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Consórcio atropela legislação, pede nova licença para Belo Monte e ignora obras de compensação

ISA - www.socioambiental.org
05 de Out de 2010

A grande imprensa vem noticiando que o consórcio Norte Energia, vencedor do leilão para construção e exploração da obra, espera conseguir uma licença "parcial", ainda este mês, para já começar a instalar o canteiro de obras. Esse tipo de licença, não previsto na legislação que regulamenta a matéria, permitiria que a obra começasse antes do consórcio cumprir todas as exigências que lhe foram impostas ao longo do processo de licenciamento. Em reunião com representantes do Movimento Xingu Vivo para Sempre, o servidor Adriano Rafael Arrepia de Queiroz, da diretoria de Licenciamento Ambiental, do Ibama, confirmou a informação de que foi feito um pedido de licença parcial na última quinta-feira (30/9). "Estamos analisando o pedido", confirmou Queiroz, acrescentando que não há data prevista para a resposta.

"Isso é um absurdo, já aconteceu nas obras das hidrelétricas do Rio Madeira e está se repetindo em Belo Monte", avalia o advogado e coordenador adjunto do Programa Política e Direito Socioambiental do ISA, Raul Silva Telles do Valle. "Estão querendo atropelar o processo novamente, criando um fato consumado".

O grande problema é que, segundo informações da Funai e do próprio Ibama, praticamente nenhuma das 40 condicionantes estabelecidas na licença ambiental foi cumprida ou sequer iniciada até o momento. Na semana passada o Ministério Público Federal (MPF) notificou o Ibama de que, sem o cumprimento das condicionantes estabelecidas na licença para essa fase do processo, não poderia o órgão dar qualquer tipo de licença de instalação, parcial ou definitiva.

"Estamos reforçando o acompanhamento das condicionantes. Elas dizem respeito às terras indígenas e às necessidades relevantes para a sociedade da região no âmbito da saúde, do saneamento básico, da educação e do transporte, considerando que os estudos de impacto da obra apontam também para um crescimento da população com o início das obras", afirma o procurador da República, Bruno Alexandre Gutschow, de Altamira. "Até agora, o não cumprimento das exigências impede a emissão de licença de instalação do canteiro de obras", completa o procurador Cláudio Terre Amaral, também do MPF em Altamira.

Sem cumprir as obrigações, obra não pode ser iniciada

Para Raul do Valle, o perigo de se autorizar o início da obra sem que as condições sejam cumpridas é que elas nunca sejam realizadas. "Na hora de vender a obra à sociedade, ela é perfeita e vem acompanhada de todas as condições para garantir que todos os impactos serão mitigados ou compensados. Mas, depois que conseguem a licença, passam a selecionar aquelas que são mais fáceis e baratas de cumprir, empurrando para a eternidade as mais complexas, justamente as mais importantes. Por isso vão picotando o licenciamento, pedindo - e obtendo - várias pequenas licenças para que em nenhum momento seja cobrado o cumprimento global das condições. Quando formos ver, a obra já estará pronta e nada foi feito. Aí será tarde demais."

No caso de Belo Monte, a situação é mais séria não só porque os impactos serão de grande magnitude, mas principalmente porque algumas questões fundamentais para avaliar a própria viabilidade ambiental do empreendimento não foram equacionadas quando da emissão da licença prévia, sob a alegação de que seriam avaliadas depois, antes do início da obra. Uma dessas questões diz respeito à qualidade da água nos reservatórios, que terão centenas de quilômetros de extensão (veja quadro no final do texto). "Quando a licença prévia foi emitida, o Ibama dizia que não precisava resolver o problema naquele momento, pois a obra ainda não ia começar. Agora diz que já não cabe mais voltar nesse assunto. É um processo kafkaniano", avalia Valle.

A preocupação dos moradores locais é que se repita o mesmo processo que está ocorrendo no Rio Madeira, com a construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, onde a falta de ações preventivas levou a uma situação social caótica. Espera-se que a cidade de Altamira dobre sua população (mais 100 mil pessoas) durante a implantação da obra, o que significa que, se nada for feito, os serviços públicos básicos (saúde, educação, segurança) entrarão em colapso. Por isso, o Ibama exige uma série de ações antecipatórias, como a construção de novos postos de saúde, contratação de mais profissionais da saúde, ampliação do hospital, novas salas de aula, dentre outros. No entanto, a informação disponível indica que sequer os convênios para repasse dos recursos foram firmados.

"O consórcio quis que o município de Altamira assinasse um convênio para ampliação de salas de aula que não dá conta nem do crescimento normal do município. E também querem convencer o município que não há necessidade de aumentar os leitos hospitalares e os serviços de saúde. Só falam em saúde da família. O hospital não consegue atender nem a demanda de hoje", diz Antonia Melo, do Movimento Xingu Vivo para Sempre.

Outro ponto que preocupa é a situação das Terras Indígenas (TIs). A região é conhecida pelo conflito fundiário, e há muitos casos de ocupação irregular de TIs. Os estudos ambientais apontaram que, com a chegada de novos migrantes, os conflitos podem explodir. Por isso, foi exigido da empresa que algumas ações deveriam ser feitas antes de se iniciar a obra, como a desintrusão (retirada dos ocupantes não-índios) das TIs Arara da Volta Grande e Cachoeira Seca, a redefinição de limites da TI Paquiçamba, que vai ficar na parte seca do rio, entre outras. Em documento encaminhado ao Ibama, a Funai alerta que não foram cumpridas as precondições.

"A gente sabe que a cada passo dado torna-se mais difícil a reversão, mesmo que juridicamente haja fundamentos consistentes para isso. Então, é tecnicamente mais correto não conceder licença sem cumprimento das obrigações já definidas", diz o procurador Gutschow.

Água contaminada

De acordo com os Procuradores da República em Altamira, um dos problemas mais graves previtos é o da qualidade da água. Estudo contratado pelo próprio Ibama, e feito pela UnB, aponta que a chance de que, com a usina, as águas do rio fiquem impróprias para consumo humano é bastante grande. Para que isso não ocorra é fundamental que 100% do esgoto gerado em Altamira e Vitória do Xingu seja coletado e tratado. "Como essa ação, outras já deveriam ter sido iniciadas e não foram", destaca Marcelo Salazar, coordenador adjunto do Programa Xingu do ISA.

Mesmo que todo o esgoto venha a ser coletado e tratado, algo que até hoje não ocorreu em nenhuma cidade brasileira, ainda assim a qualidade da água pode ficar comprometida. Por isso, o Ministério Público entende que a licença não deveria ter sido outorgada antes que essa dúvida fosse sanada. "Na pressa em conceder a licença e fazer o leilão ainda em 2010, o Ibama, a ANA, a Eletrobrás e a Aneel desconsideraram as análises apresentadas durante as audiências públicas; não apresentaram dados científicos conclusivos sobre a manutenção da vida na chamada Volta Grande do Xingu, nem sobre a qualidade da água, nem sobre a vazão necessária para a geração de energia; e não analisaram programas de mitigação de impactos exigidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente para concessão de licença", informa a Procuradoria.

Os dois procuradores de Altamira ressalvam que não são contra a usina de Belo Monte. "Tanto eu quanto o doutor Bruno estamos buscando apenas que o empreendimento respeite a Constituição Federal e as leis do país", diz Amaral. E Bruno Gutschow confirma: "O MPF se preocupa com o desenvolvimento do país e com o meio ambiente. Mas não dá para construir usinas por aí atropelando as normas."

http://www.socioambiental.org/noticias/nsa/detalhe?id=3179

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