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Cresce pressão no STF por demarcação

Valor Econômico, Brasil, p. A13
02 de Set de 2021

Cresce pressão no STF por demarcação
Ruralistas e governo temem cenário de placar apertado na corte sobre marco temporal, que trata de novas regras para terra indígenas

Por Isadora Peron - De Brasília 02/09/2021

A possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) formar maioria para rejeitar a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas tem aumentado a pressão para que haja um pedido de vista para interromper o julgamento. Segundo o Valor apurou, representantes do governo e do agronegócio têm defendido, em conversas com ministros, que esse assunto deve ser definido pelo Congresso - onde tramita um projeto sobre o tema. Se não houver um pedido de vista, ou seja, se nenhum ministro pedir para interromper o julgamento, a previsão é de um placar apertado, com chance de rejeição do marco temporal. A tese, apoiada por ruralistas, prevê que os indígenas só podem ter direito a terras que já estavam ocupadas por eles até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Ontem, o plenário retomou o julgamento, que havia começado na semana passada, mas a sessão foi destinada a ouvir as sustentações orais. Dos 39 inscritos, 21 se manifestaram. O restante falará hoje. Devido ao grande número de pessoas que ainda precisa se manifestar, o mais provável é que a votação só comece, de fato, na próxima semana, após o feriado do 7 de Setembro. O primeiro a votar será o relator Edson Fachin, que no plenário virtual já se manifestou contra a imposição de um marco temporal. O recurso em análise no STF foi impetrado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) em 2016 contra uma decisão judicial que autorizou a reintegração de posse, pelo governo de Santa Catarina, da terra indígena Ibirama-Laklãno, ocupada pelos Xoklengs.

A decisão dos ministros da corte terá repercussão geral, ou seja, terá impacto em mais de 300 processos de demarcações de terras indígenas em andamento em todo o país. Durante a sessão de ontem, representantes dos Xoklengs lembraram da violência com que os povos indígenas sempre foram tratados. Para eles, o marco temporal é "a negação do que diz a Constituição". "O povo Xokleng era caçado por bugreiros e os caçadores de índios levavam os pares de orelhas ao governo de Santa Catarina e o governo pagava por isso. Depois ocorria, então, a divisão das terras", disse Rafael Modesto. Segundo ele, até casos de crucificação de indígenas foram relatados. "Esse foi modus operandi para expulsar indígenas de suas terras. Vendiam terras ocupadas por indígenas como se devolutas fossem e depois expulsavam os indígenas." Ontem, a maioria dos inscritos se manifestou contra o marco temporal, entre eles representantes da Articulação dos povos Indígenas Do Brasil (Apib), do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba) e do Instituto Socioambiental (ISA). A advogada do ISA, Juliana de Paula Batista, rebateu a afirmação de que há "muita terra para pouco índio" no Brasil. Ela apontou que, hoje, os indígenas ocupam apenas 13% das terras brasileiras.

Já a representante da Conectas Direitos Humanos, Julia Mello Neiva, lembrou que a comunidade internacional está acompanhando o julgamento e defendeu que a tese do marco temporal ignora o violento histórico de expulsão de povos de suas terras. Também na sessão de ontem, o advogado-geral da União, Bruno Bianco, que representa o governo Jair Bolsonaro no STF, fez uma defesa do marco temporal. Ele citou o caso da terra indígena Raposa Serra do Sol, e pediu para que os mesmos pressupostos sejam adotados neste julgamento, em nome da segurança jurídica e da e da "pacificação social". Ao julgar o caso, em 2009, o STF deu uma decisão favorável aos povos originários, sob o argumento de que eles já estavam naquele território quando foi promulgada a Constituição. Para Bianco, com essa decisão, a corte estabeleceu as "balizas e salvaguarda" para a promoção dos direitos indígenas e para a garantia da regularidade da demarcação de terras.

Valor Econômico, 02/09/2021, Brasil, p. A13

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/09/02/cresce-pressao-no-stf…

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