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Congresso aprova lei que ameaça florestas

Gazeta do Povo, Brasil, p. 15
28 de Jul de 2004

Congresso aprova lei que ameaça florestas
Ambientalistas são surpreendidos com artigo em projeto do setor imobiliário
Para o ex-ministro Sarney Filho, lei possibilitará surgimento de nova "indústria da indenização"

O que parecia ser mais uma lei sobre o setor imobiliário acabou se transformando no maior pesadelo de todo movimento ambiental do país.
Um artigo inserido de última hora no Projeto de Lei 2109, aprovado pelo Congresso Nacional nos dias 7 e 8 deste mês, criou a possibilidade de se ocupar com construções as áreas de reserva natural.
Ambientalistas, parlamentares e cientistas promovem um vasta campanha para o governo federal vetar esse trecho da nova legislação.
Cerca de 160 organizações ambientais lançaram uma campanha na internet para recolher adesões ao pedido de veto do item polêmico. Para o coordenador da ONG Instituto Socioambiental. André Lima, a pressão tem surtido efeito e o movimento ganhou um forte aliado, o próprio Ministério do Meio Ambiente.
"O presidente recebeu o parecer contrário do Meio Ambiente e aguarda a avaliação de outros ministérios", comentou o ambientalista.
De acordo com o artigo 64, do projeto de lei sobre incorporações imobiliárias, fica determinado que "na produção imobiliária, seja por incorporação ou parcelamento do solo, em áreas urbanas e de expansão urbana, não se aplicam os dispositivos da Lei 4771, de 15 de setembro de 1965 (Código Florestal)".
O autor deste dispositivo, colocado após a apreciação nas comissões e aprovado por votação simbólica, foi o deputado federal Ricardo Izar (PTB-SP).
Um tranco inesperado no movimento ambiental. Locais como restingas, encostas, brejos e falésias, lagunas, manguezais e margens de rios, hoje sob preservação do código, deixam de ser considerados Áreas de Preservação Permanente (APPs).
E o próprio município dirá se elas serão ocupadas pela malha urbana. "Isto retira da união e dos estados a possibilidade de legislar sobre as áreas de preservação ambiental", observou o deputado federal e ex-ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho (PV MA).
O Ministério do Meio Ambiente, alertado pelos ambientalistas, reagiu rápido e enviou um parecer à Presidência da República recomendando o veto ao artigo.
A manobra política causou espanto no governo. "Solicitamos o veto devido às implicações ecológicas, econômicas, jurídicas e sociais que teria para todo o país", afirmou o secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco.
Mata Atlântica
Para Sarney Filho, a devastação acabaria com os 6% restantes de Mata Atlântica, colocando um fim no ecossistema que mais sofreu com a expansão das cidades brasileiras.
Porém, a voracidade do mercado imobiliário sequer seria bloqueado em regiões de apêlo preservacionista mundial, como a Amazônia.
"Qualquer bioma poderá ser afetado, dependendo dos interesses políticos e comerciais", explicou o deputado.
Outro reflexo que o parlamentar suspeita que esse artigo pode gerar é uma explosão nos pedidos de indenização por desapropriações ambientais, como ocorreu em São Paulo.
Ele usa os dados paulistas para mostrar o tamanho do descalabro.
Cerca de R$ 6 bilhões da dívida herdada pelo governador Geraldo Alckmin não é de natureza precatória alimentar. Deste montante, 80% são referentes a pagamentos devidos à desapropriações ambientais.
O ex-ministro pediu um estudo detalhado sobre uma possível inconstitucionalidade do artigo 64. Mas o texto do projeto de lei se mostrou dentro das premissas da constituição.
"Não creio que o governo federal vá aprovar isto. Seria um retrocesso sem precedentes na questão ambiental", comentou o ex-ministro.
Julio Ottoboni
Cerca de 160 ONGs participam de ação na Internet para exigir o veto da lei
Deputado pede estudo sobre inconstitucionalidade da nova legislação

As complicações do projeto
A lei 4771/65, conhecida como Código Florestal, rege todas as ações em áreas de preservação e reservas florestais em todo o território nacional.
O artigo 64, do Projeto de Lei 2109/99 de Incorporações Imobiliárias aprovado no Congresso, suprime qualquer interferência do Código Florestal na produção imobiliária em áreas de expansão ou mesmo urbanas.
Com a entrada em vigor deste artigo, tanto a União como o governo estadual perdem o controle sobre as áreas de preservação existentes dentro dos limites municipais.
A conseqüência imediata é a abertura da possibilidade dos poderes Executivo e Legislativo municipais alterarem o uso do solo destas áreas preservadas, por meio da alteração do Plano Diretor.
Com essa mudança, se poderia construir condomínios, loteamentos e outros empreendimentos imobiliários em locais de conservação natural.
Os ambientalistas, entidades de preservação e o Ministério do Meio Ambiente pedem para o governo federal vetar esse artigo.
Até o momento, o governo federal não se pronunciou sobre o caso.

Gazeta do Povo, 28/07/2004, p. 15

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