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Concorrência do pré-sal ameaça etanol

OESP, Economia, p. B1, B3
20 de Set de 2009

Concorrência do pré-sal ameaça etanol
Produtores querem garantia do governo de que etanol continuará a ser o principal combustível no País

Renato Cruz

O etanol teme ser atropelado pelo pré-sal. Os usineiros querem que o governo defina claramente qual é a política pública no País para o setor de combustíveis para evitar experiências como a do Programa Brasileiro do Álcool (Proálcool), que nasceu, cresceu e foi morto ao sabor das cotações internacionais de petróleo.

Eles temem que as atenções voltadas ao petróleo acabem levando o etanol a perder espaço no mercado local e visibilidade internacional, num momento em que lutam para transformá-lo num produto de exportação. Até a descoberta do petróleo da camada pré-sal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vinha projetando no exterior a imagem do Brasil como o País que iria fornecer energia renovável para o mundo.

"Estamos conversando com o governo", afirmou Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). "É preciso criar uma regra garantindo que o etanol continuará a ser o número um na matriz de combustíveis e que a gasolina é uma alternativa. Não se pode achar que o mercado, com a flutuação dos preços, vai decidir." Ele argumentou que é preciso dar segurança aos investidores e aos consumidores.

A euforia do pré-sal e a depressão da crise internacional atingiram em cheio a indústria da cana-de-açúcar. O etanol é um sucesso de vendas, mas muitas empresas foram soterradas pelo endividamento que vinham carregando, quando o crédito secou. Somado a isso, o estudo polêmico divulgado pelo Ministério do Meio Ambiente na semana passada, apontando os carros movidos a gasolina como menos poluentes que aqueles movidos a álcool, veio manchar de cinza a imagem verde do etanol. O estudo tem sido contestado pela Unica e por vários especialistas.

O carro flex fuel, uma invenção brasileira, é a chave do sucesso do etanol no País. No fim de 2008, o consumo nacional do combustível ultrapassou o da gasolina. No ano passado, foram vendidos 2,3 milhões de carros flex, comparados a 217 mil a gasolina e somente 84 a álcool. O consumo de etanol no País cresceu 27% entre janeiro e agosto, ante o mesmo período de 2008, segundo a ETH Bioenergia, do Grupo Odebrecht.

EFEITOS DA CRISE

Mas esse êxito não reflete a situação de grande parte das usinas. A crise fez com que empresas pedissem recuperação judicial, como a Companhia Albertina, usina localizada em Sertãozinho (SP). Outras foram compradas, como foi caso da NovAmérica, absorvida pela Cosan em março deste ano.

"Para as empresas descapitalizadas, a crise foi um golpe muito duro", afirmou Marcos Lutz, vice-presidente comercial e de logística da Cosan, maior grupo brasileiro de açúcar e álcool. No ano fiscal encerrado em março, a empresa investiu R$ 1,346 bilhão, excluindo aquisições.

Os investimentos em andamento foram decididos há dois ou três anos. "Estamos inaugurando três usinas", afirmou José Carlos Grubisich, presidente da ETH Bioenergia. "Vamos passar de uma capacidade de moagem de 13 milhões de toneladas para de 28 milhões a 30 milhões em 2014." Segundo o executivo, apesar de ainda não ter fechado nenhum negócio, a ETH tem analisado oportunidades de aquisição. Esse movimento de fusões e aquisições é o que toma a atenção do setor no momento, mais do que qualquer projeto novo.

Na semana passada, o governo anunciou um projeto de zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar, proibindo o plantio da cultura em 81,5% do território. Apesar de os usineiros discordarem de muitos pontos do projeto, a definição da área de plantio, para preservar o ambiente, é importante para a pretensão do País de se tornar grande exportador de etanol.

Assim como o acordo assinado com o governo em junho, que garantiu condições mínimas de trabalho, o regulamento ajudará a evitar barreiras não-tarifárias ao etanol brasileiro. Os importadores querem garantias de que o etanol não é resultado de desmatamento e de condições sub-humanas de trabalho.

Mas a exportação ainda é difícil, dependendo muito de oportunidades como a falta do produto em mercados específicos. Os Estados Unidos, a Europa e o Japão definiram metas de redução do consumo de combustíveis fósseis, o que deve aumentar a demanda internacional. Os empresários reconhecem, no entanto, que essa demanda pode levar alguns anos para se concretizar.

O esforço para transformar o etanol numa commodity ainda não deu resultado. "A expectativa é que, em 2010, seja definida uma especificação comum para o álcool anidro (que é adicionado à gasolina)", afirmou Plínio Nastari, presidente da consultoria Datagro. "As perspectivas são muito alvissareiras."

''Petróleo não é ameaça ao etanol''

Nicola Pamplona

O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE, vinculada ao Ministério das Minas e Energia), Maurício Tolmasquim, diz que, mantidas as condições econômicas atuais, não há espaço para que o petróleo do pré-sal "suje" a matriz energética brasileira. Segundo ele, mesmo com grande produção, os derivados de petróleo continuarão perdendo em competitividade para etanol e hidrelétricas. A menos, diz, que "uma política populista" decida achatar os preços dos derivados de petróleo. Tomalsquim deu a seguinte entrevista:

O pré-sal deixa os biocombustíveis em segundo plano?

A matriz energética brasileira não vai ficar menos renovável por conta do pré-sal. Na área elétrica, o óleo e o gás não têm competitividade para deslocar hidrelétricas. O Brasil só usou 1/3 de seu potencial e, agora, com novos procedimentos ambientais, os projetos que estavam com dificuldades começaram a sair, que é o caso do Rio Madeira e de Belo Monte. Na área de combustíveis, o petróleo também não é ameaça ao etanol, que é competitivo com a gasolina, com petróleo até US$ 40 por barril. Hoje existe política, que dificilmente vai ser mudada, de vinculação do preço da gasolina às cotações internacionais do petróleo. E não há cenários que apontem o petróleo abaixo dos US$ 40 por barril. Com o carro bicombustível, os consumidores têm o poder de escolher entre gasolina e etanol. É o preço que define.

Mas onde, então, será consumido o pré-sal?

No mercado internacional. O excedente do óleo vai para exportação. Vai garantir uma renda extra para o Brasil. Não vai deslocar combustível na matriz brasileira. É claro que, internamente, para agregar valor, vai ser usado em refinarias, para exportação de produtos e não de óleo cru. E vai também para a petroquímica. Mas mesmo os produtos petroquímicos serão destinados ao mercado externo.

Como garantir que a política de preços e usos dos derivados será mantida?

O maior ganho que o Brasil tem é precificar os combustíveis segundo o mercado internacional, o que garante a competitividade de fontes mais limpas. A única maneira desse petróleo do pré-sal entrar no mercado interno é termos uma política populista de preços muito baixos, o que não teria lógica porque seria uma perda econômica monumental. Isso não vai ocorrer. Isso não é a política que o País tem, e a gente não vai mudar isso.

Mas houve essa semana notícias sobre o uso de diesel em veículos leves...

Não conheço nenhum estudo sobre o tema. Hoje, o Brasil tem excedente de gasolina e gargalo na produção de diesel, que está mudando com investimentos na indústria de refino. Mas, dada a quantidade de etanol, não me parece lógica essa posição. Nas projeções da EPE, não existe essa previsão.

''Farra'' do pré-sal ofusca pioneirismo no biocombustível
Especialistas alertam que após definição do marco regulatório, política energética deve ser balanceada

Nicola Pamplona

Concluída a definição do marco regulatório do pré-sal, o governo deve concentrar atenções na definição de uma política energética para balancear o uso dos combustíveis e sua inserção no mercado global de combustíveis. A opinião é de especialistas consultados pelo Estado, para quem a nova riqueza pode ajudar a difundir o etanol de cana-de-açúcar no mercado externo. Caso contrário, há risco de retrocesso no esforço feito nos últimos anos pela divulgar os biocombustíveis, que rendeu ao País imagem de pioneirismo no segmento.

"O posicionamento recente de querer se tornar grande exportador de petróleo contradiz com o anterior, de se apresentar como alternativa nos biocombustíveis", diz a economista Annette Hester, diretora do Centro de Pesquisas sobre América Latina da Universidade de Calgary, no Canadá. Tal situação já vem gerando protestos no mundo, mais notadamente entre organizações ambientalistas.

"O Brasil, sempre orgulhoso do esforço para desenvolver energias renováveis e desmamar do óleo, vive um caso grave de febre do combustível fóssil", escreveu, no final de agosto, a agência Associated Press. Uma semana depois, um grupo de ativistas do Greenpeace invadiu a cerimônia de lançamento do novo marco regulatório do pré-sal com faixas questionando a produção das reservas.

"Há grande risco de irmos na contramão de tudo o que está acontecendo no mundo", concorda o consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura. A alternativa, diz, é o estabelecimento de uma política energética que preserve, em primeiro lugar, o mercado interno para o etanol. Na sua opinião, notícias recentes sobre o uso de diesel em veículos leves, por exemplo, já sinalizam a tentação de ampliar o peso do petróleo na matriz energética.

"O populismo tarifário já existe e a tentação vai ser maior quando formos grandes produtores de petróleo", completa o especialista. As novas refinarias projetadas pela Petrobrás devem garantir a autossuficiência na produção de diesel, cuja dependência motivou a proibição para uso em veículos de passeio. "A alternativa é decidir quais serão os usos e o papel de cada fonte." Para Annette, o Brasil pode tirar proveito do pré-sal na busca por mercados para o etanol: "Os biocombustíveis são um complemento dos hidrocarbonetos neste mundo de combustíveis líquidos."

Segundo esse raciocínio, o derivado da cana-de-açúcar pode ser vendido junto aos derivados de petróleo que o Brasil pretende exportar a partir da produção do pré-sal.

O assunto ainda não foi discutido no governo, diz o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim. Ele admite, porém, que o governo terá, com o pré-sal, maior poder de negociação junto às nações consumidoras de petróleo. "É um fato que a transferência para a União de uma quantidade de petróleo nesses novos contratos de partilha dá ao País um grande poder de barganha em algumas questões internacionais, como essa do etanol", afirma.

Para especialistas, o alvo são os Estados Unidos, hoje nas mãos de produtores de petróleo instáveis ou em fase de declínio - como a Arábia Saudita, a Venezuela e o México - e, ao mesmo tempo, em busca de redução das emissões de gases de efeito estufa. Apontado como maior solução, porém, o etanol brasileiro enfrenta enormes barreiras tarifárias.

"Se os produtores de etanol forem espertos, vão se juntar à Petrobrás para mostrar ao mundo uma alternativa sustentável de combustível para a matriz de transporte", sugere Annette. Ela lembra que a Califórnia, por exemplo, está implementando um intenso programa de redução da intensidade de carbono nos combustíveis e desponta como grande mercado para o etanol brasileiro.

Pré-sal tem novo debate no ''Estado''

As propostas do governo para a exploração do pré-sal e os critérios para repartir suas receitas estarão em debate no auditório do Grupo Estado no próximo dia 30, com a participação do presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, do governador Paulo Hartung, do Espírito Santo, do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e do presidente do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), João Carlos de Luca, representando as companhias petroleiras privadas. O Grupo Estado aguarda para os próximos dias a confirmação de outros nomes convidados a participar.

O debate, que se estenderá das 10 às 13h, é o segundo sobre o mesmo tema organizado pelo Estado (o primeiro ocorreu em setembro de 2008). Terá transmissão ao vivo pela TV Estadão (www.estadao.com.br) e será dividido em dois blocos: na mesa 1, O novo modelo de exploração, a capitalização da Petrobrás e o viés estatizante; na mesa 2, Como distribuir a riqueza do petróleo e como compensar os danos ao ambiente.

OESP, 20/09/2009, Economia, p. B1, B3

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