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Cestas e vale-transporte atraem índios paraguaios

OESP, Nacional, p.A10
11 de Jan de 2004

Cestas e vale-transporte atraem índios paraguaios
Caiovás-guarani vêm para o Brasil atrás de benefícios e ajudam tribos de MS a invadir fazendas

JOSÉ MARIA TOMAZELA Enviado especial

DOURADOS - Atraídas pelo dinheiro do vale-alimentação e outras benesses concedidas pelo governo brasileiro, como bolsa-escola, vale-gás e vale-transporte, centenas de índios paraguaios estão se fixando no Brasil.
Da etnia caiovás-guarani, eles estão na linha de frente dos grupos que desde o mês passado vêm invadindo fazendas na região de fronteira entre Mato Grosso do Sul e o Paraguai.
No país vizinho, os índios não recebem ajuda oficial e contam apenas com o auxílio de organizações não-governamentais. No lado brasileiro, gozam de maior proteção legal e é mais fácil o acesso à terra.
A intensa migração já foi constatada pela Fundação Nacional do Índio (Funai), segundo o administrador regional William Rodrigues. Ele diz que pelo menos 600 índios paraguaios se juntaram aos brasileiros na escalada de invasões de fazendas iniciada em dezembro. "Como são da mesma etnia, vieram para ajudar os brasileiros, pois eles não reconhecem as nossas fronteiras."
Para o administrador do órgão em Dourados, Israel Bernardo da Silva, o número de índios paraguaios no País passa de mil e a migração deve-se principalmente à política indigenista brasileira. "Aqui eles são incluídos no programa de segurança alimentar e logo estão recebendo a cesta básica.
Eles vêm atrás desses benefícios."
No Paraguai, segundo Silva, o projeto Pãy Tawterã, que assiste os índios, é desenvolvido por ONGs e não têm recursos do governo. No Brasil, além da ajuda federal - a Funai coloca veículos para uso dos chefes indígenas -, alguns municípios oferecem vale-transporte. Ele cita Paranhos, cuja prefeitura tem uma política social própria para o índio. Em decorrência, as cinco áreas indígenas tiveram um grande aumento populacional. A corrente migratória intensificou-se depois que a Funai iniciou o processo de remarcação da reserva dos kaiowás na Aldeia de Porto Lindo.
Isso explica por que o número de índios na região subiu de 2 mil, em outubro de 2003, para 3,7 mil, segundo os líderes. Os caiovás-guarani já invadiram 14 propriedades em Japorã e Iguatemi, segundo a Funai. Estão em posse deles oito fazendas com áreas acima de 500 hectares e seis menores, incluindo sítios menores de 80 hectares.
Estudo - O antropólogo italiano Fábio Mura, de 39 anos, contratado pela Funai, em convênio com a Unesco, para identificar as terras dos kaiowas no Brasil, disse que as condições dadas ao índio são um atrativo, mas lembra que esses índios são nômades e não vivem tradicionalmente em aldeias. Mura é o autor do mapeamento usado pelos indígenas para reivindicar as terras do cone sul.
Ele entregou o relatório à Funai em dezembro de 2002, propondo que a reserva, de 1.648 hectares, passasse a ter 9.461 hectares. "A etnia tem por tradição a ocupação de espaços amplos, permitindo densa troca social. Eles passaram a reivindicar depois de se sentirem acuados, pois os espaços atuais são muito limitados", explicou. "Sem estabelecer trocas sociais, eles ficam vulneráveis."
Graduado em Roma, mestre pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde faz doutorado, Mura garante que os guaranis sempre viveram nessa região, de onde acabaram sendo expulsos pela agropecuária. As terras foram exploradas pela Companhia Mate Laranjeira, que usava mão de obra indígena e, já na década de 60 do século passado, parceladas para um projeto de reforma agrária. Os colonos receberam títulos das terras.
O plano não funcionou e as parcelas foram juntadas nas fazendas. "Mas os índios sempre estiveram presentes na região."
O avanço dos kaiowas criou um clima de tensão entre os fazendeiros da região sul de Mato Grosso do Sul. Produtores reuniram-se na sexta-feira para discutir estratégias visando resistir às novas invasões. Eles alegam que têm títulos de propriedade emitidos pelo próprio governo. "Se a Justiça não fizer nada com urgência, precisamos tomar medidas para defender o que é nosso", disse Márcio Margatto, fazendeiro de Iguatemi.
Muitos produtores deixaram de preparar a terra com medo de perder tudo. Há dificuldade para a contratação de mão-de-obra - peões e caseiros têm receio do confronto com os índios. Ele denunciou o arrendamento de áreas nas reservas indígenas para a criação de gado e plantio de soja. "Tem um cacique recebendo pela cessão de pasto para mais de mil bois."
O administrador da Funai disse que a denúncia "é uma realidade", mas que o órgão está reagindo. "Tivemos o arrendamento de uma área em Dourados para um produtor se soja, mas o índio foi advertido de que isso é proibido."

OESP, 11/01/2004, p. A10.

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