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Congresso quer apito

CB, Brasil, p. 10
05 de Set de 2009

Congresso quer apito
Interessados em rever os critérios de demarcação e ocupação de terras indígenas, parlamentares apresentam projetos e emendas constitucionais para tirar da União essa prerrogativa

Danielle Santos

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado apreciará na próxima quarta-feira a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no38/99, que dá poderes ao legislativo de interferir no processo de demarcação de terras indígenas. O autor, senador Mozarildo Cavalcanti (PTB/RR), tem interesse particular no tema. Ele representa o estado que passou recentemente por uma das mais polêmicas discussões judiciais sobre demarcação dessas áreas: a decisão do Supremo Tribunal Federal favorável à demarcação da reserva Raposa Serra do Sol.
Na queda de braço com o governo, os parlamentares tentam costurar um aliança para aprovar o texto, que tem caráter não terminativo, ou seja, tramitará ainda em outras comissões da Casa. Apesar de dizer que não guarda mágoas da decisão do STF, Mozarildo pede urgência na discussão para que se evitem novos casos. "Hoje, existe muita terra para pouco índio. Em Roraima, por exemplo, temos mais de 50 professores universitários indígenas, integrados plenamente à sociedade. Se for observar, a maior aldeia que existe no Estado fica na capital, Boa vista", ironiza. Ele reclama que o governo tem uma política defasada de atendimento às populações indígenas, pois dá a terra, mas não dá assistência para os povos se manterem nela.
Na Câmara, os deputados Aldo Rebelo (PT-SP) e Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) partilham dessa linha de raciocínio. De acordo com um projeto de lei apresentado por eles em março, o Congresso Nacional assumiria a responsabilidade sobre a demarcação das terras indígenas. O texto aguarda parecer da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional. Depois, seguirá para a Comissão de Direitos Humanos. Os parlamentares alegam que "diversas comissões permanentes e temporárias, tanto da Câmara como do Senado, examinaram as consequências da política indigenista nacional e constataram graves conflitos federativos que contrapõem estados e municípios à União."
Inconstitucional
Na outra vertente, o presidente da Funai, Márcio Meira, considera as intenções dos parlamentares inconstitucionais. "Está claro na Constituição Federal que a competência dos congressistas é apenas no que diz respeito a autorização da exploração de recursos minerais e hidrelétricos. A responsabilidade pela terra é de poder da União e cabe a ela fazer isso", argumenta. Segundo Meira, outras proposições semelhantes já apareceram e não obtiveram sucesso.
A advogada Ana Paula Caldeira Souto Maior, do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA), vai além. Segundo ela, paira no Congresso o preconceito contra os índios e a dificuldade de enxergá-los como detentores de direitos previstos na Constituição. "O senador Mozarildo, por exemplo, entrou com ação para que a reserva Raposa Serra do Sol tivesse a demarcação invalidada e perdeu essa ação para uma advogada da etnia Wapixana, que representou os povos daquela área. Isso mostra a visão limitada e pobre dele, que não quer reconhecer essa realidade."
O ISA lista cerca de 70 de proposições que tramitam pelo legislativo com intuito de diminuir os direitos indígenas em relação à terra e aos recursos nela existentes. "Há uma pressão enorme da bancada ruralista para se aproveitarem os recursos nas terras indígenas ou se liberarem essas terras para que sejam utilizadas por terceiros", completa Ana Paula.

Demarcação contínua

Por dez votos a um, o Supremo Tribunal Federal decidiu em março deste ano manter a demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Apesar do placar favorável, o Supremo determinou 18 condicionantes, entre eles o que autoriza o Exército a entrar nas áreas sem consulta prévia à Funai. A reserva, que corresponde a aproximadamente 7,7% do território do Estado, abriga 194 comunidades dos povos Macuxi, Taurepang, Patamona, Ingaricó e Wapichana, que somam cerca de 18 mil índios. A briga pela demarcação causou polêmica e motivou conflitos violentos entre índios e arrozeiros instalados na área. O julgamento para decidir sobre o direito à terra teve início em 2008, mas foi interrompido duas vezes por pedidos de vista, sendo retomado somente este ano.

Projetos polêmicos

PL No 4791/09
Autores: Aldo Rebelo (PT-SP) e Ibsen Pinheiro (PMDB-RS)
Essência: submeter ao Congresso Nacional a função de demarcar terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

PEC No 38/99
Autor: Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR)
Essência: transfere para o Senado a responsabilidade de aprovar a demarcação de terras indígenas.

CB, 05/09/2009, Brasil, p. 10

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