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Com João Pedro, Funai fica politizada e alinhada com obras do PAC

Amazônia Real (Manaus - AM) - www.amazoniareal.com.br
Autor: Katia Brasil
30 de Jun de 2015

O novo presidente da Fundação Nacional do Índio negou infuência do ministro Eduardo Braga em sua indicação.

Nomeado há duas semanas para um cargo de segundo escalão do governo Dilma Rousseff, o ex-senador João Pedro Gonçalves da Costa assumiu a Presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai) sob críticas e surpresa das lideranças indígenas da Amazônia. João Pedro, como é conhecido no Estado de origem, o Amazonas, é um dos líderes do Partido dos Trabalhadores (PT) regional e tem alinhamento com os grandes empreendimentos do governo previstos em áreas de influência de terras indígenas, especialmente os da pasta de Minas e Energia, do amigo e ministro Eduardo Braga (PMDB-AM).

Para Valdenir Munduruku, liderança do movimento contra a construção do complexo de hidrelétricas na bacia do Tapajós, a nomeação do João Pedro é uma manobra do governo da presidente Dilma. Estudos de impacto ambiental da Eletronorte apontam que as usinas irão alagar parte da Terra Indígena Sawré Muybu, no oeste do Pará. A reserva não está demarcada pela Funai, apesar do órgão ter em mãos um relatório que aponta os limites para a regularização do território.

"Minha preocupação é que na tentativa de fragilizar nosso movimento, ele [João Pedro] pressione a Coordenação regional local para convencer os indígenas sobre o projeto de São Luiz do Tapajós. O governo vem usando essas manobras", afirmou Valdenir Munduruku.

Nesta segunda-feira (29), o presidente da Funai, João Pedro Gonçalves da Costa, 62 anos, esteve em Manaus (AM) onde manteve reuniões com funcionários da Coordenação Regional, com representantes do Programa Waimiri-Atroari e do Distrito Sanitário de Saúde Indígena (Dsei). Em entrevista à agência Amazônia Real, ele negou influência do ministro Eduardo Braga em sua indicação.

"A minha indicação vem de uma discussão com lideranças indígenas da Amazônia e com lideranças políticas no âmbito do PT. Foi construída desde fevereiro (2015) numa perspectiva de levar gestores que possam tratar essa questão da Amazônia no âmbito do governo. Penso que o ministro Eduardo Braga quando soube da minha indicação e, por me conhecer, com certeza não fez nada contra. Isto está superado, agora estou cuidando da agenda da Funai. (Leia a entrevista completa no final desta reportagem).

João Pedro Gonçalves da Costa assumiu a Presidência da Funai no dia 17 de junho deste ano. Desde a posse, ele já participou de eventos como o lançamento dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, que contou com a presença da Presidente da República, Dilma Roussef, encontrou com o secretário-geral da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), Dom Leonardo Ulrich Steiner, esteve na 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista, mas o que chamou a atenção na agenda do novo chefe foi seu encontro, no dia 24, com deputado federal Édio Lopes (PMDB/RR) e outros políticos na sede da fundação, em Brasília.

O deputado Édio Lopes é o relator do Projeto de Lei (PL) 1.610/1996 que analisa a regulamentação da mineração em terras indígenas. O projeto voltou a ser discutido na Comissão Especial da Câmara com apoio da bancada ruralista. Lopes é também um dos articuladores para a retomada das obras do Linhão de Tucuruí, do Ministério de Minas e Energia.

A obra do Linhão de Tucuruí não sai do papel desde 2014. O edital foi suspenso pela Justiça Federal, que acatou pedido do Ministério Público Federal. A obra vai atravessar a Terra Indígena Waimiri-Atroari, que fica entre os Estados do Amazonas e Roraima, mas a etnia não foi ouvida sobre a obra. Nos anos 70, os waimiri-atroari quase foram dizimados por obras realizadas pelo governo da ditadura militar. As obras que mais impactaram a etnia foram as construções da rodovia BR-174 (Manaus/Boa Vista) e da Hidrelétrica de Balbina.

A assessoria de imprensa da Funai divulgou em sua página no Facebook uma foto do encontro de João Pedro com Édio Lopes. Na legenda, a informação é que o encontro foi para "tratar de projetos em benefício das comunidades indígenas de Roraima". Na entrevista abaixo, João Pedro desmente a assessoria dizendo que conversou sobre o projeto de mineração.

Pelo Facebook, lideranças ligadas ao Conselho Indígena de Roraima (CIR) reagiram ao encontro de João Pedro com o relator da mineração. Um dos comentários dizia que "o senhor PEC 215, Édio Lopes, não sabe o que é melhor para os povos de Roraima, pois é um ruralista".

Antropólogo indígena diz que nomeação está ligada ao PAC

Para um dos fundadores do movimento indígena do Amazonas, o antropólogo João Paulo Barreto, da etnia tukano, a nomeação de João Pedro tem relação com as obras do governo Dilma.

"Minha visão é simples e direta. As mudanças estão acontecendo em função do PAC (Projeto de Aceleração do Crescimento). Está no jogo mineração, agronegócios, hidrelétricas, recursos madeireiros e água, que são potências que existem nas Terras Indígenas. A Funai tem papel fundamental nesse contexto, ou seja, lutar pelos interesses de grupos econômicos para explorar tais riquezas, disso não tenho dúvida", disse Barreto.

O antropólogo acredita que por ser do Amazonas, João Pedro Gonçalves possa persuadir a opinião de indígenas contrários às obras.

"O presidente da Funai e seus membros tem papel fundamental para cumprir a meta do governo, dentro do programa PAC, isto é, para convencer os índios com promessas, com programas ilusórios, Bolsa Família, cargos, etc. João Pedro cumprirá essa missão, que é o de ludibriador os povos indígenas, completou João Paulo Barreto.

O presidente da Federação do Povo Huni Kui do Estado do Acre, Ninawa Inu Huni Kui, disse à Amazônia Real que a indicação de João Pedro Gonçalves da Costa é uma estratégia da bancada do governo no Congresso.

"Ele é um aliado e isso é muito preocupante com todo o cenário que está aí. Não vemos possibilidade nenhuma de melhorar a situação da Funai. Então a ideia é mesmo de travar alguns processos e abrir para o interesse da bancada que domina hoje o Congresso. Não vemos como uma boa expectativa esse novo presidente, pois é um ex-senador que tem um olhar para megaprojetos e não para as demarcações indígenas", afirmou Ninawa Huni Kui.

Clovis Rufino Marubo, um dos líderes da Terra Indígena Vale do Javari, que fica na fronteira do Amazonas com o Peru, disse que a indicação política de João Pedro Gonçalves da Costa causou surpresa, mas ponderou nas críticas reconhecendo a participação do novo chefe da Funai em lutas a favor do movimento.

"Esperamos que o João Pedro, que foi um político favorável ao movimento indígena principalmente nas décadas de 90, e esteve sempre presente, não mude, porque as pessoas mudam. Nós queremos que ele seja o que era antes, sempre ao lado dos povos indígenas, e não do lado dos políticos e do governo. Para atender as demarcações das terras, ele tem que ser favorável aos índios e olhar as nossas reivindicações. Se ele for ao contrário, vai chocar todos os povos indígenas", afirmou Clóvis Marubo.

A reportagem também ouviu o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organização da Igreja Católica. Para o secretário executivo, Cleber César Buzatto, a nomeação de João Pedro é uma estratégia do governo federal de recompor a Presidência da Funai com uma pessoa de confiança política e que respalde os projetos públicos relativos as terras indígenas.

"Isso explica o fato do governo não ter atendido as demandas apresentadas pelos povos indígenas de efetivar o interino presidente Flávio Chiarelli Azevedo. Isso, mesmo contra as manifestações dos povos indígenas, que recentemente tiveram em Brasília. Então, o governo oficializou a indicação do nome do Joao Pedro. É pouco provável que a pautas prioritárias do governo sejam respondidas com maior agilidade por parte da Funai, principalmente, aquelas relacionadas a empreendimentos que o governo pretende construir e que atingem terras indígenas no país.

Quem é o João Pedro?

Nascido em Parintins (AM), o novo Presidente da Funai, João Pedro Gonçalves da Costa, ingressou na carreira política como militante do PC do B. Formado em agronomia, ele foi deputado estadual (1982), vereador de Manaus (1988) e se filiou ao Partido dos Trabalhadores em 1991.

Com Lula na Presidência da República, João Pedro foi alçado à superintendente do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra), em 2003. Nas eleições de 2006, ele coordenou a campanha petista no Amazonas, elegendo-se como primeiro suplente de senador de Alfredo Nascimento (PR). Em 2007, assumiu a vaga do PR no Senado, exercendo o mandato até julho de 2011. Em 2014, João Pedro foi derrotado na campanha para deputado federal, assim como seu amigo Eduardo Braga, que disputou o governo estadual.

João Pedro assumiu à Presidência da Funai, cargo que era antes ocupado interinamente por Flávio Chiarelli Vicente de Azevedo, que não chegou a ser nomeado, em 2014, assim como foi com Maria Augusta Assirati, que assumiu em 2013 e pediu demissão por discordar da política de demarcações do governo do PT.

ENTREVISTA: JOÃO PEDRO GONÇALVES DA COSTA

O novo presidente da Fundação Nacional do Índio, João Pedro Gonçalves da Costa, concedeu entrevista à agência Amazônia Real nesta segunda-feira (29), em Manaus. Ele disse que sua indicação teve apoio de lideranças indígenas e que é contra a PEC 215.

Amazônia Real - Sua indicação para assumir a Funai partiu do ministro de Minas Energia, Eduardo Braga (PMDB)?

João Pedro - Não. A minha indicação vem de uma discussão com lideranças indígenas da Amazônia e com lideranças políticas no âmbito do PT. Foi construída desde de fevereiro (2015) numa perspectiva de levar gestores que possam tratar essa questão da Amazônia no âmbito do governo. Penso que o ministro Eduardo Braga quando soube da minha indicação e, por me conhecer, com certeza não fez nada contra. Isto está superado, agora estou cuidando da agenda da Funai. Nós estamos no meio do ano e tem muita coisa para ser feita. Isso (a indicação) nunca foi polêmica, eu não acompanhei isso como um entrave, mas como um processo natural de um governo democrático que tem pessoas, gestores, com indicação política. Veja isso com muita naturalidade. Eu sou do PT e todo mundo me conhece no Amazonas. É evidente que não sou conhecido nacionalmente com esse nome todo.

Amazônia Real - As lideranças indígenas observam que o senhor está alinhado aos projetos do governo Dilma Rousseff e poderá respaldá-los como os empreendimentos de hidrelétricas e mineração nas áreas de influência de terras indígenas. O que o senhor tem a dizer?

João Pedro - O governo tem projetos e trata isso publicamente. A Funai tem que ter a capacidade como órgão de Estado de fazer a mediação. Não tem nada às escondidas. Eu tenho um compromisso público. A Funai tem o seu compromisso constitucional para discutir com os povos indígenas, com a sociedade civil, discutir com o governo as suas políticas públicas. Estou aberto a ouvir e a construir fundamentalmente o que seja melhor para os povos indígenas, para a sociedade brasileira, para o Estado brasileiro.

Amazônia Real - Na sua segunda semana de trabalho, o senhor manteve reunião com o relator do projeto de regulamentação da mineração em terras indígenas, deputado federal Édio Lopes (PMDB-RR). O que trataram sobre o projeto de mineração, da qual a discussão foi retomada no Congresso?

João Pedro - O relator da matéria que trata da mineração em terras indígenas foi me apresentar o seu trabalho. A Comissão voltou a ser articulada. Ele vai apresentar ainda uma agenda de trabalho da comissão, que trata da questão da mineração.

Amazônia Real - A discussão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que tem objetivo de transferir a competência da União para o Congresso Nacional das demarcações das terras indígenas, seria o motivo da demissão da presidente interina da Funai, a advogada Maria Augusta Assirati, que achava a proposta "descabida". Qual é a sua opinião sobre a PEC 215?

João Pedro - Eu sou peremptoriamente contra a PEC 215. Agora, na minha visão, nós temos que construir um grande ambiente para levarmos esta opinião no sentido de não haver nenhum retrocesso naquilo que foi conquistado na Constituinte de 1988. Eu estive com Dom Leonardo Ulrich Steiner [secretário-geral da CNBB] na sexta-feira (26) e tivemos uma longa conversa. Nós temos que criar um ambiente na sociedade civil para termos uma estratégia de discussão no Congresso Nacional com uma atuação no sentido de não permitir retrocessos. Agora, o caminho é o diálogo. Temos que organizar um amplo movimento denso e forte com os povos indígenas, com as lideranças e a organização civil que trabalha com os povos indígenas. Não basta dizer não. Nós temos que construir esse caminho com o diálogo, com transparência para não perder o compromisso humano e o compromisso constitucional de fazer a de defesa dos povos indígenas, de suas terras, de sua cultura e das línguas. Então temos que ter firmeza e sabedoria para dialogar com o Congresso Nacional.

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