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Crítica a projeto de Bolsonaro para terras indígenas une ex-presidente da Funai e deputado ruralista

O Globo, País, p. 8
26 de Jan de 2020

Crítica a projeto de Bolsonaro para terras indígenas une ex-presidente da Funai e deputado ruralista

Para Márcio Santilli e Édio Lopes (PL-RR), proposta do governo que libera exploração econômica é muito abrangente e traz riscos

Camila Zarur
26/01/2020 - 04:30

RIO - Apesar de militarem em lados opostos, o ex-presidente da Funai e fundador do Instituto Socioambiental (ISA), Márcio Santilli, e o deputado Édio Lopes (PL-RR), da bancada ruralista e relator do antigo projeto de lei para regulamentar a exploração mineral em terras indígenas, de 1996, criticam a proposta preparada pelo governo Bolsonaro que libera a exploração econômica ampla em áreas demarcadas. Ambos afirmam que o texto em elaboração é muito abrangente e enfrentará dificuldades no Congresso.

Para Santilli, a retirada do poder de veto dos povos indígenas é mais radical até mesmo do que o posicionamento das empresas de mineração. Segundo ele, a possibilidade de exploração sem o aval de comunidades que vivem em terras demarcadas pode trazer insegurança jurídica para empresas interessadas em empreendimentos nessas áreas.

- É algo questionável sob vários aspectos, tanto do ponto de vista ético quanto legal. Mas a questão vai além. As empresas mineradoras também não endossam essa posição - afirma o ex-presidente da Funai. - Não há a menor possibilidade de segurança jurídica quando se fala de um tipo de ocupação por décadas em um local em que o grupo é contrário à presença das empresas.

A Constituição prevê a exploração desde que haja uma lei complementar para regulamentar o uso das terras e que as comunidades afetadas sejam consultadas. Para Santilli, presidente da Funai entre 1995 e 1996, a consulta aos povos indígenas é imprescindível:

- O que as empresas nos dizem é que o consentimento da comunidade é fundamental. Sem ele, não teria nem dinheiro para investir em projetos desse tipo. Portanto, a posição do governo, se ela se confirmar, é mais radicalmente contrária aos direitos dos índios do que a própria posição das mineradoras.

Já Lopes, que vê o projeto sobre mineração que relata seguir em tramitação desde 1996, diz que não se pode aprovar uma lei "de qualquer jeito" e que há risco para o meio ambiente e para os povos indígenas.

- Nós não podemos aprovar uma lei de qualquer jeito. Isso seria um desastre para o meio ambiente e uma tragédia para povos indígenas - diz o deputado, que é favorável à exploração de minérios em terras indígenas.

Ele, porém, discorda de Santilli quanto ao suposto apoio das empresas à manutenção do poder de veto por parte dos indígenas:

- Seria uma ingenuidade achar que as grandes empresas vão ter esse senso de responsabilidade com os povos indígenas.

Santilli e Lopes avaliam que a abrangência do projeto vai causar relutâncias para sua aprovação. A proposta, além da mineração, pretende autorizar a exploração de petróleo e gás natural, além da construção de hidrelétricas.

- Se aprovar a mineração em terras indígenas já é uma tarefa muito difícil, imagina trazer para o seio dessa proposta petróleo, gás, hidrelétricas - diz Lopes.

A Constituição prevê a necessidade de regulamentação da mineração, mas não cita a possibilidade de outros tipos de exploração.

- Ao tratar de todas essas atividades, você acaba extrapolando os limites da Constituição - diz Santilli.

O Globo, 26/01/2020, País, p. 8

https://oglobo.globo.com/brasil/critica-projeto-de-bolsonaro-para-terra…

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