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Cerrado pode sumir em 2060

CB, Cidades, p. 30
23 de Out de 2009

Cerrado pode sumir em 2060
Especialistas discutem o futuro do bioma e advertem que, mantido o atual ritmo de destruição, ele estará extinto em 50 anos

Juliana Boechat

Personagem da notícia Oalto índice de desmatamento do cerrado, segundo maior bioma do Brasil, preocupa cada dia mais os ambientalistas. De 2002 a 2008, 1% do cerrado desapareceu por ano - o que representa um total de 127.560km² de área devastada. Alguns estudiosos chegam a arriscar que, se for mantido o atual ritmo acelerado de destruição, o bioma tende a desaparecer dentro de 50 anos. Desde o início da construção de Brasília, na década de 1950, cerca de 68% do cerrado desapareceram do mapa. A esperança dos especialistas está nas 53 unidades de conservação espalhadas pelo território nacional.

O problema é que elas representam apenas 7% do total de 2.039.386 km² do bioma. A saída é, então, desenvolver ações criativas para impedir um futuro pior.

Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o DF é a unidade da Federação que menos desmatou o cerrado nos últimos seis anos. E é a única que no país que tem 93% do território protegido contra desmatamento. Fotos tiradas de satélites e o trabalho de ambientalistas mostram, no entanto, uma realidade diferente. Com a devastação em grande escala, cerca de 12 mil espécies de plantas, 320 mil de animais e as principais bacias hidrográficas do Brasil correm perigo. Os números são preocupantes, mas levantamentos como este são necessários para atualizar o mapa da devastação do bioma no país e, a partir daí, definir as metas para recuperar o tempo perdido. A preservação do cerrado foi o tema de debate, ontem pela manhã, no auditório da Reitoria da Universidade de Brasília (UnB). Três estudiosos se reuniram para apresentar os números e discutir o futuro do bioma.

Perdas O chefe do Departamento de Conservação da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente e professor do Departamento de Ecologia da UnB, Bráulio Ferreira de Souza Dias, iniciou há oito anos uma pesquisa para estudar o mapa de devastação do Cerrado. A primeira análise, realizada em 2002 com ajuda de imagens capturadas por dois satélites, mostrou que 41,9% do ecossistema estava destruído. Naquela época, blocos de 40 hectares de terra passaram pela pesquisa. Em 2008, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) voltou à região, que abrange 11 estados e o Distrito Federal, para detalhar a pesquisa. O resultado: 127.560 km² a menos de cerrado.

"Se continuarmos neste ritmo, vamos ficar apenas com as unidades de conservação do bioma, que alcança 7% de todo o cerrado. Destes, apenas 2,5% têm garantias de conservação integral. É insuficiente para garantir a biodiversidade do cerrado", explicou Bráulio.

A doutora em biologia animal da UnB Keila Macfadem ressaltou a preocupação em relação aos animais do cerrado.

Segundo ela, 10 espécies de mamíferos do bioma correm risco de desaparecer em 50 anos se não foram desenvolvidas políticas ambientais para impedir a devastação.

Com a proliferação das áreas urbanas ou ainda de campos de plantação e criação de gado, as unidades de conservação ficaram afastadas umas das outras. Outro fato recorrente é o fechamento dos corredores ecológicos, que permitem a circulação dos bichos entre as áreas protegidas. Dessa forma, os animais têm dificuldades para procriar.

O tatu-canastra, por exemplo, foi encontrado apenas no Parque da Água Mineral. E as antas só vivem no Parque Nacional ou na Estação Ecológica de Águas Emendadas.

Como consequência, os animais são obrigados a correr o risco em estradas, comer lixo em áreas próximas às cidades e ainda se proteger de animais urbanos, como cachorros. Para desenvolver a pesquisa, Keila Macfadem analisou 35 espécies de mamíferos na região.

Para compreender a rotina e aprender sobre a vida dos bichos, ela instalou de 70 câmeras fotográficas em pontos estratégicos de três áreas de conservação ambiental do Centro-Oeste - Estação Ecológica de Águas Emendadas, Parque Nacional da Água Mineral e Área de Proteção Ambiental Gama/ Cabeça-de-Veado. O trabalho foi realizado por quatro meses, sendo que dois de chuva e dois de seca.

Conflitos
Os palestrantes apresentaram mapas da devastação a partir da década de 1950.

Em 1954, o cerrado tomava conta de quase todo o centro do Brasil. Mas, a partir da construção de Brasília e a ocupação urbana, a região de mata diminuía aos poucos.

O professor Bráulio citou ainda conflitos sobre o uso da terra, as mudanças drásticas do clima e o constante desmatamento que, somados, aumentaram a temperatura média do planeta e alterou as condições do meio ambiente. "A situação é perigosa. E o meio ambiente não vai sobreviver", alertou Bráulio. O presidente do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), Gustavo Souto Maior, acrescentou à lista de colaboradores da devastação a proliferação de condomínios irregulares e a ocupação desordenada do solo.

"As unidades de conservação estão asfixiadas pelo lixão da Estrutural e pelo Setor de Oficinas, no fim da Asa Norte, por exemplo. As unidades foram separadas em ilhas", contou.

Souto Maior também ressaltou a falta de recursos dos governos federal e estadual para investir na preservação do meio ambiente. À frente do instituto há dois anos e meio, ele contou sobre a dificuldade dos órgãos ambientais em conter o ritmo da devastação. Ele citou, por exemplo, que o Ibram recebe 0,023% de todo o orçamento do Governo do Distrito Federal por ano para cuidar do meio ambiente. Para o Ministério do Meio Ambiente é destinado 0,11% do orçamento federal. "A tendência é que nem as unidades de preservação sejam respeitadas.

Acho que tem, sim, solução se começarmos a lutar pelo espaço agora", disse. Para ele, a população também deve se engajar com coragem e criatividade para reverter a atual situação. "Tem que haver o equilíbrio entre o meio ambiente e o desenvolvimento econômico", sugeriu Gustavo.

Velha ensina e surpreende
Para as curandeiras, rezadeiras e bezendeiras do Distrito Federal e de estados como Bahia,Maranhão,Goiás,Minas Gerais, o meio ambiente deve ser respeitado.

Afinal de contas, é a partir das árvores e da natureza, que as comunidades tradicionais buscam a cura para as doenças, abrigo e segurança. Interessada pela forma com que as pessoas se relacionam com o meio ambiente, a graduada em artes cênicas pela Universidade de Brasília Larissa dos Santos Malty resolveu usar a arte para descobrir um pouco mais sobre a outra realidade. Foi quando criou, há sete anos, a Velha do Cerrado.

Larissa trabalha no Ministério do Meio Ambiente.Mas quando descobre algum lugar interessante para a personagem visitar, ela pede folga ao chefe e não mede esforços.Na terça-feira, foi ao Senado participar dos debates sobre os 50 anos de Brasília."Convivemos com o cerrado desde sempre. A gente anda de bicicleta no cerrado", explicou.Outra vez, chegou de surpresa a uma aula de pintura na comunidade de Águas Emendadas. Levou as mulheres para conhecer os pigmentos do cerrado antes de começarem as aulas práticas.

"Sempre tive esse interesse em saber como funcionam as relações das comunidades com o meio ambiente", disse.

A personagem de Larissa chama a atenção,principalmente pelo barulho das pequenas xícaras de alumínio penduradas no pescoço em forma de colar.Ela ainda pinta o rosto, coloca um lenço na cabeça, veste saias longas e anda com um cajado para apoiar o corpo. "Estas mulheres das comunidades tradicionais sempre utilizam o chá e a água para tomar banho ou fazer remédios", explicou. Por onde passa, a velha ganha novos apelidos: Velha das Latas ou ainda Maria Balão.

"Cada um chama de um nome.Mas para mim,é Velha do Cerrado", finalizou.

CB, 23/10/2009, Cidades, p. 30

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