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Como o clima afetará a relação Andes-Amazônia

OECO - http://www.oecoamazonia.com
Autor: Simeon Tegel
06 de Jun de 2011

Com o desaparecimento de geleiras e dois terços de sua população de 30 milhões de habitantes concentrados na árida costa do Pacífico, o Peru é uma das nações mais vulneráveis do mundo no que diz respeito às mudanças do clima. No entanto, a Amazônia peruana, a quarta maior floresta tropical em território nacional, também desempenhará um papel crítico na medida em que a crise climática se desenrolar, tanto sobre os esforços globais para amenizar as emissões de carbono resultantes do desmatamento, como nos impactos sociais e ambientais do aquecimento global nacionalmente no Peru e rio abaixo na bacia Amazônica. De que forma, então, as mudanças climáticas afetarão a vasta floresta tropical do Peru?

Enquanto há um número crescente de previsões de longo alcance para o futuro da floresta tropical do Brasil sob as mudanças climáticas - muitas das quais prevêem cenários sombrios de savanização e desertificação para amplas faixas do baixo Amazonas à medida que a interação entre o aquecimento global e o desmatamento local adquire um impulso próprio, também conhecido como "ponto crítico" (tipping point) - a floresta tropical do Peru tem sido alvo de muito menos pesquisas. Isso acontece a despeito do crítico relacionamento hidrológico entre os Andes e a floresta tropical e pelo fato de que a região dos Andes-Amazônia, particularmente na Bolívia, no Equador e no Peru, é amplamente percebida como o bioma mais diversificado do mundo. Mesmo assim, um consenso científico começa a emergir. E, embora a perda em grande escala de cobertura de florestas prevista para algumas das outras partes da Amazônia não seja esperada no Peru, os impactos mesmo assim são alarmantes.

"É provável que haja uma série de mudanças tão dramáticas como nunca vimos antes e que produzirão um ecossistema diferente", diz Jhan Carlo Espinoza, climatologista e hidrólogo do Instituto Geofísico do Peru. Para compreender como as mudanças climáticas afetarão o Alto Amazonas, o fator-chave pode ser a precipitação nos Andes. Da vazão total do rio Amazonas no Atlântico, que é de aproximadamente 200.000 metros cúbicos por segundo, quase 40% se refere à água de escoamento da cordilheira. Mais especificamente cerca de 25.000 metros cúbicos por segundo advém de ambos os países Peru e Bolívia, enquanto que a Colômbia contribui com cerca de 15.000 metros cúbicos por segundo e o Equador com cerca de 10.000 metros cúbicos por segundo.

De acordo com o modelo desenvolvido pelo SENAMHI, o Serviço Meteorológico e Hidrológico Nacional do Peru, o índice de chuvas da região dos Andes-Amazônia possui previsão de queda de até 10% nas porções mais amplas dos Andes peruanos e Amazonas até o ano de 2030, particularmente nas montanhas mais ao norte do Peru e até 20% em algumas das áreas elevadas mais duramente atingidas. Vale notar que esse declínio é comparado aos níveis pluviométricos atuais que já sofreram quedas significativas em décadas recentes possivelmente devido às mudanças climáticas, mas também possivelmente relacionadas aos ciclos naturais; a precipitação nas vertentes da Amazônia peruana, que cobre tanto os Andes como a floresta tropical, também caiu em aproximadamente 15% em décadas recentes de acordo com Dr. Espinoza. Paradoxalmente, a perda das geleiras do Peru que atingirá duramente as comunidades nas montanhas e na costa do Pacífico, terá um impacto insignificante com relação à floresta tropical; a maioria das geleiras dos Andes derrete para o Oeste e dessa forma contribuem em apenas uma fração de um ponto porcentual para com o volume total do Amazonas.

Inesperadamente, os cientistas estão agora descobrindo que essas transformações se devem mais às mudanças globais de temperatura e padrões climáticos do que ao desmatamento regional ou local, que parece ter menos influência sobre o volume total ou localização das chuvas nos Andes do que se pensava anteriormente. Embora El Niño não desempenhe um papel em alguns dos padrões climáticos da Amazônia, por exemplo, coincidindo com a maior seca em 1998, os Andes, com altitudes que chegam a sete quilômetros em seu ponto mais alto, representam uma barreira maciça que em grande parte separa os sistemas climáticos do Pacífico e do Atlântico, bem como os ciclos hidrológicos. Em outras palavras, o clima em toda a Amazônia, inclusive até as florestas das nuvens dos Andes orientais e as vertentes que as mantém mais alto nas encostas das montanhas, está em grande parte integrado com os sistemas climáticos do Atlântico em vez do Pacífico.

Secas, inundações e deslizamentos

A maior parte da diminuição nos níveis de precipitação ocorre durante a estação das secas, de junho a novembro. Ao invés de uma queda linear e gradual dos níveis de chuva, a estação das secas está ficando mais intensa, inclusive com estiagens recorde como as que aconteceram em 1995, 1998, 2005 e 2010. Simultaneamente, a precipitação na estação chuvosa pode se tornar mais intensa e concentrada. "Veremos uma série de picos, um aumento nos eventos extremos," diz. Eduardo Durand, diretor do Mudanças Climáticas, Desertificação e Recursos Hidrológicos do recém formado Ministério do Meio Ambiente do Peru. Significativamente, todas as quatro secas recordes dos anos 1990 e 2000 ocorreram próximo ao fim do período desde que o monitoramento foi iniciado no Peru em 1969. Enquanto a seca de 1998 foi correlacionada ao El Niño no Pacífico, cada uma das outras três parece estar conectada às altas temperaturas incomuns no Atlântico tropical.

Na prática, isso significará um aumento nas secas, enchentes e deslizamentos na região dos Andes-Amazônia com consequências significativas rio abaixo e por toda a bacia amazônica para as comunidades, ecossistemas locais e, de forma mais ampla, para a estabilidade climática de toda a Amazônia e sua capacidade de funcionar sequestrando carbono. A seca de 2005, que se pensava ter sido um evento que só aconteceria uma vez no século, liberou 1.6 gigatoneladas de carbono na atmosfera. Mesmo assim, a seca de 2010, cujo impacto ainda está sendo estimado, está sendo vista agora como a mais severa.

Muitas espécies, tanto de flora como de fauna, são incapazes de sobreviver à secas como essas e, mesmo os indivíduos que conseguem atravessar tais períodos de seca extrema também são afetados. Frequentemente as plantas que conseguem sobreviver perdem suas folhas que, por sua vez, formam um vasto tapete inflamável sobre o solo da floresta, aumentando tanto a probabilidade como a intensidade de incêndios florestais, o que de outra forma seria uma ocorrência relativamente rara numa floresta tropical úmida saudável. Mesmo nas ocasiões em que a cobertura da floresta sobrevive, como se prevê para a maior parte do Peru, as características do ecossistema mudam e boa parte da rica biodiversidade da floresta primária poderá se perder. O impacto social será imenso, especialmente numa região onde as hidrovias fornecem o principal meio de transporte. Por exemplo, no ano passado, as cidades de Pucallpa e Iquitos, esta última o maior centro urbano na Amazônia peruana, ficaram isoladas uma da outra à medida que os leitos dos rios secaram completamente.

Enquanto isso, durante a época de chuvas, intensos períodos de precipitação devem aumentar resultando em enchentes e deslizamentos. Este último é um perigo particularmente significativo no Peru com sua topografia íngreme e distribuição irregular de assentamentos humanos, que consistem frequentemente de imigrantes recém chegados dos Andes e que se fixam em locais altamente inadequados. O risco de se repetir a tragédia de Yungay, quando quase 80 mil pessoas morreram com os deslizamentos provocados por um terremoto na província de Ancash nos Andes em 1970, é algo que os planejadores peruanos precisam considerar seriamente agora. Diz o Sr. Durand: "Nosso problema aqui é o escoamento da água. Na mesma proporção em que há desmatamento nas áreas mais altas, onde há a maior densidade populacional na nossa Amazônia, com a colonização sem controle e a remoção de árvores para manter a criação de animais ou para agricultura, corremos o risco de alterar os ritmos naturais das cheias, que já estão sendo afetados pelas mudanças climáticas. Para a floresta mais baixa, o problema não é de chuva, mas do ciclo de enchentes. Esse ritmo é um ponto-chave para elas."

O Instituto de Pesquisa da Amazônia Peruana já está focando sua atenção de trabalho sobre mudanças climáticas no desenvolvimento de um zoneamento territorial melhor nos Andes e na Amazônia para evitar tragédias futuras. "O Peru é um laboratório importante, porque inclui todo o ciclo hidrológico que poderia ser afetado por mudanças climáticas, desde as montanhas dos Andes até a Amazônia continental", lembra Luis Limachi, chefe do Instituto de Mudanças Climáticas e do programa de Desenvolvimento Territorial.

Rio acima e rio abaixo

As consequências não serão confinadas ao Alto Amazonas devido a uma série de impactos com probabilidade de serem sentidos rio abaixo até o Atlântico. Por outro lado, espera-se uma redução nas altas regiões em relação à capacidade de suas vertentes de absorver grandes quantidades de chuva e depois liberá-la gradualmente. Resumindo, isto significa que as variações nos níveis de água em todo o rio Amazonas e seus afluentes aumentarão com uma quantidade maior de picos repentinos, tanto de alta como de baixa, ampliando os riscos de enchentes. Atualmente, quando acontecem chuvas especialmente intensas no Alto Amazonas e nos Andes, as savanas de alta altitude na cordilheira, as florestas de nuvens abaixo e a floresta das terras baixas, mesmo as mais distantes, absorvem a maior parte da umidade e então a liberam continuamente ao longo do tempo, regulando os níveis de água de forma efetiva, mesmo até a bacia amazônica. Essa capacidade será perdida conforme as mudanças climáticas alterarem aqueles ecossistemas, levando a grandes riscos de enchentes em todo o rio Amazonas e seus afluentes.

Outro impacto crítico poderá acontecer em relação à qualidade do solo. A precipitação nos Andes não apenas fornece quase 40% da água da bacia amazônica. Aquela água também chega carregada de sedimentos ricos em nutrientes que ajudam a manter tanto o ecossistema da floresta como a agricultura bem rio abaixo, um elemento-chave nos ecossistemas amazônicos, onde o solo é frequentemente pobre. Cientistas acreditam que em torno da metade dos sedimentos que chegam ao baixo Amazonas provém dos Andes com as chuvas extremas sendo responsáveis por uma alta proporção desse total. De que forma um ciclo intensificado de estações de seca e de cheias, com picos de chuvas e secas extremas, irá impactar com aquele fluxo crítico de sedimentos ainda é uma área pouco estudada. No entanto, é um importante exemplo de como as mudanças no ciclo hidrológico entre os Andes e o Amazonas, como resultado do aquecimento global, pode alcançar muito além do real fluxo de água conforme impactam no delicado equilíbrio da floresta tropical.

Além dos impactos ambientais diretos das mudanças climáticas sobre a região dos Andes e da Amazônia, provavelmente também acontecerão diversos efeitos sociais indiretos que provavelmente ampliarão os impactos no equilíbrio ecológico do alto Amazonas. Mais do que qualquer outra coisa, deverá haver um aumento na migração de comunidades pobres da serra, que lutam para lidar com a falta de água, bem como um subdesenvolvimento de amplo contexto em direção à floresta tropical. Essa tendência já é um fenômeno significativo no Peru e pode ter um impacto ecológico potencialmente devastador. Muitos dos migrantes que tipicamente provém de altitudes maiores do que 3.000 metros acima do nível do mar não possuem conhecimento algum de horticultura em regiões tropicais e se envolvem em práticas destrutivas, como por exemplo, a agricultura não-tradicional que emprega queimadas, ou ainda de um tipo de garimpagem artesanal por ouro, que utiliza grandes quantidades de mercúrio numa prática que está atualmente destruindo grandes áreas de floresta primária na região de Madre de Dios.

Vontade política

Estes impactos provavelmente serão agravados pelas decisões estratégicas tomadas por aqueles que fazem as políticas em Lima e que, historicamente, têm demonstrado pouca apreciação pela Amazônia, a não ser como uma fonte natural de recursos para ser explorada impiedosamente para exportação. Projetos maciços de infraestrutura tais como o Acordo Energético com o Brasil que produzirá uma série de enormes barragens hidrelétricas construídas pela primeira vez nas florestas baixas do Peru, ou a recentemente completada Rodovia Interoceânica (Corredor Bioceânico) que conecta os portos do Pacífico do Peru com o Brasil, deixarão enormes pegadas ecológicas. Embora insista que a classe política de Lima está gradualmente se tornando mais consciente em relação ao meio ambiente, o Sr. Durand reconhece que: "Há pouca compreensão no Peru em geral, seus líderes, seus políticos e mesmo entre seus acadêmicos no que diz respeito ao que vem a ser o ecossistema Amazônico."

Fica a incógnita se o novo governo que tomará posse após o segundo turno de eleições presidenciais em junho irá demonstrar uma conscientização maior em relação à necessidade de uma estratégia sustentável para a Amazônia. A despeito dos esforços do Sr. Durand e seus colegas no Ministério do Meio Ambiente - que só foi criado em 2008 e como uma condição do tratado comercial com os Estados Unidos - a administração do presidente Alan Garcia que se encerra exibe uma ficha sombria em relação a questões ambientais. Também outros departamentos governamentais, especialmente os Ministérios da Agricultura e Minas e Energia ainda desempenham um papel muito mais importante nas decisões econômicas e de infraestrutura do Peru do que o departamento do Sr. Durand. Na medida em que eventos climáticos extremos apertarem o cerco na região dos Andes-Amazônia, os políticos em Lima deverão eventualmente enxergar a luz. Mas para as comunidades locais no alto Amazonas e, mais além, rio abaixo bem dentro da floresta tropical brasileira, o momento para adaptações climáticas já chegou.

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