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Demarcação Súmula 650 do STF, Considerações

Dourados Agora - www.douradosagora.com.br
Autor: Wilson Matos da Silva
21 de Out de 2008

Dias atrás, matéria jornalística estampava o título: Súmula 650 do STF, impede demarcação de terras indígenas. O que, data permissiva vênia, não concordamos pelas razões expostas na sobredita matéria, no meu modesto entendimento a súmula 650 é pontual.

Essa súmula foi veiculada em razão de provocações da Suprema Corte para pronunciamento acerca de eventual interesse da União Federal na solução de ações de usucapião em terras situadas nos municípios de Guarulhos e de Santo André, no Estado de São Paulo, em vista do disposto no artigo 1o, alínea h, do Decreto-Lei 9.760/1946.

Nessas ações de usucapião relacionadas a terras situadas em Guarulhos-SP e Santos André-SP, a União sustentava possuir interesse na solução do litígio, ao argumento de que a área usucapienda estava encravada em antigo aldeamento indígena, portanto, bem da União, a teor do disposto no Decreto-Lei 9.760/1946, e no artigo 20, incisos I e XI, da Constituição.

A Súmula 650 do Supremo Tribunal Federal teve apenas o condão de cristalizar em definitivo os entendimentos estampados em inúmeros julgados proferidos pelo Colendo Tribunal Regional Federal da 3ª Região e Superior Tribunal de Justiça, especificamente quanto a inexistência de interesse da União em ações de usucapião em terras a que se refere o artigo 1o, alínea h, do Decreto 9.760/1946.

Para o festejado professor, juiz federal doutor Roberto Lemos do Santos filho: É necessário que os operadores do direito atentem ao fato de que aplicação da Súmula 650-STF deve ser realizada aos casos específicos a que ela tem relação, vale dizer, usucapião de terras indígenas a que se refere o Decreto-Lei 9.760/1946, não descurando das orientações constantes da Agenda 21 (ONU/Rio-1992), onde firmadas propostas para assegurar o desenvolvimento sustentável, e determinada a necessidade de proteção da terra indígena.

Também é imperiosa a necessidade da análise e da aplicação do entendimento sedimentado na Súmula 650-STF em conformidade com o disciplinado no artigo 231 da Constituição de 1988, bem como com o preconizado no artigo 14, itens 1, 2 e 3 da Convenção 169 da OIT que versa sobre os direitos dos povos indígenas e tribais.

É necessário ter em mente, portanto, que o próprio Estado estimulou o apossamento de terras indígenas no intuito de expandir as fronteiras agrícolas, especialmente em nosso estado MS, muitas vezes conferindo títulos de terras que desde o Alvará de 1o de abril de 1680, estavam destinadas à satisfação de direitos indígenas.

Não se pode esquecer, igualmente, o fato de a Constituição de 1988 ter reafirmado o indigenato, vale consignar, direito congênito aos índios sobre as terras que ocupam ou ocuparam independente de título ou reconhecimento formal. Ao que pondera Paulo de Bessa Antunes: "A Constituição de 1988, não criou novas áreas indígenas. Ao contrário, limitou-se a reconhecer as já existentes. Tal reconhecimento, contudo, não se cingiu às terras indígenas já demarcadas".

As terras demarcadas, evidentemente, não necessitavam do reconhecimento constitucional, pois, ao nível da legislação infraconstitucional, já se encontravam afetadas aos povos indígenas. A Constituição fez apenas o reconhecimento de situações fáticas, isto é, a Lei Fundamental, independentemente de qualquer norma de menor hierarquia, fixou critérios capazes de possibilitar o reconhecimento jurídico das terras indígenas. Não se criou direito novo.

Carece, portanto, atentar ao fato de que as terras indígenas perteceram aos diversos grupos étnicos, em razão da incidência de direito originário, isto é, direito superior e precedente a qualquer outro que, eventualmente, se possam ter constituído sobre os nossos territórios. A demarcação de nossas terras tem uma única e exclusiva função de criar uma delimitação espacial da titularidade indígena e de opô-la a terceiros.

A demarcação não é constitutiva, ou seja, o que constitui os direitos sobre as nossas terras é a nossa própria presença a vinculação dos índios à terra, cujo reconhecimento foi efetuado pela Constituição Brasileira. Segundo Vicente Greto Filho, "a uniformização de jurisprudência por intermédio de súmula visa o ideal de justiça igual para todos os casos que igualmente se subsumem à mesma norma legal, pois à ordem jurídica repugna que casos iguais sejam julgados de maneira diferente". Adverte o citado mestre que "a interpretação prévia, num caso determinado, ou abstraído de um caso determinado, corre o risco de ser irremediavelmente errada, tendo em vista a sua precipitação e falta de visão de todas as peculiaridades do problema".

A Constituição no Art. 231 nos assegura direitos sobre as terras que: "tradicionalmente ocupam", sendo certo que essa expressão não designa ocupação imemorial, terras ocupadas por índios desde tempos remotos. Tal expressão refere-se ao modo tradicionalmente utilizado pelos indígenas para ocupação e relacionamento com as terras. Segundo Marco Antonio Barbosa: "Visou o legislador constituinte deixar claro que o Estado brasileiro reconhece aos índios direitos territoriais preexistentes ao próprio Estado brasileiro, por isso a utilização das expressões: reconhecidos e direitos originários".

E isso tem importância jurídica porque a nova Constituição brasileira admitiu não sendo ela que veio atribuir esse direito, mas que ela simplesmente reconhece que esse diireito já existia e que se trata de um direito originário, isto é, anterior à própria formação do Estado brasileiro.

Nós os Índios não queremos nação independente! Não queremos 11 milhões de hectares no MS! Não queremos terras dos produtores ou Nação Guarani. QUEREMOS SOMENTE AS DESCRITAS NO § 1o do Art 23, da CF, quais sejam: (...)as utilizadas para nossas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao nosso bem-estar e as necessárias a nossa reprodução física e cultural, segundo nossos usos, costumes e tradições.

*É Índio Residente na Aldeia Jaguapirú, Advogado, , Presidente da CEAI/OABMS (Comissão Especial de Assuntos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de MS); Presidente Comitê de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas de MS, E-mail wilsonmatos@pop.com.br

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