VOLTAR

Crédito caro esvazia leilão de transmissão

Valor Econômico, Empresas, p. B2
27 de Ago de 2015

Crédito caro esvazia leilão de transmissão

Natalia Viri

O aumento nas taxas de remuneração e no prazo de construção não foi suficiente para atrair grande interesse para o leilão de linhas de transmissão, realizado ontem pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Dos onze lotes licitados, apenas quatro receberam propostas e o governo conseguiu licitar apenas R$ 1,5 bilhão em investimentos, ou cerca de 20% do total de R$ 7,8 bilhões previstos.
O resultado, considerado "aquém do esperado" pela própria agência reguladora, veio pouco mais de duas semanas após o governo anunciar que pretende licitar R$ 70 bilhões em investimentos em linhões até 2018. O principal problema, apontam especialistas, é o forte aumento no custo de financiamento. "Apesar do aumento aprovado recentemente, a taxa de retorno está longe de ser apropriada", afirma Claudio Sales, do instituto Acende Brasil.
No começo do ano, a Aneel elevou a taxa mínima de remuneração, dada pelo custo médio ponderado de capital (Wacc), de 5,5% para cerca de 8%, e estendeu o prazo de construção, o que reduz os riscos de atraso na entrega. A mudança, diz Sales, não foi suficiente, em meio à redução dos itens financiáveis pelo BNDES, que passou de 50% para 70% e dos aumento da taxa de básica de juros. As debêntures de infraestrutura, principal aposta do banco de fomento para diversificar as fontes de financiamento, tem saído por cerca de 9% ao ano mais a inflação. "Se quiser atrair interessados para novos projetos, o retorno vai ter de aumentar", ressalta Sales.
Entre as empresas que arremataram lotes, a percepção é que as restrições de financiamento limitaram a concorrência. Em três lotes, as ofertas foram únicas e, apenas em um deles, para construção de uma subestação em Goiás, houve duas propostas - a estatal Celg saiu vitoriosa, com deságio de 15,5% em relação à receita máxima anual permitida, vencendo os chineses da State Grid, que ofereceram desconto de 5,5%.
"Acredito que a maior parte dos nossos colegas não conseguiram a alavancagem necessária", disse o vice-presidente da Celgpar, Elie Chidiac. A empresa pretende financiar 80% dos R$ 128 milhões necessários para colocar o projeto de pé com recursos próprios. Apenas 20% devem vir de empréstimos do BNDES.
Novata no segmento de transmissão, a paulista Planova levou um lote de 158 quilômetros de linhas no Rio Grande do Sul -sem deságio em relação à receita anual de R$ 17,7 milhões - e pretende financiar metade dos R$ 111 milhões em investimentos com recursos do BNDES. Outros 30% devem vir de debêntures de infraestrutura e 20% de recursos próprios.
Apesar de ter levado o lote, o presidente do conselho da empresa, Sérgio Facchini, fez duras críticas às restrições do BNDES. "O governo está com um pé no acelerador e outro no breque. Quer estimular investimentos, mas com o BNDES participando de forma menor. Há um problema seríssimo de financiamento", afirmou.
A Aneel reconheceu que o leilão "não foi satisfatório" e disse que vai avaliar as condições para os próximos certames. O diretor Reive de Barros, no entanto, sinalizou que um aumento adicional nas taxas de retorno é pouco provável. "A receita [máxima permitida] já foi um problema, mas agora está adequada", ressaltou. O principal empecilho, diz ele, são as restrições econômico-financeiras dos potenciais participantes. "Percebemos que existe oferta grande de projetos e redução de empreendedores. Muitos deles estão com empreendimentos atrasados, o que pode ter sido impeditivo", disse.
A espanhola Isolux arrematou dois lotes de transmissão, um no Pará e outro em Rondônia, com deságios de 1,49% e 0,12%, respectivamente. Lotes importantes, como os que escoariam a energia a ser produzida pelas usinas do Rio Teles Pires, não receberam oferta. A Aneel já reconhece a possibilidade de que haja "descasamento" entre a construção dos linhões e a entrada em operação dos projetos.
A postura mais austera da chinesa State Grid, que chegou a se habilitar para esse lote, chamou a atenção - a empresa vinha impressionando pelos deságios agressivos nos leilões de Belo Monte e nos primeiros bipolos de Teles Pires. A Eletrobras, que vinha marcando participação nos últimos anos, manteve a posição conservadora verificada desde o começo de 2015 e ficou de fora do certame. De acordo com o Acende Brasil, desde 2013 quase 30 lotes de transmissão não receberam propostas e deixaram de ser licitados.

Valor Econômico, 27/08/2015, Empresas, p. B2

http://www.valor.com.br/imprimir/noticia_impresso/4197796

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.