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Demarcação contestada

CB, Política, p. 8
09 de Mai de 2008

Demarcação contestada
Com base em laudo que mostra equívocos, governo de Roraima tenta convencer o Palácio do Planalto a separar áreas de reserva indígena

Leonel Rocha
Da equipe do Correio

O governo de Roraima vai tentar negociar com o Palácio do Planalto a exclusão de cidades, vilas e das fazendas mais antigas da reserva indígena Raposa Serra do Sol. O principal argumento para a retirada dessas áreas dos municípios e das propriedades é que a demarcação das terras indígenas feita pela Fundação Nacional do Índio (Funai) tem falhas técnicas graves. Segundo o laudo pericial e um memorial do caso apresentado pelo governo roraimense ao Supremo Tribunal Federal, o trabalho dos antropólogos da fundação considera tribos inimigas e sem relações de parentesco como moradores históricos da região e com a mesma origem étnica.

Pela proposta a ser apresentada, o perímetro das reservas indígenas passaria fora da área urbana das cidades de Pacaraima e Uiramutã. Nas negociações realizadas há dois anos entre representantes dos índios, governo federal e assessores do governo de Roraima e das prefeituras, a cidade de Normandia foi excluída da reserva Raposa Serra do Sol. Mas agora os índios não admitem abrir mão de outros dois municípios e querem a retirada dos não-índios da região.

Um laudo pericial elaborado por determinação do Tribunal Regional Federal e que está sendo utilizado pelo governo de Roraima para contestar a atual área demarcada para a reserva Raposa Serra do Sol garante que os atuais fazendeiros instalados no estado, principalmente os produtores de arroz, adquiriram suas terras de antigos fazendeiros que ocuparam a região ao mesmo tempo que os índios. O laudo pericial afirma que parte da equipe convocada pela Funai para assessorar na elaboração do laudo antropológico não tinha qualificação para o trabalho ou nem chegou a atuar na confecção do trabalho. O governo de Roraima quer excluir das áreas indígenas, além das duas cidades, a área onde está projetada a hidrelétrica de Gotingo, o lago de Caracanaã e as fazendas antigas.

A direção da Funai nega que o laudo antropológico elaborado pela instituição tenha falhas técnicas. Segundo o coordenador geral de demarcação de terras indígenas da Funai, Paulo Santilli, a região de Roraima onde foram demarcada as áreas Raposa Serra do Sol e São Marcos eram historicamente ocupadas pelos índios Macuxis, Ingaricó, Patamona e Uapixana, considerados parentes, vizinhos e originários do mesmo tronco linguístico do Caribe. Santilli desqualificou o laudo pericial usado pelo governo de Roraima, alegando que o trabalho apresenta falhas históricas.

Depois de viver vários anos nas aldeias e ter escrito vários trabalhos sobre o tema, Santilli garante que todas as tribos indígenas que hoje estão dentro das reservas Raposa Serra do Sol são citadas como moradores da região desde a chegada dos primeiros militares portugueses em 1775, quando foi construído o Forte de São Joaquim. "O território dos indígenas é imemorial e tradicional. Eles são os verdadeiros moradores originais", garantiu Santilli. Ontem, uma comissão da Ordem dos Advogados do Brasil sobrevoou a região e reuniu-se com deputados estaduais para avaliar a questão.

O cronograma do conflito

1998
Ministério da Justiça publica a Portaria no 820, de 11/12, que declara como de posse permanente indígena a Terra Raposa Serra do Sol, com superfície aproximada de 1.678.800ha e perímetro de 1.000km. A partir de então, a Funai e o Incra iniciam o levantamento das benfeitorias realizadas pelos ocupantes da região.

1999
A homologação da Raposa Serra do Sol passa a ser alvo de contestação judicial entre o estado de Roraima e a União. O Ministério Público Federal pede ao Supremo Tribunal Federal (STF) que se declare competente para julgar as ações de fazendeiros locais contra a Portaria no 820/98.

2005
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assina decreto que homologa de forma contínua a terra indígena Raposa Serra do Sol. O reconhecimento foi uma reivindicação histórica dos índios da região - etnias Macuxi, Wapixana, Ingarikó, Taurepang e Patamona. Em abril, o STF extingue todas as ações que contestam a demarcação das terras da reserva. Um dos principais opositores à demarcação, Paulo César Quartieiro, é condenado a 12 meses de prisão por agredir um oficial de Justiça encarregado de citá-lo em processo de desocupação de área indígena.

2006
O STF mantém, por unanimidade, decreto sobre a demarcação da reserva.

2007
Em junho, o STF determina a desocupação da Raposa Serra do Sol por parte dos não-índios. Em setembro, líderes indígenas da reserva e representantes do governo federal assinam carta-compromisso para evitar conflitos na região. No documento, representantes das cinco etnias que vivem na reserva afirmam que não querem mais se envolver nos conflitos pela retirada dos não-índios que ainda permanecem no local. No final do ano, os rizicultores pedem ao Ministério da Justiça que espere a colheita da safra do arroz para deixarem a terra indígena. Não cumprem a retirada e ainda realizam novo plantio. São negadas duas liminares que pedem a suspensão da portaria que demarca terra indígena. O Incra começa o reassentamento dos não-índios da reserva. O órgão pretende reassentar 180 famílias, das quais 130 em lotes de 100 a 500 hectares.

2008
Em março, tendo em vista a escalada de violência no interior da Raposa Serra do Sol, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, encaminha recomendação ao presidente da República e ao ministro da Justiça para que promovam a imediata retirada dos ocupantes não-indígenas. A recomendação é enviada a pedido do Ministério Público Federal em Roraima. Em abril, o STF suspende qualquer operação para retirar os não-índios da reserva, impedindo que a Polícia Federal (PF) dê continuidade à Operação Upakaton 3. A decisão é unânime e vale até que a Corte julgue o mérito das ações principais que versem sobre a demarcação da reserva indígena.

CB, 09/05/2008, Política, p. 8

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