tem maior peso relativo e uma distribuição espacial diferenciada em relação à que se verifica em São Paulo , como revela o mapa produzido pelo CEM-CEBRAP (Centro de Estudos da metrópole de Centro Brasileiro de Analise e Planejamento), instituição que tem financiamento da Fapesp (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo), publicado na Folha de São Paulo no dia 21 de Setembro de 2003.

Nesse sentido é fundamental que tenhamos políticas públicas que possam de fato diminuir as contradições que separam economicamente negros e brancos. A educação, por exemplo, precisa ser também, um instrumento que auxilie os chamados "diferentes", no desenvolvimento da sua auto-estima. A saúde, a moradia e a segurança têm que ser de preocupação absoluta dos nossos governantes.

Não obstante, quero aproveitar o momento e dizer que tem sido exatamente esse o empenho da Exa. Sra. Marta Suplicy, prefeita da cidade de São Paulo. Haja vista a construção dos CEUs, o lançamento da bibliografia afro-brasileira, o lançamento do Museu Afro-Brasil, nossa parceria com o SENAC, o respaldo que a CONE tem tido cotidianamente, entre tantas outras manifestações. E por isso também, tanto otimismo.

Edmar Silva é Sociólogo, Mestrando em antropologia Cultural pela PUC-SP e Coordenador Geral da CONE - Coordenadoria Especial dos Assuntos da População Negra

Veja os sites de ONGs de São Paulo que trabalham com o tema: Defesa dos Negros

Setor 3, 21/01/2004

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