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A via-crúcis que leva a Belém

CB, Brasil, p. 22
25 de Mar de 2004

A via-crúcis que leva a Belém
Mal sinalizada e esburacada do começo ao fim. É essa a situação do caminho que liga Brasília à capital paraense, como mostra a segunda reportagem da série sobre as rodovias brasileiras

Ulisses Campbell
Enviado Especial

Belém (PA) - A Belém-Brasília é uma estrada de gigantes. As carretas e os ônibus que trafegam por ela costumam ter mais de 10 metros de altura e 20 de comprimento. Algumas árvores que margeiam a maior parte da pista - ou do que resta dela - são seculares e passam dos 40 metros de altura. Cerca de 1,5 milhão de pessoas moram nas 58 cidades e povoados próximos à rodovia. A extensão da via também é imensa: 2,5 mil quilômetros.

O Correio percorreu cada quilômetro que separa Brasília de Belém e constatou que gigantes também são os problemas que cercam a estrada construída pelo presidente Juscelino Kubitschek. O asfalto em toda a rodovia é de péssima qualidade. Há buracos espalhados praticamente por todos os trechos. As poucas placas de sinalização ainda não estão destruídas pelo tempo, mas foram engolidas pelo mato.

Gigante ainda é o perigo que representa usar essa estrada. Principalmente à noite. Boa parte do trecho que corta o Pará não tem acostamento. Em Goiás, o excesso de crateras obriga os caminhões a fazer um balé tão perigoso que muitas vezes termina em morte. Sem falar nos riscos de assaltos.

Para quem segue de Brasília rumo à capital paraense, o primeiro obstáculo surge em Anápolis (GO). Tão logo a estrada começa, há uma placa advertindo: Perigo. Trecho em obra permanente. Mas, nem de longe, a mensagem traduz a temeridade que vem pela frente. Nos 15 primeiros quilômetros há quatro desvios e três atoleiros oriundos de construção de pontes que duram mais de dois anos. Por conta desses desvios, a rodovia fica engarrafada durante o dia e início da noite. Na fila do congestionamento, predominam as carretas.

Disputa injusta
A concorrência entre veículos pesados e carros de passeio na Belém-Brasília é injusta. Nos trechos esburacados, um carro popular não passa de 20 quilômetros por hora diante de tantos desvios e inevitáveis ''visitas'' a buracos. Ônibus e caminhões que têm suspensão a ar trafegam a 60 Km/h em pista precária. Só desviam das crateras maiores. ''O impacto nos buracos é diferente porque os carros comuns têm amortecedor de mola'', explica o mecânico Roberto Teixeira.

Na verdade, dirigir na Belém-Brasília à noite é um ato de coragem. No escuro, os donos da estrada são os caminhoneiros. Imponentes, as carretas que eles dirigem correm a até 120 quilômetros por hora. Com suspensão resistente, passam pelos buracos com bem mais velocidade do que os carros de passeio. Com medo de assalto, os carreteiros preferem andar em comboio. Ao ultrapassarem um carro de passeio, deixam para trás uma poeira grossa que compromete a visibilidade. Os caminhoneiros dirigem a noite também para fugir do calor.

A Belém-Brasília corta quatro estados e é o principal eixo de integração da Região Norte com o restante do país. Os problemas dessa rodovia podem ser divididos em etapas. Em Goiás, a estrada tem o pior trecho. Os buracos estão espalhados por todos os cantos e há pedaços em que o asfalto deu lugar a uma terra batida e empoeirada. Quando chove, o chão vermelho transforma-se em lama.

Tempo perdido
No estado do Tocantins, a Belém-Brasília está conservada graças à manutenção periódica. Com asfalto plano e regular, é o melhor trecho. Há placas de sinalização e acostamento dos dois lados. Por incrível que pareça, essa perfeição toda representa perigo. É que ônibus e caminhões que perderam tempo nos trechos esburacados de Goiás e Maranhão tentam tirar o atraso correndo o máximo que podem. A pressa ocorre porque a maioria dos motoristas tem hora para chegar ao local de origem. Há carretas que alcançam até 120 quilômetros por hora na parte tocantinense da estrada. Nessa hora, a Belém-Brasília vira um palco de medo.

Foi confiando no asfalto perfeito que o fiscal da empresa Transbrasiliana, Jovelino Soares, 34 anos, se deu mal. Ao dirigir uma caminhonete D-20 (KCG 9771) pela Belém-Brasília a 140 quilômetros por hora, segundo relato de testemunhas, o carro capotou quatro vezes e foi parar no meio do mato. Com suspeitas de traumatismo craniano, Jovelino foi levado às pressas para o hospital de referência de Araguaína. O acidente aconteceu no sábado, 12, e o fiscal fazia ronda justamente para averiguar se algum ônibus da empresa estava abusando da alta velocidade.

No trecho maranhense da Belém-Brasília, o asfalto volta a ficar precário. Entre Açailândia e Imperatriz, o recapeamento malfeito oferece riscos, porque a primeira camada de asfalto está soltando. O caminhoneiro Antônio Santana, 34, reclama da buraqueira e da sinalização precária. Na semana passada, ele dirigia um ônibus com 36 passageiros que seguida de São Luís a Brasília. De tanto frear para desviar de buracos, a roda superaqueceu, provocando um incêndio que deixou os passageiros em pânico. A substituição da peça durou cinco horas.

No Pará, graças a um convênio firmado entre o governo federal e o Banco Mundial (Bird), o Departamento Nacional de Infra-estrutura e Transporte (Denit) está recuperando 572 quilômetros da rodovia desde novembro do ano passado. Da divisa do Maranhão até Belém, a estrada só não pode ser classificada como boa porque de vez em quando ainda surgem alguns ''buracos-surpresa'' na pista.

1 Goiás
Aqui, a Belém-Brasília está em seu pior estado de conservação. Há buracos espalhados por todos os lados. Em Anápolis, há desvios e atoleiros. No horário de pico, os desvios provocam engarrafamentos gigantescos. Mal sinalizado, o trecho goiano da estrada também oferece perigo.

Entre os quilômetros 300 e 358, há muitos buracos por todos os lados. Muito cuidado com o recapeamento malfeito. Os piores trechos estão em Anápolis, Rialmas e Jaraguá. Nos 15 primeiros quilômetros, há desvios perigosos.

2 Tocantins
A Belém-Brasília é conservada nesse estado e recebe manutenção periódica. Mas o recapeamento pobre fez a última camada de asfalto se soltar em boa parte da rodovia. Não há muitos buracos. Com isso, os motoristas de caminhão aproveitam para correr. Esse fator aumenta o número de acidentes.

Entre a BR-242 e a TO-050, o recapeamento está se soltando. Principalmente entre as cidades de Príncipe e Bonfim. Entre a TO-239 e a TO-010, há alguns buracos. Eles estão próximos das cidades de Santa Maria do Tocantins e Itacajá.

3 Maranhão
A Belém-Brasília tem no Maranhão seu menor trecho. Assim como no Tocantins, o asfalto foi recapeado em vários pontos, mas se soltou em boa parte da estrada. Quando menos se espera, buracos surpreendem motoristas que dirigem em alta velocidade. Muitas vezes, a tentativa brusca de desviar o carro da ''armadilha'' provoca acidentes.

O pior trecho encontra-se entre a BR-226 e a MA-138. A sinalização é deficiente, principalmente entre as cidades de Carolina e Estreito. Entre a BR-226 e a MA-122, o asfalto está deformado e há buracos por todos os lados. Principalmente próximo às cidades de Porto Franco e Imperatriz.

4 Pará
A Belém-Brasília está sendo recuperada em seu último trecho. Mas as chuvas intensas que desabam na Amazônia e o tráfego pesado de ônibus e caminhões fazem com que essa recuperação dure pouco. A vegetação densa que margeia a estrada representa um perigo natural. Com as fortes chuvas, as árvores desabam de surpresa ao longo da pista. A estrada é essencial ao desenvolvimento da região, porque é a única alternativa por terra para escoamento da produção agrícola do Norte.
Para quem vem de Belém, entre o quilômetro 0 e o 178, há alguns buracos na pista. O maior perigo é o acostamento, que está tomado pelo mato em vários pontos. Os piores trechos estão entre os municípios de Eliseu, Ulianópolis e Paragominas

Rota perigosa

2,5 mil quilômetros é a extensão da Belém-Brasília, rodovia que atravessa quatro estados brasileiros

1.833 acidentes foram registrados pela Polícia Rodoviária Federal em três anos - 196 pessoas morreram

R$ 227 milhões é quanto o governo federal pretende investir na recuperação da Belém-Brasília

Idéia de Kubitschek

A Belém-Brasília foi idealizada, juntamente com a capital do país, nos anos 50. É o marco mais visível da febre de asfalto que tomou conta do Brasil no governo de Juscelino Kubitschek. Contribuiu para o desenvolvimento e o povoamento da Amazônia. Facilitou assentamentos e até hoje escoa produção rural de várias cidades do interior das regiões Norte e Centro-Oeste. Concluída em 1974, a rodovia nunca foi refeita. Deveria ter sido restaurada antes de 1985, conforme prevê o projeto original da rodovia. Até agora, o governo fez apenas remendos na maior parte dos trechos. De Anápolis (GO) até Aparecida do Rio Negro (TO), é possível ver como o remendo executado ao longo da estrada foi malfeito. A camada mais recente de asfalto está soltando aos poucos, e a camada inferior, mais resistente, está à mostra em vários pontos.

CB, 25/03/2004, Brasil, p. 22

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