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Clima em Bali pode favorecer o Brasil

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
23 de Nov de 2007

Clima em Bali pode favorecer o Brasil

Washington Novaes

É sempre muito difícil prognosticar o desfecho de conferências diplomáticas. Os interesses em jogo costumam ser muito divergentes ou excludentes. Além disso, a regra é que os protagonistas só abram o jogo no último momento, só aí revelem concessões a que estejam dispostos em busca de um acordo - ou a intransigência radical. Não está sendo diferente até aqui e certamente não será durante a 13ª reunião da Convenção do Clima, de 3 a 14 de dezembro, em Bali, na Indonésia.

Até aqui, sucedem-se diagnósticos sombrios sobre o que já está acontecendo no mundo por causa das mudanças climáticas - o Brasil incluído - e prognósticos muito preocupantes, ainda que se consigam reduzir em pelo menos 50% as atuais emissões de gases poluentes, para que a temperatura média planetária não suba além de 2 graus Celsius em 2050 e 3 graus no fim do século.

Ao fim e ao cabo, observa-se uma tentativa dos principais emissores de não fugir à lógica financeira e encontrar tecnologias capazes de baixar as emissões sem afetar as atuais fontes de energia poluente, nem as rotinas de produção e consumo. É assim com os Estados Unidos (o principal consumidor de petróleo e o maior emissor), com a Austrália (a maior exportadora de carvão mineral), com a China (que já se vai transformando no maior emissor, mas não quer frear seus atuais formatos de crescimento econômico, altamente dependentes do carvão), com a Índia (situação parecida) e até com o Brasil.

Mas é possível, e até provável, que ocorram alguns avanços em Bali. Não apenas porque o quadro planetário é muito grave e assusta protagonistas como a Europa. Mas também porque as pressões internas crescem em toda parte, principalmente nos Estados Unidos. E - no caso que interessa mais de perto ao Brasil - porque vários fatores confluem para propostas como a de financiar a redução do desmatamento em áreas de florestas tropicais, como a Amazônia (desmatamento, queimadas e mudanças no uso do solo respondem por quase 75% das emissões brasileiras, que no total já superavam 1 bilhão de toneladas anuais de dióxido de carbono em 1994, data do inventário oficial; no mundo essas causas respondem por quase 18% das emissões).

Já se sabe, por exemplo, que a redução da cobertura florestal nessas áreas de florestas não significa apenas perda da biodiversidade, que, por si só, justificaria qualquer esforço; significa também afetar o clima não só no bioma onde ocorrem os problemas, mas igualmente em vastas áreas continentais e extracontinentais. É o caso da Amazônia e, mais especificamente, da Amazônia brasileira, onde os cenários traçados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) admitem um aumento localizado da temperatura até 6 graus Celsius. Aconteça ou não a savanização do bioma - há divergências entre cientistas -, as conseqüências serão dramáticas para o Centro-Oeste, o Sudeste e parte da América Latina, até da Antártida. Sem falar nas influências ainda não precisas no clima global.

Por isso, convergem progressivamente propostas brasileiras e de outras regiões de mecanismos capazes de gerar recursos para compensar a renúncia ao desmatamento nesse bioma. Há muitos caminhos sugeridos: pagar pela manutenção de reservas legais, de áreas indígenas (que respondem por mais de 20% das áreas fechadas na Amazônia), de outras áreas protegidas por lei; pagar pela redução do índice de desmatamento na região, até chegar ao desmatamento zero. São várias as propostas.

Importante é que elas não sejam mais - como já foram no passado - rejeitadas liminarmente entre nós, em nome da manutenção da soberania nacional no uso de recursos e serviços nacionais. Ou como "obstáculos ao desenvolvimento" na Amazônia. O que pode ameaçar a soberania é o contrário: uma devastação que amedronte o mundo e ponha em discussão caminhos intervencionistas. Mas para que propostas no bom caminho possam prosperar é indispensável que o Brasil aceite compromissos - o que tem recusado até aqui -, metas de redução, e implemente políticas capazes de produzir esse resultado. Senão, quem aceitaria contribuir para um fundo de resultados incertos? Também é decisivo que renuncie a superados modelos devastadores, principalmente de expansão agropecuária, já sob crítica e até boicote de países que costumam importar produtos dessa área, com destaque para grãos e carnes.

Por essa mesma ótica, não faz sentido que o governo federal retarde - como tem anunciado - até o segundo semestre de 2008 o cogitado zoneamento ecológico/econômico capaz de impedir um avanço desordenado e predatório das culturas de cana-de-açúcar destinadas à produção de etanol. Mais um ano poderá ser fatal, com o zoneamento encontrando um quadro consumado do avanço em áreas onde não deveria ocorrer e - o que é pior - se beneficiando de incentivos fiscais estaduais e municipais, que transferem para o poder público e a sociedade os ônus das migrações desordenadas de candidatos ao trabalho no corte da cana. Já se conhecem em outros lugares o custo do adensamento de periferias muito pobres, do agravamento da poluição por queimadas, os problemas decorrentes do uso intensivo de alguns insumos, principalmente nitrogênio.

Não dá mais para fazer de conta que temos pela frente todo o tempo que quisermos para enfrentar os problemas do clima. A situação planetária é de emergência, como têm demonstrado tantas vozes respeitáveis em tantos fóruns. E como advertiu na semana passada mais um relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (Estado, 18/11). Precisamos estar à altura deste momento, principalmente olhando para os direitos das futuras gerações.

Washington Novaes é jornalista
E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

OESP, 23/11/2007, Espaço Aberto, p. A2

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