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Código Florestal desafia meta de plantio no Rio

O Globo, Economia, p. 45
24 de Jun de 2012

Código Florestal desafia meta de plantio no Rio
Novo texto desobriga reflorestamento em área de 217 mil hectares; conferência termina sem acordos para florestas

Emanuel Alencar
emanuel.alencar@oglobo.com.br

Sem um acordo internacional ambicioso em conservação de florestas, a Rio+20 jogou para os governos locais a responsabilidade pelos avanços na gestão de áreas verdes. Ao mesmo tempo em que comemora a queda do índice de desmatamento, o Estado do Rio precisa de ações rápidas para evitar retrocessos. Levantamento feito pela Gerência de Serviço Florestal do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) a pedido do GLOBO mostra que uma área sem cobertura de vegetação nativa de aproximadamente 217 mil hectares - o equivalente a quase duas vezes o território da capital fluminense - está livre da obrigação de ser reflorestada. São trechos de áreas de preservação permanentes (APPs) em topos de morro ou ciliares, no entorno de rios, que poderão manter as atividades rurais consolidadas.
O cálculo, com base no novo Código Florestal (lei federal 12.651), foi feito considerando dados do Censo Agropecuário e do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica.
Controvérsia na meta de reflorestamento
O horizonte preocupante surge no momento em que o estado está comprometido com o desafio olímpico - estabelecido em outubro de 2009 - de plantar 24 milhões de mudas nos próximos três anos, em 9.600 hectares. O Inea reconheceu que não tem levantamento preciso e confiável do quanto já foi plantado e sequer contratou a empresa responsável por fazer o inventário das emissões de gases do efeito estufa dos Jogos Olímpicos. O acordo firmado com o Comitê Olímpico Internacional (COI) é neutralizar as emissões de carbono durante a competição.
- É preciso acelerar - admitiu a vice-presidente do Inea, Denise Rambaldi, responsável pelo projeto Jogos Limpos. - Só entram na conta os plantios voluntários e excedentes de compromissos que estão no licenciamento de empresas, não valem medidas compensatórias. Mas acredito que essa meta esteja superdimensionada.
Perguntado sobre a morosidade da execução do programa, o secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc, fez leitura oposta:
- Vamos cumprir a meta com folga. Vale tudo, ações voluntárias e involuntárias. O importante é capturar carbono. Só o Comperj (Complexo Petroquímico do Rio) deverá plantar 6 milhões de mudas ao longo dos rios Macacu e Caceribu. Os esforços de empresas, do governo e das prefeituras serão somados.
Com parâmetros e execução ainda controversos, o programa de reflorestamento capitaneado pelo estado - orçado em R$ 500 milhões - encontra grandes gargalos: a produção de mudas da Mata Atlântica é o principal. O Estado do Rio tem 85 viveiros, com capacidade produtiva de 5 milhões de mudas por ano. Nessa toada, se todas as mudas fossem destinadas ao megaprograma de restauração, somente em 2017 o compromisso seria cumprido. Outro entrave é a falta de regulamentação para a coleta de sementes em unidades de conservação, hoje uma atividade proibida.
O engenheiro florestal Beto Mesquita, diretor do programa Mata Atlântica da Conservação Internacional, alerta que as empresas só vão aderir ao Jogos Limpos se enxergarem seriedade no programa.
- Deve haver uma estratégia definida e clara - observou Mesquita, que enxerga enorme potencial na cadeia do reflorestamento: - O viveiro Biovert, por exemplo, é o maior empregador de Silva Jardim. É preciso desenvolver um amplo programa de capacitação de mão de obra. O Rio é um estado com muitos morros, terreno acidentado. Mecanizar o reflorestamento é complicado e custa caro.
Com a mesa lotada de processos referentes a averbações de Reservas Legais em propriedades rurais, o gerente do Serviço Florestal do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), Rodrigo Bacellar Mello, afirma que o novo Código Florestal tem artigos que põem uma interrogação no futuro. Um deles é o 67 do texto sancionado pela presidente Dilma Rousseff, que livra 88% dos proprietários rurais fluminenses (50 mil) de recuperarem áreas de Reserva Legal. Estabelece que vale o que estava preservado até 22 de julho de 2008 em pequenas e médias propriedades (até quatro módulos fiscais). A lei determina que toda propriedade rural deve manter preservados 20% de sua área, para garantia do uso sustentável dos recursos naturais.
No novo Código, se um proprietário tinha 1% de área preservada até 2008, por exemplo, ele fica desobrigado a recuperar os outros 19%.
- Em 2010 tivemos conhecimento de um movimento de grandes proprietários fracionando suas terras para tentarem cair nessa desobrigação. São questões que teremos de enfrentar - disse Bacellar.

Restauração, um longo processo
Mulas carregando pesadas carroças cortam, em zigue-zague, o terreno íngreme do Parque Estadual da Pedra Branca, na Zona Oeste do Rio. Setenta homens abrem clareiras no terreno seco, num trabalho árduo. O cenário do Brasil Império se repete na era da economia verde e da sustentabilidade: a tração animal que ajudou a mover a indústria carvoeira carioca do século XIX corre contra o tempo para cumprir meta de reflorestamento para 2016.
Um trabalho de restauração de área degradada vai muito além de abrir covas e depositar as mudas. O Parque da Pedra Branca, que sofreu com o corte de madeira e agora recebe projeto de restauração, é o maior exemplo. Desde dezembro passado, o Instituto Terra da Preservação Ambiental (ITPA) coordena um programa de reflorestamento no local.
Financiado pela Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) e com a supervisão da prefeitura do Rio, o programa prevê o plantio de 56,2 mil mudas numa área de 63 hectares. Emprega 70 pessoas de Campo Grande, cada uma ganha um salário mínimo.
- A manutenção vai demorar mais dois anos. É preciso combater formiga e roçar o mato para garantir que a muda vingue. Na época de plantio e adubação tivemos que comprar dez mulas. Sem tração animal fica impossível - conta o gerente de restauração, Abílio Vilela Neto.

O Globo, 24/06/2012, Economia, p. 45

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