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Como sera o amanha

Isto E, Ciencia, Tecnologia & Meio Ambiente, p.96-98
17 de Nov de 2004

Natureza
Como será o amanhã?
Projeções indicam um risco maior de catástrofes e conflitos globais por causa das mudanças no clima
Darlene Menconi
Por volta de 340 antes de Cristo, o pensador grego Heráclito de Éfeso enunciou que no mundo não há nada permanente, exceto as mudanças. Sua máxima não poderia ser mais atual. O crescimento da população, o acesso à água e a produção de alimentos são indissociáveis das flutuações climáticas. Cada vez mais precisa, a meteorologia aposta na maior incidência de catástrofes naturais, inundações e fenômenos como o Catarina, ciclone com fúria de furacão que atingiu a costa brasileira este ano. Estudar esses eventos e fazer previsões para ajudar o governo a planejar obras é uma das missões do matemático Richard Jones, 43 anos, que dirige o Met Office, centro de previsões meteorológicas Hadley, na vizinhança de Londres. Consultor do governo britânico para mudanças climáticas, ele veio ao Brasil para uma conferência em Cachoeira Paulista, interior de São Paulo, onde funciona o centro de previsões climáticas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a maior autoridade nacional no assunto. Antes de encarar o fog londrino, ele deu a entrevista que se segue.
ISTOÉ – O protocolo de Kyoto nem entrou em vigor e se fala que ele étardio e insuficiente. É verdade?
Richard Jones – A redução de 5% terá pouco efeito na emissão de gases de efeito estufa. Pode não fazer diferença nos próximos 20 ou 30 anos, mas é o começo do processo. O departamento de política ambiental britânico diz que precisamos reduzir as emissões em 60% nos próximos 20, 50 anos. Entre 1990 e hoje reduzimos entre 6% e 7%, enquanto a economia cresceu de 20 a 30%. A eficiência energética da indústria britânica melhorou. Isso é uma tendência na União Européia, onde cada país tem sua meta de redução. O papel do mundo desenvolvido é assumir o problema pelo qual somos os principais responsáveis. Só que essas metas não são viáveis sem a adesão dos americanos. Assim como não é viável dizer que teremos impacto sem a China, a Índia, e talvez o Brasil entrarem no processo. Ao final, todos os países terão que aderir ao protocolo de Kyoto. O clima tende a ser um assunto muito relevante para governos, empresas e serviços militares.
ISTOÉ – O clima será questão de segurança nacional?
Jones – Com certeza. Parte do nosso trabalho é dar consultoria ao Ministério da Defesa, porque há preocupação de que a mudança climática provoque guerras e problemas globais de segurança. Em certas partes do mundo se espera conflito em relação à água. Um país pode construir barragens num rio para impedir que a água vá para o vizinho, comprometendo a agricultura. A mudança não é só na temperatura. Espera-se alteração na quantidade, localidade, intensidade e frequência das chuvas. Algumas regiões ficarão secas, em outras haverá mais chuva. Certas barragens no rio Nilo foram construídas para determinada quantidade de água e não vão suportar mais. Se houver seca, pode não ser possível gerar água e energia necessárias.
ISTOÉ – Qual é a previsão para a Amazônia?
Jones – Há muita incerteza. São nove as previsões aceitas. Todas mostram aumento na temperatura da floresta. Quatro dizem que haverá mais chuva, quatro dizem que haverá redução no volume de chuvas e uma diz que não haverá alteração. Algumas previsões dizem que a floresta se tornará quente e seca, não deverá sustentar o impacto e morrerá. Não é consenso, são só indicações. Por causa do aquecimento global, temos um aumento extra de gás carbônico na atmosfera. A uma certa temperatura, essa situação se inverte. Em vez de absorver, a atmosfera libera mais carbono.
ISTOÉ – O desmatamento é o vilão dessas mudanças?
Jones – No Reino Unido, muito se pesquisou o impacto do desmatamento. O que se vê é um aumento na temperatura e na emissão de gás carbônico nos países em desenvolvimento. Quando se queima árvores, os aerossóis que vão para a atmosfera criam uma sombra, impedindo a entrada dos raios solares. Ao se retirar a floresta, todo o clima da região se altera. Assim que o protocolo entrar em ação, quem reduzir suas emissões poderá usar esse fato a seu favor para lançar créditos de carbono. Se os americanos entrarem, podem compensar sua emissão de poluentes com investimento em compensações, o que pode se traduzir em investimento para o Brasil.
ISTOÉ – O verão quente na Europa, os furacões e os ciclones vieram para ficar?
Jones – É impossível dizer que o aquecimento global foi a causa do verão quente na Europa em 2003. O risco de ocorrer outros episódios assim aumentou por causa do aquecimento global, isso podemos dizer. Significa que a chance de isso acontecer de novo é bem grande, o que vale também para as tempestades tropicais. A frequência desse tipo de fenômeno provavelmente vai aumentar. Uma boa analogia é o fumo. Não se pode dizer que fumar dá câncer, mas quem fuma tem risco maior de sofrer de câncer. Temos informação do clima há 150 anos e o que está acontecendo nos últimos 30, 50 anos é significativamente diferente do que aconteceu antes.
ISTOÉ – É real o cenário catastrófico do filme O dia depois de amanhã?
Jones – Os efeitos não serão tão rápidos, mas o filme mostra que há muita gente como eu e os cientistas brasileiros, que acreditam no potencial para mudanças radicais. Há indicações de que haverá benefícios para certas áreas, que terão mais terra para plantar. E que os desastres serão piores nos lugares mais pobres. A variação do clima flutua em ciclos, mas fomos além dos limites de calor e frio e das estações do ano. O verão de hoje não é igual ao do ano passado, as variações estão muito além do normal. No futuro, essas mudanças serão mais acentuadas e rápidas. Temos tecnologia para descrever sistemas físicos, mas não sabemos como o ser humano vai se adaptar. Isso não será algo distante, só para os nossos filhos. São mudanças que vão ocorrer em nosso tempo de vida.
ISTOÉ – No Brasil, 80% da energia vem de hidrelétricas. É um erro prever mais usinas?
Jones – É importante considerar as implicações das mudanças climáticas ao planejar obras que dependam de água. Se a intenção é construir uma barragem com vida útil de 100 anos, talvez seja preciso prever estruturas mais resistentes para suportar o aumento ou a redução do volume dágua. As mudanças virão e não estamos acostumados. Os governos e as indústrias devem levar esses fatores em conta. Não significa que a obra será mais cara, é só planejar melhor. Quanto mais tecnologia, mais formas inteligentes temos de interagir com o mundo.
ISTOÉ – Qual é o maior desafio atual?
Jones – O desafio não é mais para os cientistas e sim para os políticos. O processo de aquecimento é lento e gradual. São precisos 500 anos para os oceanos se aquecerem como a atmosfera. O fato é que não há soluções simples. Será preciso muito trabalho, investimento, esforço político e científico. Há certas coisas que não podemos evitar, como o desaparecimento de algumas ilhas do Pacífico. Por isso, é importante a cooperação internacional nesse que é um dos maiores desafios globais. Certamente os fatos científicos serão mais interessantes do que a ficção científica jamais imaginou.

Isto É, 17/11/2004, p. 96-98

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