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De Kyoto a Buenos Aires

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: GOLDEMBERG, José
16 de Nov de 2004

De Kyoto a Buenos Aires

José Goldemberg

Os países signatários da Convenção do Clima de 1992 deverão reunir-se em Buenos Aires em dezembro próximo, na sua décima reunião anual. A primeira delas ocorreu em Berlim e aprovou um documento denominado Mandato de Berlim, que deu origem ao Protocolo de Kyoto, adotado em 1997. Esse "mandato" estipulou que os países industrializados (incluindo os países da Europa Oriental e da ex-União Soviética) estabeleciam objetivos de redução quantitativos das emissões dos gases responsáveis pelo aquecimento da Terra, com calendário fixado previamente.
O Protocolo de Kyoto deu "dentes" à Convenção do Clima, que se ateve a declarações genéricas e a exortações para que os países reduzissem suas emissões. Ele determinou que, no seu conjunto, os países industrializados reduziriam suas emissões 5,2% abaixo das emissões de 1990 e que esse objetivo deveria ser atingido entre 2008 e 2012. Ele estabeleceu, também, que esses objetivos não seriam aplicáveis aos países em desenvolvimento, que haviam sido isentos de limitações das suas emissões pela convenção adotada no Rio de Janeiro em 1992.
Com a ratificação pela Rússia, o protocolo entrará em vigor, o que dá novas esperanças de que medidas concretas sejam tomadas para evitar o aquecimento da Terra e as mudanças climáticas daí resultantes, apesar da recusa dos Estados Unidos - o maior emissor mundial - de participar dele.
De acordo com o que ficou acertado em Kyoto, as negociações para o que acontecerá após 2012 deverão ser iniciadas em 2005. Não é por outra razão que o nome da reunião de Buenos Aires é "A Convenção do Clima após 10 anos: realizações e desafios futuros".
Com isso, a conferência de Buenos Aires, que seria, em princípio, uma reunião de caráter burocrático, como muitas outras, ganhou nova vida e passou a ser uma reunião importante. Nela poderia ser adotado um novo mandato para o estabelecimento de novas metas para redução das emissões pelos países industrializados e o que fazer em relação aos países em desenvolvimento. Estudos científicos disponíveis indicam que reduções de 20% a 45% abaixo de 1990 serão necessárias até 2025, o que vai exigir um grande esforço multilateral, principalmente desses países.
Além disso, estará na ordem do dia - ou na mente dos negociadores - a oportunidade de participação dos países em desenvolvimento, que até 2012 estão isentos das obrigações do Protocolo de Kyoto. Esta é uma situação que não pode perdurar indefinidamente. As emissões da China, da Índia, do Brasil (incluindo o desmatamento) e outros estão crescendo de tal forma que, em 2025, suas emissões poderão superar as dos países industrializados. Mais cedo ou mais tarde, os países em desenvolvimento terão de contribuir para a limitação das emissões mundiais ou, melhor ainda, adotar um modelo de desenvolvimento que evite as emissões insustentáveis que caracterizam os países da Europa ou os Estados Unidos.
No momento, ações que levem à redução das emissões nos países em desenvolvimento - como aumento da eficiência energética, substituição de combustíveis por outros menos poluentes e uso de energias renováveis, como a biomassa - oferecem grandes oportunidades, inclusive para a venda de certificados de carbono por meio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo - que foi criado pelo Protocolo de Kyoto justamente para ajudar os países industrializados a reduzir suas emissões, por meio de ações que ocorram nos países em desenvolvimento.
Este mecanismo tem forte apelo: reduzir as emissões de uma tonelada de carbono na Europa ou no Japão pode custar hoje cerca de US$ 100, mas até menos de US$ 10 em países como o Brasil. Se é certo que ajudará a atenuar os problemas, é sabido, contudo, que não vai resolvê-los, porque o mecanismo tem suas limitações. Outras medidas serão necessárias.
A Convenção do Clima encoraja os países industrializados a transferir tecnologia aos países em desenvolvimento, o que se converteu numa bandeira do Grupo 77, ao qual o Brasil pertence. Entretanto, esta bandeira, que serviu bem à retórica diplomática, perdeu muito do seu conteúdo nos dias de hoje, com a economia globalizada. Os governos de países - mesmo os mais ricos - não têm tecnologia a transferir, exceto as de caráter militar. Todas as outras estão nas mãos de empresas e só o comércio internacional poderá fazê-lo. O foro mais adequado para estas discussões não é a Conferência das Partes dos signatários da Convenção do Clima, mas a Organização Mundial do Comércio, onde se pode negociar a redução das barreiras alfandegárias para produtos que representem redução de emissões. Bancos multilaterais, como o Banco Mundial, poderiam também ter papel nesta área, privilegiando empréstimos em áreas que levem à redução de emissões.
O problema é encontrar governos suficientemente esclarecidos para avaliar estrategicamente o momento e fazê-lo. O governo da China tem declarado que partilha destas idéias, mas só adotará programas e tecnologias de sua própria escolha e não se sujeitará a decisões internacionais, posição que está muito próxima da dos Estados Unidos.
O Brasil, se souber pensar como líder, e com olhos no futuro, deveria preparar-se para colocar suas próprias propostas na mesa das negociações: metas de produção de energia renovável (que estão ocorrendo no País), redução das taxas de desmatamento da floresta amazônica e ações de reflorestamento em áreas degradadas são possibilidades plausíveis e contribuiriam para uma solução global.
A Conferência das Partes em Buenos Aires deveria considerar estas opções e adotar um novo mandato, como o de Berlim.

José Goldemberg é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo

OESP, 16/11/2004, Espaço Aberto, p. A2

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