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Como Marina queria

CB, Política, p. 2
06 de Fev de 2004

Como Marina queria
Ministra se considera vitoriosa com a aprovação do projeto que dá poderes ao Ibama para liberar o plantio e a comercialização de transgênicos

Helame Boaventura e Lílian Tahan
Da equipe do Correio

As olheiras fundas da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, denunciavam a noite maldormida. Ela acompanhou de casa, pela TV Câmara, o momento em que o projeto da Lei de Biossegurança - que regulamenta a pesquisa, o plantio e a comercialização de produtos trangênicos - foi aprovado pelos deputados, às 2h15 da madrugada. Nem o cansaço, porém, conseguiu ofuscar a satisfação da ministra pela vitória obtida com a votação do projeto. Após a cerimônia de lançamento do Programa Nacional de Florestas, ontem, no Palácio do Planalto, ela foi cumprimentada por amigos, assessores e parlamentares. E, perguntada se teria sido vitoriosa, foi direta: "Sim. Foi um processo complexo que contou com esforço do relator e das lideranças e nos levou a um acordo satisfatório para o país".

Com a conquista na Câmara, Marina faz planos para o Senado. Ontem, já cobrava ação dos senadores. "Tenho certeza que os senadores terão toda a sensibilidade de aprovar (o projeto) o quanto antes para que possamos ter o marco legal e começarmos a estabelecer os processos de licenciamento ambiental."

A ministra acompanhou até o último minuto as votações na Câmara, telefonando para o relator, Renildo Calheiros (PC do B-PE), para o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT SP), e para o deputado João Alfredo (PT-CE), ligado aos ambientalistas. Depois de uma sessão de debates acalorados e de um dia de intensas negociações, os deputados aprovaram, em votação simbólica, o relatório de Calheiros.

O deputado fechou um acordo com Marina e mudou o texto relatado pelo então deputado Aldo Rebelo, hoje ministro da Coordenação Política. Aumentou os poderes do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) para liberar o plantio e a comercialização de transgênicos. O órgão, ligado ao Ministério do Meio Ambiente, tinha papel secundário no relatório Aldo. Por este mesmo motivo, a bancada ruralista preferia o parecer de Rebelo.

A votação só ocorreu depois que a oposição, o PPS e a bancada ruralista perceberam a derrota iminente e desistiram de brigar. Retiraram os 304 pedidos para mudar o projeto ao ver o placar de uma votação anterior, que garantiu 279 votos a favor do governo, 128 contrários e duas abstenções. Os números se repetiriam na votação principal.

A bancada ruralista votou contra o parecer de Calheiros, apesar das tentativas de negociação. Até o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, participou de uma reunião na sala de João Paulo, com Rebelo, líderes e vice-líderes. Na reunião, Rebelo apoiou o relatório de Calheiros. E Rodrigues, para evitar demonstrar um racha no governo, impôs três condições para que a bancada ruralista fechasse um acordo.

0 ministro da Agricultura pediu prazo de 120 dias para o Ibama emitir a licença de comercialização de transgênicos, mudança na composição e convalidação de decisões anteriores da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). 0 governo topou e incluiu as propostas no projeto. Ao chegar no canto esquerdo do plenário da Câmara, porém, Rodrigues deixou claro que o atendimento dos pedidos não resolvia a questão. À grupo reduzido de parlamentares, bradou contra o relatório de Calheiros e à imprensa se disse "preocupado".

Para os ruralistas, a interferência do Ibama prejudicará o setor agrícola, que já está plantando produtos transgênicos, como a soja geneticamente modificada. "Quando esse relatório de impacto ambiental chegar, já teremos perdido todo o investimento feito. A tecnologia avança muito rápido na agricultura', reclamou o deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO).
Em resposta à crítica, Marina garantiu agilidade nas ações do Ibama. 0 governo já aprovou a contratação de 1.300 cargos comissionados para o órgão e para a Funai, além da realização de concurso público. "A prioridade do governo é que possamos ter estrutura ágil, capaz de responder as suas atribuições", prometeu.

0 projeto também não satisfez o vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária no Brasil (CNA), Carlos Sperotto. "1: um marco termos uma lei que regulamenta a questão dos transgênicos, mas ela não é a ideal", diz ele, para quem os investidores em pesquisa de biossegurança podem se assustar com a interferência política.

O projeto aprovado

A Câmara dos Deputados aprovou na madrugada de ontem o projeto de lei sobre biossegurança, que dispõe sobre o plantio e comercialização de transgênicos. Veja os principais pontos.

Controle
Cria o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), formado por 15 ministros envolvidos na questão dos Organismos Genericamente Modificados (OGM), conhecidos como transgênicos. 0 conselho formulará uma política nacional e dará a última palavra sobre pontos controversos do tema.

CTNBio
Prevê que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) terá 27 membros, todos com titulação de doutor, designados pelo ministro de Ciência e Tecnologia. A comissão fixará as normas e acompanhará as pesquisas de laboratório e de campo de organismos geneticamente modificados.

Ibama
Órgãos como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) e a Agência de Vigilância Sanitária emitirão pareceres antes da liberação do plantio e da comercialização de produtos transgênicos.

Soja
Prorroga por um ano a Lei 10814/03, que liberou o plantio e a comercialização da safra de soja transgênica de 2004.

Clonagem
Proíbe a clonagem humana para fins reprodutivos, a produção de embriões humanos destinados a servir como material biológico disponível e a intervenção em material genético humano in vivo. E permitido procedimento com fins de diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças ou clonagem terapêutica.

Rótulo
Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal devem ter no rótulo a informação de que contêm organismos geneticamente modificados.

Cide-OGM
Cria contribuição de intervenção sobre o domínio econômico na comercialização e importação de sementes e mudas geneticamente modificadas (Cide-OGM). Terá alíquotas de 1,5% e incidirá sobre as operações de importação e comercialização dos produtos. Os recursos irão suprir o Fundo de Incentivo ao Desenvolvimento da Biossegurança e da Biotecnologia para Agricultores Familiares (FIDBio).

Crime
Serão considerados crimes a clonagem humana, a manipulação genética de embriões humanos e liberação irregular ao meio ambiente de transgênicos. A punição será de advertência, apreensão dos OGM, suspensão de licença ou registro, penas de detenção ou reclusão e multas de R$ 2 mil a R$ 1,5 milhão. Os recursos arrecadados serão destinados aos órgãos ligados à área.

No campo
1995 FHC sanciona a Lei de Biossegurança, que regulamenta o cultivo e comercialização de 'organismos geneticamente modificados'.
1996 Em junho é criada CTNBio.
2002 Em 12 de junho, o Conselho Nacional do Meio Ambiente aprova a obrigatoriedade de licenciamento para o plantio de transgênicos
2003 Para evitar o prejuízo com a grande safra de soja transgênica colhida-estimado em R$ 1 bilhão-, o presidente Lula permite a comercialização de soja transgênica da safra 2003/2004.

CB, 06/02/2004, Política, p. 2

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