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Crime foi cometido na Casai

CB, Brasil, p. 15
28 de Jun de 2008

Crime foi cometido na Casai
Investigações da Polícia Civil do DF confirmam que a adolescente não deixou a Casa de Apoio à Saúde Indígena na data provável em que sofreu a violência e esteve todo o tempo acompanhada pela mãe e a tia

Guilherme Goulart, Renato Alves
e Diego Amorim
Da equipe do Correio

A violência cometida contra a índia Jaiya Pewewiio Tfiruipi Xavante, 16 anos, ocorreu dentro da Casa de Apoio à Saúde Indígena do Distrito Federal (Casai), no Gama. Informações levantadas pela Polícia Civil do DF confirmam que a adolescente não deixou o local entre a noite de terça e a madrugada de quarta-feira, data provável do crime. Também nenhuma pessoa estranha visitou o abrigo no horário. Apenas familiares - a mãe, Carmelita, e a tia Maria Imaculada Xavante - a acompanhavam e poderiam esclarecer o mistério. Mas voltaram à aldeia São Pedro, em Mato Grosso, para o enterro da menina.
Jaiya morreu no fim da manhã da última quarta-feira em decorrência de uma infecção generalizada. Exame preliminar feito pelo Instituto de Medicina Legal (IML) detalhou a violência usada no crime. A adolescente, de 1,35m, 33kg e com problemas neurológicos e motores por causa de uma meningite, teve os órgãos sexuais perfurados por objeto de cerca de 40cm de comprimento. O ataque provocou rompimentos no estômago, baço e diafragma. A vítima recebeu atendimento de emergência no Hospital Universitário de Brasília (HUB), mas não resistiu a duas paradas cardíacas.
Para o delegado-chefe da 2ª Delegacia de Policia (Asa Norte), Antônio Romeiro, o responsável pela barbárie tinha intenção de matar Jaiya. "Parece que o objetivo era provocar graves lesões e a morte da vítima", afirmou. Ao contrário do que disse quinta-feira, no entanto, o policial hoje tem dúvidas se houve estupro e atentado violento ao pudor contra a menina. "A violência sexual é questionável, mas é preciso esperar o laudo definitivo. 0 que sabemos é que não havia ninguém estranho na casa. E é possível que ela (a índia) não tenha ficado sozinha em nenhum momento", avaliou Romeiro.
Agentes da 2ª DP vasculharam ontem mais uma vez o quarto da índia e os arredores da Casai. Encontraram bambus, flechas e pedaços de pau, objetos que poderiam ser usados para matar Jaiya.
Para investigadores envolvidos no caso, tudo leva ao ambiente familiar. Eles estranham o comportamento dos parentes da vítima, que negam ter havido qualquer violência na madrugada de quarta. "Eles ficam mudos quando perguntamos o que houve naquele dia. Se o crime tivesse sido cometido por alguém de fora, os índios teriam declarado guerra e fechado a rodovia", contou um dos agentes.
Vigilância
Os vigilantes que fazem a segurança da Casai disseram ao Correio ser impossível que pessoas estranhas tenham estado no local.
Eles garantiram que os dois prédios são vigiados 24h. Um dos que fazia plantão na madrugada de quarta-feira contou que, por volta das 3h, começou uma grande movimentação no quarto onde Jaiya dormia com a mãe e a tia. A menina chorava e vomitava. 0 barulho acordou os outros índios. A menina foi medicada pelas enfermeiras
do abrigo ainda no quarto, que costumava ficar trancado. Ela deixou o local em direção ao HUB acompanhada da mãe por volta das 9h.
A polícia também se concentrou em depoimentos de pessoas que acompanharam o sofrimento da índia. Ouviu dois vigias e uma técnica de enfermagem do abrigo do Gama, além de duas parentes próximas da garota. A enfermeira foi quem sugeriu a ida da adolescente ao HUB, logo depois de examiná-la por conta de reclamações de dores abdominais. Os esclarecimentos das outras mulheres, que falam mal o português, tiveram o acompanhamento da chefe da Casai no DF, Elenir Oroaia. 0 conteúdo das informações não foi revelado pelos investigadores.
Jaiya, a mãe e a tia estavam no Distrito Federal para tratamento da lesão neurológica grave no Hospital Sarah Kubitschek, na Asa Sul. A família xavante chegou de Mato Grosso ao abrigo especial em 28 de maio e, desde então, cumpria o trajeto Gama-Plano Piloto. A instituição é mantida pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e serve como hospedagem aos indígenas em tratamento hospitalar na capital do país pelo Sistema único de Saúde (SUS). A vítima estava, no DF sob a responsabilidade do governo federal.

Punição para índio ou branco

Renato Alves e Pablo Rabello
Da equipe do Correio

Para a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), não há dúvida de que ocorreu uma barbárie na Casa de Saúde Indígena (Casai) do Distrito Federal na madrugada de quarta-feira. Responsável pelo abrigo onde Jaiya Pewewiio Tfiruipi Xavante foi atacada, o órgão defende punição ao autor da violência, mesmo que seja um índio. E garante colaborar com a investigação policial.
As declarações foram dadas ontem pelo diretor de Saúde Indígena da Funasa, Wanderley Guenka, na primeira manifestação verbal da fundação sobre o caso - na quinta-feira, a entidade divulgou uma nota oficial. "12 um crime bárbaro. A direção da Funasa está indignada", afirmou o dirigente. Ele ressaltou que a violência "causa constrangimento" à fundação por ter ocorrido em uma unidade do órgão. "Houve um crime e tem que se buscar uma resposta", completou.
Guenka concedeu entrevista ao lado da chefe da Casai do DF, Elenir Coroaia, que se mostrou muito mais amena. "Pelo que relataram os funcionários e hóspedes, não houve nada de anormal dentro da Casai naquele dia. Não houve gritos, confusão", comentou Elenir, que também é enfermeira. Ela não soube explicar como ninguém ouviu qualquer som emitido pela menina, já que os cômodos do abrigo são cercados por divisórias comuns, como as de escritório, e o lugar estava lotado.
Elenir disse que a casa tem capacidade para 50 hóspedes e estava com 56 no dia do ataque à Jaya Xavante. Apesar de não estar no abrigo durante as agressões, ela afirmou acreditar na versão apresentada pela mãe da vítima, Carmelita Xavante, de que não houve agressão no quarto onde a menina dormia. No cômodo, além da adolescente, estavam a mãe e uma tia da menina, Maria Imaculada Xavante. A informação foi confirmada por Elenir. Ela acrescentou que a família dormia com a porta trancada por dentro.
Uma índia camayurá que veio visitar o pai na Casai do DF afirmou ao Correio ter visto Jaiya algumas vezes e conversado com a mãe dela. Contou que a menina estava sempre na companhia de ao menos duas parentes. 'A vi uma vez do lado de fora da casa. Ela se manifestava com gestos e estava junto de quatro mulheres", relatou. "A família ficava sempre perto dela porque a mãe tinha medo da reação de outros xavantes, que não gostavam de Jaiya porque era portadora de necessidades especiais", emendou.
No início da tarde, o cacique de uma tribo xavante de Mato Grosso, Tsuime Abhoodi, esteve no Casai. "Branco ou índio, doa a quem doer, vai ter que pagar", cobrou, revoltado. "Ninguém tem o direito de tirar a vida de ninguém. Ainda mais de uma adolescente indefesa."
Funeral
Uma funcionária da Funasa, que preferiu não se identificar, impediu Carmelita Xavante de conversar com a imprensa. A índia esteve ontem no Instituto de Medicina Legal (IML) para liberar o corpo da filha, por volta das 10h. Ela ficou a maior parte do tempo calada, enquanto a acompanhante cuidava dos trâmites legais. Na saída, a funcionária conduziu a xavante para um carro e tentou impedir filmagens e fotografias. Chegou a bater nas câmeras com um jornal.
A assessoria de comunicação da Funasa afirmou que a reação da funcionária foi uma atitude isolada e o órgão estava aberto para esclarecer as dúvidas dos jornalistas. No entanto, uma fonte ouvida pelo Correio revelou a existência de uma tentativa de esconder os familiares de Jaiya da imprensa. Os parentes da menina foram levados, por volta das 8h, para uma unidade da Funasa no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), onde funciona um almoxarifado e um centro de saúde indígena. Somente a mãe deixou o local pela manhã para ir ao IML. Todos deixaram o SIA às 17h, em uma caminhonete.
0 corpo de Jaiya foi transportado por uma funerária de Ceilândia. Seguiria de carro para a tribo dela, no interior do Mato Grosso. A menina será enterrada onde nasceu, na aldeia São Pedro, no município de Campinápolis, a 650km de Brasília.

A vítima
Jaiya Pewewiio Tsiruipi Xavante, 16 anos Nasceu na aldeia São Pedro, em Campinápolis (MT).
Estava em Brasília para tratar-se no Hospital Sarah Kubitschek.
Morreu na quarta-feira, de infecção generalizada.

CB, 28/06/2008, Cidades, p. 30

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