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Compra de terras por múlti no RS reabre debate sobre fronteiras

OESP, Nacional, p. A10
04 de Mar de 2008

Compra de terras por múlti no RS reabre debate sobre fronteiras
Sueco-finlandesa Stora Enso quer adquirir 120 mil hectares para plantar eucalipto em 11 municípios gaúchos

Elder Ogliari

Um projeto da multinacional sueco-finlandesa Stora Enso, que quer adquirir 120 mil hectares de terras para plantar eucaliptos em 11 municípios do sudoeste do Rio Grande do Sul, gera polêmicas entre os gaúchos desde que foi anunciado, em outubro de 2005, e acaba de provocar a abertura de um debate nacional sobre mudanças na Lei da Faixa de Fronteiras, estabelecida em maio de 1979 como parte da doutrina de segurança nacional vigente à época.

A Stora Enso anunciou no fim de 2005 a intenção de formar uma base florestal no Rio Grande do Sul para abastecer de matéria-prima futura fábrica de celulose - um investimento inicial de US$ 250 milhões que pode criar 1.600 empregos diretos e 1.700 indiretos ao fim do primeiro ciclo florestal, de sete anos, fora os da indústria, que exigirá investimentos de mais US$ 1 bilhão.

O empreendimento soma-se a outros dois, semelhantes, da Aracruz Celulose e da Votorantim Celulose e Papel, que também estão adquirindo áreas para plantar a matéria-prima de suas futuras fábricas na região. Em entrevista à TV Estadão (www.estadao.com.br) no dia 21 de fevereiro, o líder do MST João Pedro Stedile disse que, enquanto os sem-terra são tratados como fora-da-lei, o capital internacional tem liberdade para adquirir extensas áreas em zonas restritas aos brasileiros.

"A Stora Enso comprou 86 mil hectares em área de fronteira no Rio Grande do Sul, de mais de 400 propriedades, expulsando pequenos e médios agricultores para impor a monocultura do eucalipto, que é predadora do meio ambiente", afirmou Stedile. E fez uma conclamação ao Exército. "Atenção militares nacionalistas, nos ajudem a expulsar os finlandeses da fronteira."

O discurso de Stedile foi uma referência à Lei da Faixa de Fronteiras, que exige a aprovação prévia do Conselho de Defesa Nacional para aquisição de terras feita por estrangeiros em qualquer lugar situado até o limite de 150 quilômetros para dentro do território nacional, a partir da linha divisória com outros países.

VAZIO JURÍDICO

Quando começou a atuar no País, a Stora Enso constituiu uma subsidiária, a Derflin Agropecuária Ltda., que adquiria as terras, mas tinha dificuldades para registrá-las nos cartórios. Os processos de aquisição eram encaminhados ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), para instruí-los e repassá-los ao Conselho de Defesa Nacional. Como a análise chega a levar dois anos, a compra ficou num vazio jurídico. Um vendedor de má-fé poderia negociar de novo a mesma terra enquanto não houvesse registro.

A solução encontrada pela multinacional foi abrir uma empresa transitória, a Azenglever Agropecuária Ltda., em nome de seus executivos brasileiros Otávio Pontes e João Borges, para a qual a titularidade das terras foi transferida. Quando todas as aquisições estiverem aprovadas pelo Conselho de Defesa Nacional, a Azenglever será incorporada pela Derflin.

Por solicitação de setores contrariados com o projeto, o repasse dos imóveis para a Derflin gerou pelo menos três investigações - uma do Ministério Público Federal, outra da Polícia Federal e uma terceira da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça - que, por solicitação do Incra, está averiguando se os cartórios burlaram a legislação ao aceitar registros em nome da Azenglever. Nenhuma delas chegou à conclusão até o fim de fevereiro.

Por acreditarem que os empecilhos formais e a mobilização dos adversários atrapalham o investimento, os políticos favoráveis às plantações de eucaliptos também se mobilizaram para mudar a legislação. O suplente de deputado Matteo Chiarelli (DEM-RS) apresentou um projeto que reduz a faixa de fronteira para 50 quilômetros nos Estados do Sul. O titular, Nelson Proença (PPS), voltou ao cargo no início deste ano e trabalha pela aprovação da mudança.

O senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS) conseguiu aprovar na Comissão de Constituição de Justiça do Senado, no dia 21 de janeiro, proposta da emenda constitucional que reduz a faixa para 50 quilômetros do Chuí (RS) até a divisa de Mato Grosso do Sul com Mato Grosso. A proposta deve seguir para o plenário e depois para a Câmara.

Zambiasi nega ter agido para proteger os interesses da Stora Enso. "Eu nem conheço esse caso", afirma, justificando ter apresentado o projeto porque é da Comissão do Mercosul e por perceber que a legislação atrapalha planos de desenvolvimento e recepção de investimentos de 197 dos 496 municípios gaúchos.

O deputado Adão Pretto (PT-RS), ligado aos movimentos sociais, alega razões de segurança nacional para defender a manutenção da faixa de fronteira e afirma que "é o latifúndio da pecuária e agora das florestas que atrasa a metade sul (do Rio Grande do Sul)". O superintendente regional do Incra, Mozar Dietrich, tem discurso semelhante. "Na metade norte, na mesma faixa de fronteira, em zonas de minifúndio, a agricultura familiar gera renda e negócios."

Consultado pelo Estado, o Ministério da Defesa informou que ainda não tem um parecer oficial sobre as propostas no Legislativo de alteração nas faixas de fronteira. O ministro Nelson Jobim, no entanto, já manifestou posição pessoal favorável à rediscussão desses limites, levando-se em conta as especificidades de cada região.

Por conta da suspensão das aquisições, o cronograma de plantio da Stora Enso sofreu atrasos. A previsão da empresa é plantar 100 mil hectares, equivalentes a 5,5% do território de 1,8 milhão de hectares dos 11 municípios até 2014. A Stora Enso confirma que já foram adquiridos 46 mil hectares e 94 propriedades e plantados 9 mil hectares. Outros 10 mil serão plantados em 2008, à medida que as licenças forem sendo emitidas pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam).

O engenheiro florestal e agrônomo Sebastião Pinheiro, do Núcleo de Economia Alternativa da Universidade Federal do Rio Grande o Sul (UFRGS), sustenta que o Pampa não é lugar de eucalipto, que, segundo ele, consome muita água e não fixa carbono à terra. "Não posso entender um governo que não se preocupa em defender seu cidadão", afirma Pinheiro, reclamando do debate que procura antes facilitar a instalação dos investidores do que em estabelecer regras que protejam o meio ambiente. Outra engenheira florestal, a coordenadora do curso de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Eliege Brum, diz que já há pesquisas indicando equilíbrio no consumo de água (equação entre o consumo e a posterior liberação para a natureza) do eucalipto.

ENTUSIASMO

Na região, quase todos querem a Stora Senso e seus eucaliptos. Em algumas áreas dos 11 municípios envolvidos, o projeto é recebido com entusiasmo pela maioria da população, que defende abertamente a redução da faixa de fronteira do País para facilitar os negócios da empresa.

Em São Francisco de Assis, o secretário da Indústria e Comércio, Sérgio Oliveira, considera "um absurdo" os municípios da região ficarem alijados de um grande investimento por causa da faixa de fronteira.

Por enquanto, a Stora Enso ainda não iniciou seu programa de fomento e parceria com os produtores rurais e limitou-se a comprar terras, dando preferência a áreas maiores e degradadas, de preço mais acessível. O agropecuarista Henrique Edilberto Porto, vice-prefeito de Manoel Viana, observa que a empresa contratada pela Stora Enso para fazer uma plantação gerou cem empregos no município. Ele próprio vendeu uma propriedade de 197 hectares para o grupo. "Trata-se de uma área arenosa, de menor potencial produtivo", explica, satisfeito porque quitou algumas dívidas.

Os sindicatos que representam trabalhadores rurais e pequenos agricultores são mais cautelosos, mas não se mostram diretamente contrariados. "Não temos posicionamento, mas preocupações", revela Aureliano Prado Pires, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Francisco de Assis. "São poucos os pequenos proprietários que venderão terras, mas meeiros, arrendatários e empregados de grandes fazendas poderão ficar sem atividade se não conseguirem trabalho no próprio plantio de eucaliptos."

Empresa afirma que cumpre legislação do País

Roldão Arruda

O vice-presidente da Stora Enso para a América Latina, Otávio Pontes, assegura que a empresa age de acordo com a legislação brasileira. As transações com proprietários gaúchos baseiam-se em leis dos anos 80 e 90 que não diferenciam "empresa brasileira" e "empresa brasileira com capital estrangeiro". Legalmente, as duas estão aptas a adquirir terras.

Existem técnicos do Incra, no entanto, que defendem que ainda está em vigor uma lei de 1971, que impõe restrições aos estrangeiros. Eles também apontam o fato de se tratar de região de fronteira, o que exigiria a aprovação de autoridades da área de segurança nacional.

A Stora Enso, segundo seu representante, está disposta a cumprir todas as exigências. O problema, diz o seu vice-presidente, é que o Incra se opõe sistematicamente ao negócio - o que o leva a acreditar em razões políticas: "Cumprimos as exigências, mas o projeto não anda."

A criação de uma segunda empresa para o registro de terras foi a alternativa encontrada pela Stora Enso para vencer a resistência do Incra: "Falam que usamos laranjas, mas tivemos que usar esse recurso para continuar trabalhando no meio de tanta insegurança jurídica."

A Stora Enso é líder mundial no mercado de papel e está presente em 40 países. Seus investimentos no Brasil estão diretamente relacionados à alta produtividade do eucalipto no País: cinco vez maior que nos Estados Unidos; e 25 vezes maior que na Suécia.

A interferência no meio ambiente é pequena, observa Pontes: "O eucalipto cresce com pouca água e a interferência no clima é quase a mesma da mata nativa." Ele também lembra que quase 40% das áreas adquiridas são destinadas à recuperação de matas nativas.

OESP, 04/03/2008, Nacional, p. A10

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