VOLTAR

Com tema Amazônia, igreja abre embate com o govern

FSP, Brasil, p. A4
21 de Fev de 2007

Com tema Amazônia, igreja abre embate com o governo
Campanha da Fraternidade, lançada hoje, ataca "omissão" do Estado na região
Religiosos questionam reintegrações de posse de terras sob alegação de que latifúndios têm origem esdrúxula ou são ilegais

Leandro Beguoci
Da reportagem local

A Igreja Católica retoma após oito anos o embate frontal com o governo e com empresários em uma Campanha da Fraternidade. O tema deste ano é a Amazônia e, entre as propostas, está o fim da concessão de liminares de reintegração de posse a fazendeiros que têm terras invadidas. O lançamento nacional, que pela primeira vez ocorre fora de Brasília, será em Belém (PA), às 12h de hoje.
Nas décadas de 80 e 90, as campanhas falavam de fome, falta de moradia e não era raro a troca de farpas com os governos. Mas, desde 2000, o eixo mudou. Foram feitas campanhas pelos direitos dos idosos, dos deficientes físicos.
O último tema apimentado foi o de 1999, quando o mote era o desemprego na gestão de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) -que chamou as críticas de "ingênuas".
A campanha surgiu em 1964, começa na Quarta-Feira de Cinzas e termina na quinta-feira anterior à Páscoa. O objetivo é discutir um problema com a sociedade e propor soluções.

Família humana
Dom Odilo Scherer, secretário-geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), diz que a igreja não teme novos embates: "O fundo da questão é antropológico e ético. A Amazônia está na perspectiva da família humana. É preciso cuidar do que é de todos".
Apesar da cautela de d. Odilo, o texto que orienta os fiéis para a campanha é contundente.
Em um dos trechos, diz que os cristãos devem denunciar e se opor a "projetos de dominação político-econômica que perpetuam modelos econômicos colonialistas" na região.
Segundo a igreja, "o Estado foi omisso no cumprimento de suas funções", pois "deixou de fazer a regularização fundiária, foi incapaz de fiscalizar cartórios e grileiros e de controlar a corrupção". O texto-base da campanha diz ainda que "os latifúndios, na Amazônia, têm origem esdrúxula, quando não ilegal, e que "a concessão de uma liminar de despejo, num conflito com o latifúndio, parece, pelo menos, temerária".
Três fatores, segundo a Folha apurou, pesaram na escolha do tema: os alertas mais freqüentes sobre o desmatamento, a necessidade de mobilizar os católicos a contribuir com os projetos da igreja na Amazônia e a perda de fiéis na região.
O conteúdo do texto se explica porque o catolicismo amazônico é fundamentado, sobretudo, na Teologia da Libertação. Esta corrente sustenta que a igreja deve se empenhar na transformação social.
Sobre a destruição das florestas, D. Orani Tempesta, arcebispo de Belém, afirma que a campanha pedirá, sobretudo, uma mudança de mentalidade: "Não vemos a Amazônia como uma região a conquistar, mas como espaço para dialogar".
Em relação aos outros dois motivos, predomina a cautela, mas a explicação é simples.
Metade das dioceses da Amazônia possui bispos estrangeiros. Eles pertencem a congregações religiosas de países como França e Itália, que, por sua vez, enviam dinheiro ao Brasil. "Os fiéis me perguntavam se brasileiro podia ser padre", lembra d. José Maria Pinheiro, bispo de Bragança Paulista (SP), que morou 20 anos em Rondônia e no Amazonas.
Mas estes recursos não são suficientes. A diocese de São Gabriel da Cachoeira (AM) tem uma área semelhante à da Itália continental e conta com apenas 24 padres. O bispo é chinês.
Para piorar o quadro católico, há o crescimento evangélico. O censo de 2000 aponta que 19,2% da população do Amazonas é evangélica. Em Roraima, o índice sobe para 23,6%, e, em Rondônia, chega a 27,7%. "Há áreas em que já não há mais católicos", lamenta d. José.

Catolicismo na região esbarra em evangélicos e falta de recursos

Kátia Brasil
Da agência Folha, em Manaus

Uma amostra dos obstáculos que a Igreja Católica terá para "lançar um chamado à conversão" aos "povos" da Amazônia -um dos objetivos da Campanha da Fraternidade deste ano- é encontrada na região de Autazes (112 km de Manaus).
Nessa cidade cinco vezes maior do que São Paulo, margeada por afluentes do rio Madeira, aldeias indígenas da etnia mura visitadas pela Folha recebem mais apoio religioso de outras denominações do que da Igreja Católica.
O avanço do catolicismo ali esbarra na falta de recursos materiais e humanos -a Funai (Fundação Nacional do Índio) estima que haja de 6.000 a 13 mil índios na região.
Para alcançar as 78 comunidades ribeirinhas da área, por exemplo, o único representante da Igreja Católica na região, o padre diocesano Jésus Lopes, 33, depende da boa vontade de índios e moradores, que cedem barcos para seu deslocamento.
"Dependemos de barcos de linha [transporte coletivo] ou que a comunidade se mobilize e nos busque. Quando isso não ocorre, eles [índios] ficam à mercê de falsas promessas. Infelizmente, assim é o rosto do Amazonas", disse o pároco.

Apoio financeiro
Na última sexta-feira, a Folha visitou três aldeias da região, em um percurso de 90 km por estradas de terra batida. Na aldeia Sampaio, a 36 km da sede de Autazes, encontrou seis templos religiosos -um a cada 200 metros. São duas capelas católicas e dois templos de outras denominações -Batista, Adventista e as pentecostais Assembléia de Deus e Evangelho Quadrangular.
Na aldeia de 130 famílias, que vivem, principalmente, da mandioca, os grupos não-católicos têm trabalhos de evangelização de jovens e dão apoio financeiro para formar pastores.
A Igreja Católica foi a primeira a chegar na aldeia, em 1967. Perdeu terreno a partir de 1980, com a entrada da Igreja Adventista do Sétimo Dia, que converteu a maior parte dos índios e diz ter 44 membros efetivos na aldeia.
Um deles é o tuxaua (chefe político) geral da povoação, Antônio de Matos, 64. "No tempo em que era católico eu me aborrecia, nada era bom. Depois que passei a ser adventista, conheci muitas coisas que eu fazia errado, como beber, fumar e andar armado. A Bíblia é o caminho para endireitar a vida da gente."
Na aldeia Josefa, de 60 famílias, predominam a Assembléia de Deus e a Adventista do Sétimo Dia. Minoria, os índios católicos não praticam a religião.
O tuxaua geral, Salatiel de Souza, 20, é da Assembléia de Deus. Disse que vai organizar um plebiscito se a Igreja Católica resolver abrir um templo na aldeia. "Os católicos daqui são poucos e não praticam. Se a Igreja Católica quiser abrir um templo aqui, é a população que vai decidir."
Na aldeia Ferro Quente, não há igrejas. As 12 famílias são quase todas católicas, mas têm que percorrer 45 km até Autazes se quiserem ir à missa.

Campanha
O padre Jésus disse esperar que a Campanha da Fraternidade ajude o catolicismo a recuperar terreno na Amazônia. "Precisamos de pessoas que venham para o Amazonas com verdadeiro espírito missionário, porque aqui tem muito o que fazer", afirmou.

FSP, 21/02/2007, Brasil, p. A4

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.